Há três anos, Edward Snowden passou cerca de duas semanas escondido em casas onde viviam refugiados, em Hong Kong. O El Mundo falou com as pessoas que o ajudaram.

Vanesa Rodel, das Filipinas, vivia num pequeno e sombrio apartamento com a sua filha bebé quando lhe tocaram à porta a meio da noite. Era o seu advogado Robert Tibbo e o sócio Jonathan Mann. Mas não vinham sozinhos, traziam um outro homem que Vanesa nunca tinha visto antes. Perguntaram-lhe se o estrangeiro — que parecia preocupado e nervoso — podia ficar lá uns dias.

Não me explicaram mais, só que precisava de um sítio seguro para ficar e que não falasse dele a ninguém”, disse a filipina.

Ela aceitou. No dia seguinte, o hóspede pediu-lhe que lhe comprasse algumas coisas, entre as quais a edição internacional do diário South China Morning Post. Quando chegou à papelaria e pegou no jornal ficou sem reação. Ali estava ele. Na capa. Era Edward Snowden, o ex-agente da CIA e da NSA (Agência de Segurança Nacional norte-americana) que, uns dias antes, tinha revelado os polémicos programas de vigilância e espionagem dos Estados Unidos.

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Oh Meu Deus, isto é incrível. O homem mais procurado do mundo está em minha casa!

Naquele momento, Vanesa sentiu-se lisonjeada pelos seus advogados a terem escolhido para ajudar Snowden, apesar do seu modesto apartamento.

Entretanto, Snowden mudou-se para casa de Supun Thilina, do Sri Lanka. Tal como acontecera com Vanesa, os advogados entregaram-lhe o ex-agente a meio da noite. Sem grandes explicações. Assustou-se e imaginou que Snowden fosse um militar, por causa do corte de cabelo curto.

Perguntaram-me se o conhecia e disse que sim, mas era mentira. Estava um pouco assustado e não queria fazer perguntas.

Mais uma vez foi a compra do jornal que levou à descoberta da sua identidade. “Não podíamos [Supun e a mulher] acreditar que fosse ele, que alguém tão famoso estava na nossa casa. Aí entendemos a grande responsabilidade que tínhamos“, garantiu Supun.

O próximo refugiado a acolhe-lo seria Ajith Pushpakumara, ex-militar também do Sri Lanka, que ocupava um quarto de um apartamento que dividia com outros cinco imigrantes. Ao contrário dos anteriores, Ajith reconheceu de imediato Snowden. “Eu conheço-te, vi-te na televisão“, disse.

O meu inglês era muito mau, por isso falámos muito pouco. Ainda assim, senti-me como num filme”, acrescenta.

Vanesa e Supun contam que Snowden passava os dias ao computador, a preparar o seu próximo passo. Alimentava-se de McDonald’s e doces. Foi graças a Supun, que Snowden conseguiu comunicar com o exterior. A todos eles, Snowden fez questão de deixar 2oo dólares como forma de agradecimento.

A história da fuga

Edward Snowden chegou a Hong Kong depois de ter estado no Hawai, em 2013. Entre 3 e 10 de junho esteve no hotel The Mira com jornalistas do The Guardian e do The Washington Post para dar uma entrevista exclusiva. Depois, foi conduzido até ao edifício das Nações Unidas para pedir asilo em Hong Kong, a fim de evitar a extradição.

Mas depois da sua identidade tornar-se pública, o seu advogado Robert Tibbo achou melhor o ex-agente esconder-se da imprensa e da Administração americana. “Decidimos esconde-lo entre várias famílias de refugiados, nossos clientes, o último lugar onde se esperava encontra-lo“, explicou o advogado de direitos humanos.

Sabíamos que não nos trairiam. Todos eles sabem o que é ser perseguido e ter de deixar o seu país. São solidários e nenhum hesita em ajudar e sem pedir nada em troca.

No entanto, no dia 21 de junho, Snowden foi formalmente acusado segundo a Lei da Espionagem e a sua detenção foi solicitada ao Governo de Hong Kong. Com a ajuda de colaboradores da Wikileaks — encabeçada por Julian Assange — o ex-agente conseguiu fugir da cidade. Em Moscovo percebeu que o seu passaporte tinha sido revogado pelos Estados Unidos, pelo que desde então vive na capital russa com a namorada.

Desde a estreia do filme “Snowden” que os refugiados que o ajudaram têm tido problemas com as autoridades.

Fizeram-me várias perguntas sobre o tempo que Snowden esteve comigo, mas recusei-me a responder. Desde então que me cortaram todas as ajudas”, conta a filipina Vanesa.

Existe agora uma campanha de angariação de fundos para ajudar estas pessoas, que já soma 18.000 euros. O próprio Snowden deixou uma mensagem, em setembro, no seu Twitter a pedir que os ajudem.