João Wengorovius Menezes, ex-secretário de Estado da Juventude e do Desporto, publicou esta sexta-feira um texto de direito de resposta no jornal Público no qual revela, de forma parcial, algumas informações relativas aos contactos com o Observador. Perante isso, e para que haja um esclarecimento total dos factos, o Observador revela os detalhes dessas conversas. Essa é a melhor forma de cumprir o seu dever de transparência para com os leitores.
1. No dia 27 de outubro, o Observador contactou João Wengorovius Meneses depois de ter apurado que Nuno Félix, seu chefe de gabinete quando foi secretário de Estado da Juventude e do Desporto, não era licenciado. O contacto foi feito após o Observador ter a confirmação de uma das universidades de que pelo menos um dos cursos não tinha sido finalizado.
2. Nessa primeira conversa telefónica, João Wengorovius Meneses afirmou que uma das três razões para se demitir da Secretaria de Estado tinha sido a falsificação da licenciatura. De acordo com as notas no caderno do jornalista do Observador Rui Pedro Antunes, o que o ex-secretário de Estado disse foi o seguinte:
“Há três razões que me levaram a pedir a exoneração de Nuno Félix, e que comuniquei ao ministro. A primeira foi o facto de ter mentido numa das duas licenciaturas em Diário da República, que soube por uma jurista do meu gabinete. A segunda é porque ele continuou ligado a um clube alemão, o Hamburgo [nota: na verdade era o Colónia], onde ele trabalhava como olheiro e chegou a viajar para tratar de assuntos com o clube já como chefe de gabinete. Basta ir ao Linkedin dele e está lá essa informação. E veja, isto é a Secretaria de Estado do Desporto, há aqui uma incompatibilidade. A terceira razão é ele ter criado uma associação de refugiados que também basta ir ao Facebook dele para ver e chegou a aparecer em eventos públicos com o ministro”.
3. Durante a mesma conversa telefónica, João Wengorovius Meneses sugeriu ainda que o ministro teria conhecimento desta situação por ser amigo de Nuno Félix, dando vários exemplos dessa proximidade. (Esta informação seria mais tarde corroborada por um SMS que está transcrito no ponto 15.)
4. Depois dessa conversa telefónica, por sugestão do jornalista do Observador e não a pedido de João Wengorovius Meneses, o jornalista enviou um email ao ex-secretário de Estado com o título “ON possível, como combinámos” para acertar que informação poderia usar em discurso direto — ou seja, entre aspas. Isto não invalidava a utilização das outras informações prestadas ao telefone e a sua atribuição a João Wengorovius Meneses como uma das fontes da notícia.
5. Nesse email era proposta uma citação para ser atribuída entre aspas a João Wengorovius Meneses. Depois de algumas afinações, as frases a colocar entre aspas seriam estas: “Nunca quis alimentar polémicas. Mas, se me pergunta, é absolutamente verdade que o motorista do gabinete ia no carro de serviço buscar de manhã (e levar à noite) Nuno Félix a São Martinho do Porto todos os dias, pelo menos enquanto fui secretário de Estado. Confirmo que soube pela jurista do gabinete que ele tinha declarado duas licenciaturas no despacho que eu assinei, mas só tinha concluído uma e que o fez deliberadamente e não por lapso. Confirmo que ele trabalhou como olheiro para um clube alemão, o Hamburgo [nota: era o Colónia], e, já como chefe de gabinete, viajou para a Alemanha. Confirmo que participava em eventos públicos, dava entrevistas e tinha um Facebook activo como presidente de uma associação de refugiados já enquanto chefe de gabinete.”
6. A citação foi utilizada com destaque em várias partes do texto publicado no dia 28 de outubro, como se pode verificar aqui.
7. Outras informações dadas ao Observador por João Wengorovius Meneses foram, assim, utilizadas ao longo do texto, sem aspas. O conhecimento do caso por parte do ministro é referido em duas frases. A primeira: “O ministro da Educação saberia de tudo — segundo acusa o antigo secretário de Estado –, mas manteve-o.” E a segunda: “O antigo governante sustenta que o ministro tinha conhecimento da situação.”
8. Nesse artigo publicado a 28 de outubro, o Observador usa outras informações relevantes recolhidas na conversa telefónica, mas que não constam no email porque não iriam ser colocadas entre aspas. De resto, João Wengorovius Meneses nunca contestou o facto de ter prestado essas informações ao Observador ou a sua veracidade. Por exemplo, esta: “Wengorovius quis, aliás, exonerar Nuno Félix por este e outros motivos, mas Tiago Brandão Rodrigues não deixou. O ministro preferiu deixar cair o governante (em meados de abril) e manter o seu amigo Nuno Félix.” Como se vê por este exemplo, era claro para o jornalista que podia usar informações que não constavam no email e poderia atribuí-las a João Wengorovius Meneses desde que não estivessem entre aspas.
9. Horas após a publicação da notícia, voltou a haver contactos por telefone e email entre o jornalista do Observador e João Wengorovius Meneses. O primeiro contacto telefónico, ao contrário do que João Wengorovius Meneses escreveu no Público, partiu do jornalista. Após esse telefonema, às 19h53, exatamente duas horas depois da publicação da notícia, João Wengorovius Meneses enviava um email a dizer que tinha “de reler a peça com mais calma”. E então que começa a recuar no que tinha dito inicialmente: “A única informação que eu não posso confirmar é que o ministro não sabia das duas licenciaturas. Eu próprio só sabia de uma. Quanto ao ministro, não sei se sabia de alguma”. E dá mais informações: “Agora, três coisas são certas e cristalinas como a água: foi o ministro que me pediu que o recebesse como chefe de gabinete, eles eram/são amigos e quando o quis exonerar (por diversos motivos), o ministro impediu-me por email de o fazer. Dois ou três dias depois eu saía do Governo…”
10. No email de resposta, o jornalista envia a seguinte mensagem: “De facto, na nossa conversa que tinha aqui nas minhas notas enumerou-me três razões da exoneração que tinha comunicado ao ministro e que estavam na origem da exoneração: a falta de veracidade das licenciaturas, a ligação ao clube alemão e a ligação à associação de refugiados. (A questão das viagens de motorista para S.Martinho do Porto fui depois eu que o questionei.)”
11. Entre outras considerações sobre aspetos menos relevantes, João Wengorovius Meneses escreveu o seguinte na réplica ao jornalista: “Por último, relativamente ao aspeto (que agora parece decisivo) de se saber se o ministro sabia ou não das licenciaturas do Nuno Félix, não sei. O que lhe quis transmitir foi que quem conhecia o Nuno Félix era o ministro, não eu (eu limitei-me a recebe-lo como chefe de gabinete de boa fé).”
12. Em novas conversas telefónicas com o Observador, paralelas aos emails, João Wengorovius Meneses admitiu que poderia, de facto, ter dito aquilo que foi entendido como válido na primeira conversa. Na pior das hipóteses, poderia ter ocorrido um “mal-entendido”. Na mesma conversa telefónica, João Wengorovius Meneses acrescentou que a sua jurista tinha comunicado esse facto aos juristas do gabinete do ministro da Educação.
13. Nessa mesma noite de 28 de outubro, João Wengorovius Meneses prestava declarações à TSF a dizer que não comunicou esse facto ao ministro: “Nunca comuniquei formalmente ao ministro o facto de Nuno Félix não ter uma ou duas licenciaturas.” Perante estas contradições, o Observador decidiu continuar a investigar.
14. No dia 30, domingo, no decurso da preparação de um segundo artigo sobre o mesmo tema, o jornalista voltou a contactar João Wengorovius Meneses para que ficasse por escrito a referência ao facto de os juristas do ministro saberem do assunto. O jornalista aproveitou novamente, via SMS, para dizer a João Wengorovius Meneses que as declarações que tinha dado à TSF colocavam em causa o que tinha dito ao Observador: “Colocou-me numa situação um pouco incómoda, uma vez que reconstituí e voltei a conferir a nossa conversa e foi mesmo o que me disse (que tinha comunicado aquelas três razões da exoneração)”.
15. Na resposta, também por SMS, João Wengorovius Meneses escreveu o seguinte: “Não sei se a jurista falou sobre este tema em concreto (por isso disse que não podia falar por ela) mas naturalmente havia um fluxo permanente de informação entre os juristas de ambos os gabinetes. Quanto ao ministro saber ou não, como disse, não especulo sobre isso, mas considerando que se conheciam, não é estranho não saber… (e logo duas)? Mais, ontem em declarações ao Expresso o próprio Nuno diz ter informado o ministro antecipadamente (e a mim, o que é mentira).”
16. No mesmo domingo, na sua página do Facebook, João Wengorovius Meneses escrevia: “Na sexta-feira passada, o Observador contactou-me e, perante questões sensíveis e concretas, procurei responder com máxima transparência. Houve apenas um mal-entendido na peça, que teve a ver com o facto desta afirmar que o ministro saberia das falsas licenciaturas. Eu não sei se sabia e recuso-me a especular sobre isso em público.”
17. Na segunda-feira, dia 31 de outubro, perante as várias contradições que envolviam João Wengorovius Meneses, Nuno Félix e o ministro Tiago Brandão Rodrigues, o Observador publicou um artigo a identificar as dúvidas que persistiam sobre o caso: “O ministro sabia? Cinco grandes dúvidas e contradições no caso das licenciaturas falsas.”
18. Nesse artigo, o Observador escreveu que a informação veiculada inicialmente por João Wengorovius Meneses podia ser, segundo o próprio, fruto de um “mal-entendido”. Pode ler-se o seguinte no artigo: “Ao voltar a ser confrontado pelo Observador, João Wengorovius Meneses manteve toda a versão que contou durante a semana, exceto a parte que envolvia o ministro. Numa nova conversa com o Observador, colocou as suas primeiras declarações no plano do ‘mal-entendido’ apenas na parte que se referia à comunicação com o ministro”.
19. Na manhã do dia 1 de novembro, João Wengorovius Meneses voltaria a contactar o jornalista do Observador, indignado com um artigo do colunista Daniel Oliveira no Expresso, pedindo que o Observador tornasse pública a forma como foram recolhidas as primeiras declarações, para que parassem os ataques à sua integridade.
20. Na mesma manhã, desta vez numa conversa telefónica com o editor de Política do Observador, João Wengorovius Meneses solicitou que no artigo que elencava as incongruências do caso fosse reforçado ainda mais o facto de se tratar de um “mal-entendido”. O Observador acrescentou então o seguinte parágrafo: “Os contactos entre o Observador e João Wengorovius Meneses antes da publicação da notícia foram feitos em dois momentos: primeiro, numa conversa telefónica; segundo, num email em que se pretendia deixar por escrito aspetos não clarificados na primeira conversa”. Também por email foram validados, pelo antigo secretário de Estado, algumas declarações que incluíam, por exemplo, o conhecimento de que o motorista do gabinete ia levar (e buscar) Nuno Félix a S. Martinho do Porto. Quanto à informação de que teria comunicado ao ministro a falsa licenciatura de Nuno Félix, essa foi recolhida pelo Observador na primeira conversa ao telefone. Aqui estará a base da contradição entre as declarações ao Observador e à TSF. Wengorovius Meneses admitiu ao Observador já após a publicação da notícia, que essa primeira conversa telefónica, via oral, aumentou “a probabilidade de mal-entendidos, de haver mais erros de interpretação e mais lapsos, que podem ter ser do emissor ou do recetor”. No final do artigo, o Observador informou os leitores desta alteração, escrevendo: “Notícia atualizada à 13h de terça-feira, com um novo parágrafo no primeiro ponto ‘Wengorovius informou o ministro?’, onde se descreve a forma como a informação foi trocada com o Observador”.
21. Na mesma terça-feira, dia 1, o Observador pediu a João Wengorovius Meneses que clarificasse toda a situação numa entrevista, o que foi aceite: a entrevista ficou marcada para quarta-feira, às 13h30, no estúdio do jornal. João Wengorovius Meneses desmarcou a entrevista nessa mesma noite, depois de ver a entrevista do ministro da Educação à SIC a reiterar que não sabia da história. O antigo secretário de Estado disse que não queria falar mais do assunto.
22. Na quarta-feira, através de uma fonte que não era João Wengorovius Meneses, o Observador teve acesso a detalhes que comprovavam que o ministro teria interferido na exoneração de Nuno Félix através de um email. Mais uma vez contactado pelo Observador, João Wengorovius Meneses corroborou todas as informações, mas o Observador entendeu não a publicar imediatamente a notícia (que seria divulgada pelo jornal i no dia seguinte) por achar que carecia de mais confirmação, dada a falta de confiança que se gerou em relação a João Wengorovius Meneses.