O bebé que colocámos na imagem principal deste artigo conta duas histórias. A primeira é aquela que todos nós transportarmos dentro das nossas células e que está guardada numa cadeia de ADN dividida em peças chamadas genes. A segunda história nem todos conseguem alcançar: este bebé é viral. Quando os pais publicaram uma fotografia da criança não sabiam que ela se tornaria num dos símbolos mais famosos das brincadeiras da internet. Mas, por mais estranho que pareça, há um homem que em 1976 já se tinha apercebido que as duas histórias deste bebé têm mais em comum do que parece.
Há quarenta anos, o pensador e biólogo evolucionista Richard Dawkins lançou um dos livros científicos mais influentes do século XX. Chamava-se O Gene Egoísta e explicava a evolução das espécies do ponto de vista de um só gene. De acordo com Dawkins, o gene é uma unidade de informação que tende a perpetuar-se através de uma ferramenta: o organismo. O nosso corpo, por exemplo, é a “máquina de sobrevivência” de um gene que se pretende replicar e que escolhe o indivíduo mais apto para tal. No fundo, Dawkins fez-nos olhar para a Teoria da Seleção Natural de Darwin de uma nova perspetiva. O que tem isto tudo a ver com os memes? É que foi nesse mesmo livro que a expressão “meme” nasceu. Dawkins escreveu que um “meme” é o equivalente cultural de um gene, ou seja, uma pequena unidade de informação que contém uma memória ou um determinado conhecimento e que passa de mente para mente em busca de evolução, disseminação e sobrevivência. Acontece que os memes, tal como os genes, estão sujeitos a uma seleção natural: se não forem aptos, desaparecem.
Os memes são, portanto, anteriores à existência da Internet como a conhecemos. Antes de empregarmos este termo às piadas repetidas Internet fora, já o mundo dava esse nomes aos hábitos, aos trajes, às receitas, às linguagens e a toda a matéria mental capaz de passar de geração em geração e entre indivíduos. Daniel Dennett, filósofo da mente e da biologia e conhecido por ser um dos ateus mais proeminentes de hoje, chegou a dizer que “uma carreta com rodas raiadas não só transporta carga de um lado para o outro, como também transporta a brilhante ideia de uma carreta de rodas raiadas de uma mente para outra”. E com isto ele quer dizer que a ideia dessas rodas foi substituindo as rodas maciças porque era uma ideia mais apta e que sobreviveu melhor à seleção natural.
Tal como a biologia tem um ramo específico para estudar os genes — a genética –, também se criou um ramo para o estudo dos memes: é a memética. E um dos princípios dos profissionais da memética é que não importa se uma ideia ou conceito é verdadeiro ou não: importa como consegue alcançar sucesso com o seu potencial de transmissão e contágio. Mas será que isto também é válido para todas as imagens de “Grumpy Cat” ou “Socially Awesome Awkward Penguin” que consumimos nas noites de insónias em portais como o 9GAG? Jeremy Trevelyan Burman, teórico da Universidade de Groningen, diz ao El Español que não: a ideia original de Dawkins está a ser mal interpretada: em 1976, um meme era “um objeto imaginário” e que “o significado contemporâneo nada tem a ver com a fonte original”.
Pode não ser um objeto científico, mas os “memes” da atualidade continuam a merecer atenção. Como é que a fotografia de uma borboleta em cima do nariz de Cristiano Ronaldo pode dar a volta ao mundo? Porque é que o riso do ex-basquetebolista Yao Ming ainda hoje (sete anos depois da fotografia ter sido captada) é presença recorrente dos sites acumuladores de memes como o “Know Your Meme”, o “9GAG” ou o português “Toma o Link”? Explica Michele Coscia, especialista em Humanidades Digitais na Universidade de Harvard, que a receita para a viralidade de um meme é “ter algo de peculiar que o faz distinto dos que já estão a ser partilhados”. E acrescenta: “Quanto mais canónica for a variação, mais parecida à original, menos provável é o triunfo”. Claro que medir o sucesso prévio de uma criação humana é sempre delicado: vai depender do ambiente sociocultural, da predisposição dos internautas, dos algoritmos das redes sociais, entre outros fatores. Adam McNamara, neurocientista da Universidade de Nottingham escreve que um meme “é como uma carta numa mão de poker. O seu valor depende das que a rodeiam”.