Para Manuela Ferreira Leite, o regulador (o Banco de Portugal) deve ser a “primeira linha de intervenção em caso de incumprimento e não o ministro das Finanças”. A ex-ministra das Finanças, que esteve a ser ouvida na comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, assegura que quando ocupou o cargo, entre 2002 e 2004, não recebeu qualquer comunicação que suscitasse uma observação ou reparo à Caixa Geral de Depósitos.

Em resposta ao deputado do PCP, Miguel Tiago que quis saber qual era a relação de controlo e fiscalização entre o acionista (as Finanças) e o banco, Ferreira Leite deixa a ressalva:

“Não se esqueça que estamos a falar há 13 anos atrás, quando um dos bancos considerados pujantes deste país era o BPN (Banco Português de Negócios). A Caixa estava acima de qualquer suspeita. O banco tinha uma situação económica e financeira absolutamente sólida. Julgo que nem o regulador sentia a necessidade” de fazer um maior acompanhamento da Caixa.

A antiga ministra das Finanças assumiu que o seu Governo tentou ir buscar mais dividendos ao banco do Estado, numa altura que havia uma grande preocupação em encontrar receitas para reduzir o défice público, já então acima das metas europeias. A Caixa, segundo recorda, apresentava então lucros anuais na ordem dos 700 milhões de euros.

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“Tentei que a participação do Estado nos lucros da Caixa fosse superior” à regra dos 50%. “Andávamos à procura de receita onde ela pudesse existir e devo dizer que o presidente da Caixa — António de Sousa — não aceitou”. Ferreira Leite acrescentou que a relação foi muito correta. “Nem eu insisti, nem ele cumpriu, Ficamos no limite das nossas competências, não nos excedemos”.

Manuela Ferreira Leite foi ministra das Finanças entre 2002 e 2004 durante o Governo de coligação PSD-CDS liderado por Durão Barroso. Na altura, a Caixa era presidida por António de Sousa que durante alguns meses partilhou a presidência da Caixa, num parceria pouco pacífica, com Luís Mira Amaral.

Questionada sobre as imparidades de crédito que vieram mais tarde a surgir, Ferreira Leite realça que os negócios tinham um enquadramento quando eram decididos e que na altura de decisão poderiam ser considerados bons para a economia.

Tudo o que não fosse levado a provisões (para cobertura de imparidades), poderia aumentar os lucros e logo os dividendos ao Estado, assinala. No entanto, recorda nesse mandato (entre 2002 e 2004), as provisões até foram feitas a mais de 100%. Quase poderiam ser consideradas “exageradas”, talvez para evitar a tentação do Estado ir buscar mais receita, admite.

A antiga ministra das Finanças deixou ainda uma garantia em resposta ao deputado do PSD, Adão e Silva.

“Nunca perguntei por nenhuma operação de credito, nem sugeri nenhuma. O poder político não se pode meter nessa matéria”.

Ferreira Leite garante também que a sua interferência na Caixa se limitou a questões estratégicas, como a presença em Espanha e nos seguros, e ao nível do modelo de governo e organização do banco que tentou mudar, mas não teve tempo, porque o então primeiro-ministro Durão Barroso se demitiu dias depois.

A antiga ministra reconheceu ainda que durante o seu consultado existiram “problemas pessoais” entre administradores da Caixa, numa alusão ao conflito entre Mira Amaral e António de Sousa, que acabaram por ser afastados pelo ministro seguinte, Bagão Félix.

Aposta em Espanha começou com Rui Vilar que comprou “dois banquinhos”

Em relação a Espanha, que hoje é apontado como uma fonte de prejuízos e imparidades para a Caixa, Ferreira Leite assume que quando foi ministra das Finanças o banco público tentou comprar dois bancos para ganhar dimensão, em linha com a estratégia defendida pela então administração.

Mas recusa, em resposta ao deputado Carlos Pereira do PS, a tese de que tenha sido consigo na tutela acionista que se iniciou a aposta da CGD em Espanha. A entrada no mercado espanhol, diz, iniciou-se com a aquisição de dois bancos, dois “banquinhos”, durante o mandato de Rui Vilar que foi presidente na primeira metade dos anos 90. Vilar foi nomeado há poucos dias presidente não executivo da Caixa. Ferreira Leite também recusa a leitura de que Espanha tenha estado na origem da desestruturação da Caixa.

Ferreira Leite considera que António de Sousa foi um bom presidente da Caixa, “não havia nenhum motivo para pôr em causa a sua capacidade e competência”, pelo que concordou com a estratégia então definida: Parcerias com grupos nacionais, criação de um grupo financeiro e reforço de operações internacionais.

Moisés Ferreira do Bloco de Esquerda questiona a presença da Caixa no BCP onde chegou a ser o maior acionista. Ferreira Leite desconhece as razões dessa presença, que foi decidida antes do seu mandato.

O deputado insiste, recordando que dias depois de Ferreira Leite abandonar o cargo de ministra, a Caixa vendeu grande parte das ações que tinha no BCP, com um um prejuízo de 375 milhões de euros, e comprou os seguros ao banco por 343 milhões de euros. Foi uma forma de injetar liquidez no banco privado? Ferreira Leite não se lembra de ter tratado do assunto.

Questionada ainda sobre o sentido de reforçar num negócio que já era pesado no balanço da Caixa — os seguros — a ex-ministra das Finanças lembra que este setor era estratégico no sentido em que foi sempre lucrativo para a Caixa.

IGF tinha o papel de fiscalizar a Caixa

Em respostas à deputada do CDS, Cecília Meireles, Ferreira Leite sublinha ainda que a fiscalização da Caixa Geral de Depósitos era já feita na sua altura pela Inspeção-Geral das Finanças (IGF), a Direção-Geral do Tesouro, para além do Banco de Portugal.

Acrescentou ainda que a IGF, que recentemente foi referida como tendo feito pareceres sobre as contas da Caixa que demoraram vários meses a ser despachados pelo Governo do PSD/CDS, tinha acesso às comunicações do Banco de Portugal sobre os riscos de crédito. O papel da IGF ou a ausência dele nos últimos anos (2013 a 2015) foram ainda questionados numa auditoria do Tribunal de Contas sobre o controlo financeiro da Caixa por parte do Estado.

Mas ainda que a questão do risco tenha estado sempre em análise, a conceção de risco “poderia ser diferente da que existe agora”, admite. “Estamos a analisar uma situação fora do seu contexto. Não nos podemos esquecer dos abalos que surgiram depois e que afetaram instituições então consideradas sólidas”.