Adenovírus, balanite, giardíase ou impetigo. Estas são algumas das mais de 90 doenças que constam no livro O Infectário (junção de infantário com infeção), do pediatra Paulo Oom. Quis o médico com mais de 30 anos de experiência aliviar os nervos sempre em franja dos pais cujos filhos entraram agora na escola: é nesses ambientes fechados, em contacto com mais crianças, que os mais novos começam a angariar doenças e vírus. Semana sim, semana não, lá vem a tosse, o nariz pingado e até a febre.

Pode não parecer, mas a grande maioria dos casos — mesmo com vómitos e erupções na pele à mistura — não é assim tão grave como parece, nem tampouco motivo para grandes preocupações. A pensar nisso, e de forma a evitar a corrida desnecessária às urgências ou à nem sempre fiável internet, o pediatra compilou aquelas que considera serem as doenças mais frequentes nos primeiros anos de escola, sendo que para cada uma estão discriminadas as causas, os sintomas e a forma de tratamento, entre outros aspetos.

Em entrevista ao Observador, Oom explica que escreveu o livro para tranquilizar os pais, que diz estarem mais inseguros, e para ajudá-los a lidar com os sintomas mais frequentes. Aconselha ainda que as crianças se sujem e brinquem na terra, de modo a reforçar o sistema imunitário, e vira a cara à disciplina excessiva da limpeza e higiene. E sim, tem também uma palavra a dizer sobre a vacinação (ou falta dela) nos mais novos:

Existe um Programa Nacional de Vacinação que as crianças devem cumprir. Não cumprir esse programa é, para mim, uma forma de maus-tratos.”

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O livro da editora Matéria-Prima está à venda desde meados de outubro por 16€. © DR

“Esta é a tempestade perfeita para que as crianças fiquem mais doentes”

O que faz um pediatra já apelidado de descontraído escrever um livro com mais de 90 simulações de doenças?
[Risos] A ideia é passar essa descontração aos pais, ou seja, é importante que eles saibam que existem muitas doenças que a criança pode ter quando vai para a escola pela primeira vez, e também nos primeiros anos, e que felizmente a grande maioria delas são doenças muito ligeiras. Habitualmente os pais têm fobia da doença e de alguns sintomas, como a febre, e a maior parte das situações resolvem-se tranquilamente, em alguns dias, deixando o tempo passar. O livro pretende passar essa mensagem de tranquilidade aos pais, ao mesmo tempo que os alerta para o que é realmente importante — muitas vezes os pais agarram-se as coisas que acham que são muito importantes e que, na verdade, não o são.

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A entrada de uma criança para a creche ou para o infantário é mesmo chocante, tendo em conta que é nesta fase que ela vai começar a ficar doente?
Sim. É sempre assim. Ou seja, elas entram para as escolas e as doenças começam porque vão estar em contacto com outras crianças que também estão doentes. Além disso vão estar em ambientes fechados, sobretudo na altura do inverno que é quando há mais infeções, nomeadamente infeções respiratórias. Esta é a tempestade perfeita para que elas fiquem mais doentes. É natural que assim seja, não é necessariamente mau: é assim que a criança vai criando defesas contra as infeções.

Quão fácil é uma criança passar bactérias para outra?
É muito fácil até porque a maior parte das bactérias e dos vírus responsáveis por estas infeções passam não só por via respiratória, pela tosse e pelos espirros, mas também através das várias superfícies, ou seja, a criança acaba por ter as bactérias na mão — leva a mão ao nariz e à boca — e vai tocar com ela no chão, nas mesas ou cadeiras; a outra criança quando chega também toca nesse local e a bactéria passa para a mão. A passagem através das mãos é, na maior parte das vezes, mais importante que a passagem pela tosse ou pelo espirro.

Há conselhos ou dicas para uma introdução mais suave da criança na creche?
Depende muito de criança para criança. Quando se vai para a escola pela primeira vez, há crianças que estão mais desenvolvidas do ponto de vista imunitário do que outras. Portanto, nem sempre é uma tragédia, mas também nada como pôr a criança na escola e ver o que vai acontecendo. É claro que há regras gerais da escola que ajudam a diminuir um pouco as coisas, nomeadamente quando há uma criança que se sabe estar doente — nesse caso, o melhor é ela não ir à escola nesses dias. Mas também ajuda o facto de as superfícies — as mesas e as cadeiras — serem limpas regularmente. Ou seja, desde que sejam seguidas algumas regras, a possibilidade de transmissão de infeções é muito menor. Mas não se consegue reduzir totalmente, isso até seria estranho.

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Tranquilizar os pais perante um cenário tão comum como um nariz a pingar é um dos objetivos de Paulo Oom. (Foto: iStock/Getty Images)

“Não cumprir o Programa Nacional de Vacinação é uma forma de maus-tratos”

O facto de uma criança estar num infantário permite adquirir mais defesas e, assim, reforçar o sistema imunitário?
É natural que a criança quando vai para o infantário acabe por apanhar infeções porque tem um sistema imunitário mais deficiente. Há centenas de vírus e bactérias diferentes, e quando uma criança apanha um deles acaba por criar defesas contra essa bactéria em particular. Com o tempo acaba por contactar com a maioria desses vírus e bactérias — a partir desse momento não só essa criança, como aquelas à sua volta, criam aquilo a que se chama a imunidade de grupo. Quando a maioria das crianças naquela sala já teve um determinado vírus, mesmo que venha uma colega de fora com essa doença, ela já não a consegue passar porque já todos têm defesas. É uma coisa inevitável [apanhar doenças] mas que, de certa forma, é benéfica para a criança. O sistema imunitário da criança tem memória para as infeções.

Por falar em imunidade de grupo, qual a sua posição sobre as vacinas?
Existe um Programa Nacional de Vacinação que as crianças devem cumprir. Não cumprir esse programa é, para mim, uma forma de maus-tratos. Ou seja, acho que não é sequer uma opção. Acho que o plano é uma opção, não é obrigatório no sentido de ser obrigatório por lei, mas protege de uma forma eficaz contra muitas doenças que até alguns anos ou matavam ou davam sequelas muito graves. Não fazer essas vacinas — as que estão no programa — é uma completa irresponsabilidade. É claro que há pais que não o fazem e que até se vangloriam que o filho não fez vacinas e nunca está doente, mas a criança não está doente e não apanha essas doenças porque todos os outros com quem ela contacta estão vacinados. Nós sabemos que não é preciso que 100% das crianças estejam vacinadas para que a doença desapareça, mas sim 90 e muitos por cento. Estes pais que não vacinam as crianças estão a gozar do benefício de os outros serem vacinados.

Há uma idade certa para introduzir a criança no infantário? É verdade que aconselha atrasar a entrada na escola até aos dois anos e meio, três?
Temos aqui duas coisas: o benefício e o risco para a criança. O benefício existe a partir do ano e meio até aos três, que é quando a criança tem de ir para a escola — não pode passar dos três. Quando vai mais tarde [para a escola] já ficaram de lado muitas oportunidades para aprender regras, socializar com outras crianças, ter brincadeiras em conjunto, etc. Se a criança não foi até aos três, deve ir a partir dessa altura.

Por outro lado, sabemos que quanto mais nova é a criança, mais imatura está do ponto de vista de defesas e, portanto, também não deve ir muito cedo caso contrário apanha mais infeções do que o suposto. Abaixo de um ano e meio há bastante mais risco, daí que fale no compromisso “um ano e meio a três”: por um lado a criança já tem algumas defesas, não vai apanhar tudo o que encontrar [pela frente], mas não convém adiar mais do que isso porque vai fazer-lhe falta do ponto de vista social. Aconselho os pais a, se possível, não colocar antes de um ano e meio ou depois dos três. Mas também é preciso ter em conta a época do ano em que festejam o aniversário.

“Os pais não são médicos nem pediatras”

O que é uma infeção simples, isto é, praticamente inofensiva, e uma infeção grave? Quais são os sinais de alerta?
Aqui a grande dificuldade é que a maioria das infeções da criança simples e não simples começam todas da mesma maneira — com febre, dores de barriga ou vómitos. Qualquer infeção que está no início apresenta sintomas inespecíficos. O que nos vai dizer se é uma infeção grave ou não é a evolução. Ou seja, a criança pode rapidamente ficar com febres de 40 graus, já quase não dá de si, quando no outro extremo temos uma criança que pode estar uma semana com febres baixas porque tem uma virose que é inespecífica, que não dá problema nenhum a não ser algum incómodo, sobretudo ao final da tarde quando as temperaturas são mais altas. [O importante é] não fixar muito nos sintomas em si, mas na evolução. É claro que há coisas que nos preocupam: febres acima dos 39,5 graus, febres que não baixam mesmo quando os pais dão antipiréticos ou vómitos que não passam ao fim de duas ou três horas. Ou seja, há alguns sintomas em particular que nos assustam mais, o que não quer dizer que estando esses sintomas presentes a coisa seja necessariamente grave. Significa, ao invés, que a criança tem de ser observada.

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Paulo Oom é doutorado em Pediatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, faz parte da Sociedade Portuguesa de Pediatria e é professor convidado da Universidade Católica Portuguesa. © Augusto Brázio

Quais são as doenças mais frequentes nos primeiros anos de vida das crianças?
As doenças mais frequentes nos primeiros anos de vida são normalmente infeções virais, mais do que as bacterianas, e normalmente são doenças que são autolimitadas — o que os pais têm de fazer é a aprender a lidar com os sintomas, ou seja, aprender a lidar com a febre, com os vómitos, com a tosse, com a diarreia, porque são doenças que vão passar ao fim de alguns dias. É uma questão de lidar com esses sintomas e procurar um médico caso os sintomas fiquem muito exuberantes: por exemplo, quando a criança não para de vomitar ou tem 41 de febre, ou até quando os sintomas se prolongam no tempo, além dos três ou quatro dias.

No livro escreve que a internet pode ser um inimigo na luta contra uma doença. Afinal, o Dr. Google não é tão certeiro como o pensado?
A internet está cheia de coisas mas não tem nenhum filtro, ou seja, quando os pais pesquisam alguma coisa aparece-lhes tudo à frente — verdades, mentiras ou coisas raríssimas, um caso em dez milhões que aparece logo na primeira página. Não há qualquer filtro, pelo que é um erro os pais irem procurar coisas à internet. Os pais não são médicos nem pediatras, eles próprios não têm a capacidade de perceber o que é verdade ou mentira. Há muitos casos de filhos com doenças banais, como varicela ou picadas de insetos, em que os pais acabam por ver na internet situações de crianças que ficaram com sequelas graves ou que morreram… Ou, então, pais que vêm na internet que os filhos têm sarampo e ficam aflitíssimos. Não há sarampo em Portugal há 20 anos.

“Pior do que o infantário são as urgências”

Em relação às idas às urgências, porque escreve que este é um dos erros mais comuns cometidos pelos pais?
Pior do que o infantário são as urgências. No infantário temos crianças saudáveis e crianças que podem estar doentes, nas urgências só temos crianças doentes. Se a pessoa quiser pensar num sítio onde pode apanhar uma doença é numa sala de espera das urgências — uma hora ou duas e de certeza que se apanha qualquer coisa. Pela nossa experiência na pediatria, 90% das idas às urgências são desnecessárias, são pais que estão ansiosos, é uma febre que começou no próprio dia ou duas horas antes — uma pessoa nem sabe como é que aquilo vai evoluir. Os pais usam e abusam da urgência [médica], até porque é uma coisa que está aberta a todos e é gratuita — utilizam muito isto como consulta para tirar dúvidas. No meio de tudo isso, de vez em quando há mesmo uma doença que é mais grave e essa criança também esteve na sala de espera — enquanto lá esteve tossiu, espirrou, tocou noutras crianças, partilhou alguma coisa. O meu conselho é só ir se for mesmo necessário. Atualmente com as tecnologias que existem ao nosso dispor… eu contacto com os meus pacientes por mensagem, WhatsApp, e-mail, enfim… com a quantidade de formas que existem para contactar um pediatra só se justifica o recurso a serviços de urgência nos casos em que o pediatra o diz ou porque os pais acham que a criança está [mesmo mal]… Porque teve uma convulsão ou foi atropelada, ou seja, coisas que são manifestamente graves.

Os pais recorrem em excesso aos pediatras nos primeiros anos de vida de uma criança?
De uma forma geral, os pais estão mais inseguros. Isto tem que ver com vários fatores e provavelmente acontece porque estão menos tempo com os filhos e, quando estão, querem que esteja tudo bem. À mínima coisa querem logo que alguém lhes dê uma receita. Por outro lado, há muito menos contacto com os avós [das crianças] e com pessoas que têm experiência. Hoje em dia, muitos pais não têm essa ajuda. Os pais são mais inseguros, especialmente quando é o primeiro e o segundo filho. Mas isto é válido para as doenças como para a disciplina e para a educação.

Já disse antes que, hoje em dia, os pais são bombeiros e polícias dos filhos porque estão sempre lá. Passa-se o mesmo em relação às doenças?
Disse isso a propósito da disciplina e da educação, na medida em que os pais estavam sempre a fazer com que a criança não sentisse frustração, por exemplo. Seja por não conseguir fazer um trabalho de casa, ou outra coisa qualquer, os pais estavam constantemente a servir de rede — muitas vezes de uma forma antecipatória — e isso fazia com que as crianças não crescessem. Digo sempre uma coisa que alguns pais acham um pouco mais escandaloso: não tem mal nenhum os pais deixarem que, de vez em quando, as crianças se sintam frustradas. Têm é de ensiná-los a lidar com a frustração. Muitos pais preocupam-se de maneira a que a criança nunca se sinta frustrada, chegam a fazer os TCP com ela e estudar com ela. Isto é completamente errado. Depois vemos adolescentes que não sabem lidar com a frustração.

“Brincar na terra e sujar-se só pode ser benéfico para a criança”

Muitos pais fazem um sério esforço para que o filho viva numa redoma. Qual é a sua posição sobre a disciplina (por vezes excessiva) da limpeza e da higiene?
Não, nem pensar. Acho que há mínimos, a criança tem de ser educada naquilo que são as regras normais da disciplina e da higiene, de lavar as mãos depois de ir à casa de banho e antes de comer, ou seja, há coisas que fazem parte da educação geral de uma criança. Agora, isto não tem nada que ver com a criança brincar na terra ou sujar-se. Isso não tem problema nenhum e só pode ser benéfico para a criança. O sujar-se, o brincar, o contacto com a terra… às vezes os pais são muito obsessivos no sentido de não quererem que as crianças se sujem, mas elas têm de fazer isso tudo. Não é preciso levar as coisas ao extremo, no sentido de a criança viver na redoma, isso é completamente errado.

Existem estudos que sugerem que a exposição a bactérias e a alergénios reduz o risco de futuras alergias e problemas respiratórios como a asma. Concorda?
Faz sentido. Tudo o que seja a criança ir sendo gradualmente exposta a todos esses agentes que provocam doenças significa que ela vai ganhando as suas defesas. Isso é uma coisa normal e natural, não é um problema.

O que acontece no caso de uma criança viver efetivamente numa redoma? Qual o impacto a longo prazo?
O impacto é que, mais cedo ou mais tarde, ela vai entrar em contacto com aquela bactéria e com aquela doença e, nessa altura, não vai ter defesas para ela. Vai ter um quadro normalmente mais aparatoso do que se fosse gradualmente ganhando as suas defesas. E vai ter as doenças numa altura em que já não era suposto ter.