Sofria do “pequeno almoço inglês” dos cancros, anunciou há três semanas na sua obrigatória coluna gastronómica para o semanário britânico Sunday Times. Isto porque, um tradicional pequeno-almoço na ilha é coisa para contar com três ovos estrelados, três salsichas, cinco fatias de bacon, tomates assados, morcela, torradas, cogumelos salteados em manteiga e feijões embebidos em ketchup. Diagnosticada no verão, a doença de Gill ter-se-á espalhado rapidamente: “Não há nem um pedacinho das minhas miudezas que não esteja contaminado. O que eu tenho é uma maleita farta brutos: incapacitante, malévola, carnuda”, disse no mesmo texto.

AA Gill, Adrien Anthony Gill, nascido a 28 de Julho de 1954, em Edimburgo, na Escócia, foi mais do que um crítico de restaurantes, foi também um mordaz crítico televisivo, apesar de ter ficado mais conhecido pelas críticas gastronómicas. Era presença assídua nos jornais britânicos e percorria essas fartas mesas de pequenos almoços um pouco por todo o país. Mas AA Gill também publicou livros, mais de uma dezena. Entre compilações das suas críticas gastronómicas — reputadas por terem o poder de fazer cair na penúria chefes de cozinha e restaurantes — e reportagens das suas numerosas viagens, destacam-se: “AA Gill is Away”, viagens de Gill até 2003; “Table Talk”, editado em 2007; uma coletânea das crónicas no Sunday Times, “Breakfast at the Wolseley”; um livro inteiro de tributo ao pequeno-almoço que se serve no opulente restaurante The Wolseley ;e “Pour Me”, editado já em 2015, onde Gill conta como foi estar internado por alcoolismo antes dos 30 anos.

Corrosivo, cáustico, mordaz, destrutivo, desabrido, intransigente, convencido, lacerante. Já lhe chamaram isto e muito mais mas não é raro vê-lo descrito, em entrevistas que deu à imprensa britânica, como um homem “ansioso em relação ao seu talento”, ou “extremamente afetuoso com os fãs” ou ainda “um conhecedor profundo das crises humanitárias no mundo”.

Recentemente, contudo, ganhou o prémio de “Machadada do Ano” pela crítica completamente arrasadora que fez à autobiografia de Morrissey, o ex-vocalista da banda britânica The Smiths, editada sob a venerada chancela Penguin Classics. Gill considerou o livro um “um embaraçoso exercício de escalada social” e “uma porta para a sua própria vaidade, auto-comiseração e verborreia entediantes”.

Numa entrevista concedida ao Sunday Times, já depois de ter sido diagnosticado, Gill admitiu ter vivido uma vida plena e sem arrependimentos que não sejam o de não ter viajado mais. Grato por ter escapado, quando ainda era muito novo, a uma morte anunciada — os médicos disseram-lhe em Abril de 1984 que não viveria até ao Natal — ainda se disse agradecido e por ter tido uma vida onde se sentou “a ver televisão, a comer bem e a viajar imenso”.

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