Pipoca mais doce, ou então, Ana Garcia Martins. A ex-jornalista que é blogger (o principal foi criado em 2003 e acumula até hoje 50 milhões de visitas) e empresária de sucesso aventurou-se pelas páginas da literatura infantil — influenciou o facto de ter sido mãe há cerca de 14 meses. De lado, ficam os sapatos de salto alto ou os visuais que tem por hábito publicar no universo online. Isto porque, agora, a conversa e outra: divertida, ingénua q.b. e muito mal-cheirosa. Quem deu um pum? (Porto Editora) é o primeiro título da Coleção Mateus, que visa acompanhar o crescimento do filho, e o livro de estreia da autora no domínio dos mais pequenos.

O Observador aproveitou o lançamento da obra, que chega esta sexta-feira às livrarias portuguesas, para falar com Ana Garcia Martins a propósito do que é ser mãe, uma experiência que explica na primeira pessoa e sem rodeios. Desde as dúvidas e os receios consequentes do ato de educar um filho ao excesso de preocupação de algumas mães. Mas com passagem pelas ideias preconcebidas que, diz a blogger, agora compreende mais facilmente: “Acho que era um bocadinho extremista nas minhas opiniões sobre maternidade e agora percebo que, às vezes, temos de relaxar um pouco. Mas continuo a achar que a maior parte das mães é, de facto, fundamentalista em muitos temas. Tento não ser assim, mas seguramente falharei noutras coisas”.

Porquê escrever um livro infantil?
Não foi nada que me tivesse passado pela cabeça ou nada que eu tivesse ambicionado, mas surgiu o convite da Porto Editora que tem acompanhado o blogue secundário, Pipoca mais Dois, onde vou relatando as aventuras da maternidade. Acharam que podia ser engraçado, como me movo no meio da escrita e agora que sou mãe, tentar fazer uma coisa voltada para o público mais infantil, mas também para os pais.

Mas é um registo de escrita completamente diferente.
É e é desafiante tentar colocar-me na cabeça de uma criança, tentar perceber ao que vão achar graça, se a linguagem é apropriada, se a vão perceber ou até mesmo se não está, ou não, simplista de mais. Tentar fazer esse processo de me colocar na cabeça deles e prever a reação. Não é fácil. Nunca tinha escrito nada parecido e o meu filho ainda é pequenino — coitado, leio-lhe a história, mas ele não percebe o que estou a dizer; sabe apenas que estou a falar com ele. Ao mesmo tempo, é um processo divertido e acho que o objetivo foi cumprido.

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Na infância de uma criança, o tema do “cocó” é recorrente…
O Mateus com 14 meses não faz ideia de nada, nem sabe onde tem o nariz. Mas, para as outras crianças, que já têm alguma noção do mundo, todo esse lado escatológico é uma coisa a que acham muita graça. A palavra “pum” provoca gargalhadas numa criança durante horas a fio. Apesar de o tema não ser, possivelmente, o mais bonito ou elegante, é uma coisa que faz parte do universo das crianças e que as faz rir.

Este é o primeiro livro da Coleção Mateus. A literatura infantil em questão vai acompanhar o teu filho até que idade?
Até ele se começar a sentir envergonhado. Quando for um pré-adolescente já não vai achar muita graça a ter a sua vida exposta. Apesar de os livros serem inspirados no Mateus, os temas são genéricos. Não há planos para quanto tempo durará a coleção; acredito que vai chegar uma altura onde já não faça sentido. Vamos vendo.

As personagens do livro são as pessoas que tens em casa: o filho, o pai e até o enteado. O que passa da vida real para o livro?
O desafio da Porto Editora foi exatamente esse — uma coleção de livros que fosse acompanhando a vida do Mateus e o seu crescimento. Obviamente, sendo ele tão pequenino, este não é um livro para uma criança de seis meses ou de um ano (porque eles não têm qualquer noção). A ideia é que a coleção vá acompanhando um pouco as aventuras dele. E o tema do pum, dos cocós e das fraldas, é sempre um tema… Quem tem um bebé, por mais que não queira, é sempre obrigado a lidar com ele.
Sendo um livro focado nas aventuras do Mateus, fazia sentido que as ilustrações fossem nesse sentido e acompanhassem a família e a retratassem como ela é. A Rita Duque, ilustradora, fez um trabalho fantástico: todas as personagens, menos a vizinha e os avós — há avós de ambos os lados e não queríamos que ficassem magoados — somos nós com as nossas caraterísticas físicas e também psicológicas (o Benfica tinha de estar presente, obviamente — o Mateus foi mais depressa sócio do Benfica do que teve cartão do cidadão, até porque o pai saiu disparado da maternidade para o estádio da Luz).

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Capa do livro – D.R.

Como é que a maternidade te mudou?
Houve planeamento [para ter um bebé], mas eu estava longe de imaginar que seria tão rápido. Não deixou de ter aquele efeito surpresa. Acho que nunca estamos preparadas para isto, por mais que queiramos, por mais que façamos planos e idealizemos a nossa vida. Chegada a hora H, não nos sentimos preparadas. É impossível dizer como vai ser a nossa vida daqui para a frente, que tipo de mãe vamos ser. Muitas ideias que temos acabam por cair completamente por terra e por ser infundadas: só quando temos a criança nos braços é que sabemos como lidar com ela. É claro que a vida muda e há pais que fazem disso um grande drama — a forma como lidamos com isso é que é diferente, mas sim, a vida muda. Acho que muda sempre para melhor, embora possa ser mais ou menos difícil. Sempre fui muito descontraída durante a gravidez e, agora, enquanto mãe. Sou relaxada, tento não stressar muito com cada situação, pelo que conseguimos integrar o Mateus bastante bem na nossa vida.

Qual foi a primeira (grande) dúvida que surgiu assim que descobriste que ias ser mãe?
Foi esta: ‘ Será que estou preparada para isto?’. Acho que é a dúvida que toda a gente tem. Por muito que queiramos aquilo, começamos a pensar se vamos ser boas mães, se vamos ter ou não condições para educar a criança… A partir do momento em que somos mães, somos inundadas com um sem fim de medos que vivem connosco. Das poucas coisas que tenho saudades do tempo de não ser mãe é de não ter essa preocupação, de não saber que tinha alguém dependente de mim. Está ali um ser pelo qual sou responsável e tenho de lhe conseguir proporcionar o melhor da vida. A preocupação é constante… Nunca sabemos se estamos a fazer o mais certo. Nesse processo de ser descomplicada, tento seguir muito o instinto.

Há excesso de preocupação na maternidade?
Costumo dizer que não há setor mais fundamentalista e mais extremista do que o das mães. Todas elas têm opiniões muito vincadas e muito estruturadas que acham que ninguém consegue contestar. Agora, o sentimento de culpa vive, obviamente, connosco. Não conseguimos passar tanto tempo com os filhos durante o dia e tentamos compensar mais à noite ou ao fim de semana — acho que é uma grande luta das mães modernas. Foi uma coisa que senti ao início: para passar tempo de qualidade com o meu filho tinha de deixar alguma coisa para trás, não estava a trabalhar ou não estava a ter tempo para mim. Se hoje dou mais atenção ao Mateus, amanhã sei que vou ter de trabalhar mais. Tento também não me culpabilizar em excesso. Sempre disse que queria levar a maternidade de uma forma que não me anulasse por completo.

Que tipo de ideias, ou mitos, tinhas da maternidade?
Aquelas coisas que dizemos porque, efetivamente, não temos filhos — ‘Nunca vou deixá-lo comer com o iPad à frente’. Não. De repente, uma pessoa quer é que ele coma e, se for preciso, vai buscar um plasma de 180 polegadas. ‘Nunca o vou levar para a minha cama para dormir.’ Não, obviamente já aconteceu, embora não aconteça todos os dias e até faço por promover o contrário. Acho que era um bocadinho extremista nas minhas opiniões sobre maternidade e agora percebo que, às vezes, temos de relaxar um pouco. Mas continuo a achar que a maior parte das mães são, de facto, muito fundamentalistas em muitos temas ligados à maternidade. Tento não ser assim, mas seguramente falharei noutras coisas.

Escreveste no blogue Pipoca mais dois sobre a expressão “Isso é porque não tens filhos”…
Foi uma situação muito específica, em que alguém estava a fazer uma piada sobre a morte do filho da Judite Sousa. Deixou-me sensibilizada, pelo que disse isso à pessoa que estava a fazer a piada e que não percebeu por que razão as mães, que estavam à volta, não se riram. Tens de ser pai/mãe para perceber que, efetivamente, há coisas sobre as quais não podes fazer piadas. E eu sou uma pessoa completamente transversal e adoro humor negro e rio-me de coisas com as quais mais ninguém acha graça. Pus-me do outro lado: é uma coisa que se faz a partir do momento em que se começa a ser mãe. Antes disso noticiavam a morte de uma criança e aquilo tocava-me por uns minutos, mas a minha vida seguia. Agora, passamos imediatamente para o outro lado e pomo-nos no lugar da mãe. Não há outra forma de explicar este amor de que toda a gente fala, mas que não é parecido com nada.
Agora, não acredito de todo que seja preciso ter-se filhos para se poder opinar sobre temas infantis. Quando alguém acusa uma criança de ser mal-educada, geralmente os pais defendem-se sempre com um ‘ Quando tiveres filhos, logo vês’. Acho que, mesmo não tendo filhos, podemos ter um palpite sobre aquilo que é o universo infantil. Havia coisas que achava antes de ter filhos e que continuo a achar: que há birras e atitudes insuportáveis, que muitas das reações das crianças são promovidas mais pelos pais do que pelos próprios filhos. A opinião do mundo infantil não é exclusiva aos pais.

Como descreves o Blogue Pipoca mais dois?
No blogue principal sempre fui conhecida por ter opiniões que divergem daquelas das massas, o que varia para o bom e para o mau. Com o blogue infantil é exatamente a mesma coisa, não estou ali a dourar a pílula, como vejo muita gente a fazer em blogues onde tudo é maravilhoso e as crianças estão sempre impecáveis e são um poço de boa educação. Eu conto as coisas como elas são. Comecei o blogue quando estava grávida e, para a maioria das grávidas, é tudo maravilhoso, ouvem anjos e sinos. A gravidez não é tão espetacular quanto isso. Não sofri muito, mas tenho casos de amigas que passaram, literalmente, as passas do Algarve com a gravidez. Tento passar as dúvidas e os medos e exponho-me um pouco, o que dá origem a comentários e opiniões. Com este assunto da maternidade, é fazer com que o que ouvimos entre por um ouvido e saía pelo outro. Cada pessoa diz uma coisa e o que resulta para uma criança, não resulta para outra. Vou absorvendo e filtrando.

Que tipo de críticas já recebeste?
São mais observações sobre o meu comportamento ou sobre decisões que tomo. Houve alguns temas que geraram alguma controvérsia. Há dois deles que, no mundo infantil, geram a maior polémica: cesariana versus parto normal e a amamentação versus biberão. Fiz uma cesariana porque não havia outra hipótese. O Mateus estava sentado desde os quatro meses e, até ao dia do parto, não deu a volta. Depois, a amamentação… Ele nasceu prematuro [com 34 semanas]. Eu nunca tinha tido esse sonho de amamentar uma criança ou, pelo menos, nunca olhei para a amamentação como se fosse o vínculo mais importante entre uma mãe e um filho, acho que isso se conquista de muitas outras formas (obviamente, para quem acha, é uma coisa bonita e cria uma ligação importante). Quando o Mateus nasceu tentei dar de mamar, apesar de achar sempre que aquilo não era para mim. Mas ele, de facto, era muito pequenino e não ficava bem só com a mama. Ao fim de meia hora de ter nascido, já estava a beber leite adaptado. E, depois, há aquela pressão de estar sempre a ver quantos gramas ganhou para não ser internado no hospital. Achei que era demais para mim. Já se tem que lidar com tanta coisa quando uma criança nasce… Tentei dar de mamar durante quatro dias. Não desgostei da experiência e até considero, numa segunda gravidez, dar de mamar.

Qual o papel de um pediatra na educação de um filho?
Costumo dizer que para as mães de primeira viagem um pediatra é fundamental para pôr um pouco de água na fervura. Numa primeira gravidez, tudo é novo, os medos são todos. O meu pediatra [Paulo Oom] é muito descontraído e isso, no início, causava-me alguma preocupação porque às vezes ele agia com alguma distância. Depois percebi que simplesmente passam-lhe muitas crianças pelas mãos. Cabe-lhe o papel de não nos preocupar ainda mais. Não me passaria pela cabeça não ter um pediatra.

Houve algum conselho do pediatra que te tenha intrigado mais?
Sim, quando foi a consulta de um ano, na qual disse que o Mateus podia comer tudo. Comecei por fazer as perguntas mais disparatadas: pode comer bitoque, frango assado… sushi? Ele só dizia “Tudo o que os pais comem, ele come também”. De repente, uma criança que está há uma vida a comer sopas e papas pode comer tudo. Para nós, pais, eles são sempre pequeninos e sofremos mais com as indicações do pediatra do que o Mateus.

Como é lidar com uma criança que está constantemente a crescer?
Ele só em 14 meses e eu já tenho saudades de quando tinha dois meses. Tanto parece que passou num dia, como muito tempo. Vou tendo sentimentos ambíguos. Estamos com eles [filhos] todos os dias e não damos por eles a crescer. É um bocadinho aflitivo essa passagem do tempo; quanto temos filhos, o tempo passa muito mais depressa.

Tens alguma ideia do tipo de educação que queres dar ao Mateus?
Costumo dizer que é como decorar uma casa. Há tantos estilos e teorias que, depois, perdemo-nos um pouco. Com a educação também é assim, há tantas teses que é difícil encontrarmos o nosso caminho enquanto mães. Há valores básicos que terão de ser incutidos: espero que seja um miúdo independente, que socialize facilmente, que seja honesto e que não fique a achar que tudo cai do céu. Quero que seja uma versão melhorada dos pais, não que sejamos perfeitos. Quero que seja boa pessoa, se o for já fico feliz.