Era atriz, mas ficou mais conhecida pelos muitos maridos do que pelos filmes. Zsa Zsa Gabor, que morreu este domingo aos 99 anos, entrou em mais de 60 filmes, mas o número que realmente interessa é o nove — foram nove maridos, algures em rápida e estonteante sequência. Em 2014, o então vice-primeiro-ministro Paulo Portas foi discursar a uma conferência e, como era um dos últimos oradores, desculpou-se: “Sinto-me como o 8.º marido de Zsa Zsa Gabor, quando disse: ‘Não sei como fazer isto de forma inédita e interessante…'”
A própria atriz não tinha esse problema — ela sabia comportar-se de forma sempre inédita e interessante. E escandalosa também. Em setembro de 1968, esteve em Portugal e provocou um pequeno incidente diplomático como convidada daquele que ficou conhecido como “o baile do século”. A festa foi organizada pelo milionário boliviano Antenor Patiño, conhecido como “rei do estanho”, e trouxe a Alcoitão dezenas de estrelas de Hollywood, princesas da realeza europeia, playboys internacionais e magnatas da indústria.
Para o Diário Popular, a “irrequieta” e “turbulenta vedeta” — que entrara, por exemplo, em “Moulin Rouge”, em “Lili” e em “A Sede do Mal”, de Orson Welles — tinha “um dos nomes mais explosivos de entre as celebridades”, carregava “uma das biografias mais movimentadas da história do cinema” e devia a fama “mais ao escândalo da sua vida privada do que ao seu discutível talento artístico”. Aliás, informava o artigo, “a sua voz ‘irritante’ constituiu um empecilho à atribuição de papéis dramáticos” e “as suas interpretações revestiram‐se quase sempre de caráter secundário, numa exploração pura e simples da sua beleza física”.
Para provar este ponto, o jornal lembrava que a ex‐Miss Hungria, conhecida como “a bomba de Budapeste”, tivera “cinco maridos em 29 anos”. O primeiro casamento, que servira para Sari (o seu verdadeiro nome) “se libertar do jugo paterno”, foi com um diplomata turco portador de um “ciúme quase doentio”. O segundo foi com o milionário Conrad Hilton, acusado de ter uma “extrema crueldade mental”. O terceiro foi com o ator George Sanders, que era “gélido como um frigorífico”. O quarto foi com o industrial Herbert Hutner, um homem que provocava “cansaço”. E o quinto foi com o milionário do petróleo Joshua S. Cosden Jr. Em setembro de 1968, o jornalista do Diário Popular não o poderia adivinhar, mas ficaria certamente espantado se soubesse que Zsa Zsa Gabor ainda somaria mais quatro maridos nos 18 anos seguintes.
Durante a festa Patiño, Zsa Zsa Gabor também não dançou muito. “Cansada da viagem”, estava “apertada dentro de um vestido de linha império que não pode ser o que mais a beneficia”, escreveram os jornais. Manteve‐se calma durante o baile, mas alguns dias depois “a bomba de Budapeste” iria perder a cabeça. A 8 de setembro, deixou o Ritz, em Lisboa, e hospedou‐se no Hotel Palácio. Mas esqueceu‐se de um detalhe insignificante: a conta ficou por pagar. O Diário Popular contou que os responsáveis do Ritz “estranharam” aquele “silêncio da cinquentenária vamp” e enviaram um funcionário para cobrar os “nove contos” em dívida. A atriz entregou um “cheque pessoal” e resolveu o potencial escândalo.
Portugal? “Bloody Country!”
Mas o recato durou pouco. Algumas horas depois, Zsa Zsa voltou ao Ritz. Estava “furiosa” e lançava “diatribes contra a festa de Antenor Patiño, contra Portugal e contra os portugueses”. Prudentes, os funcionários do hotel pediram ajuda à embaixada dos Estados Unidos. Quando o funcionário americano chegou já não foi a tempo de evitar o pior. A atriz bebeu um chá e pediu paté “para dois cachorros que a acompanhavam”. Para pagar a conta, “atirou dois dólares ao empregado”.
O problema é que a despesa total chegava a nove dólares. O empregado não teve coragem de a confrontar. E o chefe da receção também não. Restava o emissário da embaixada. Usando toda a sua diplomacia, explicou a desagradável situação à atriz. Zsa Zsa – que o Diário Popular tratava agora por Zás Zás – levantou‐se e, “juntamente com os sete dólares em dívida, atirou forte bofetada ao funcionário da receção”.
Depois de “a bomba de Budapeste” abandonar o hotel, surgiu um motorista com outra conta: a atriz recusara‐se a pagar 2.732 escudos pelo aluguer de um carro durante três dias. Não sabendo a quem se dirigir, o dono do automóvel acabou por também pedir ajuda ao funcionário da embaixada, que manifestamente não estava preparado para nada daquilo.
De regresso ao Estoril, novo escândalo. O Hotel Palácio não quis aceitar um cheque como pagamento e Zsa Zsa Gabor ficou mais uma vez fora de si. O assunto só se resolveu quando um terceiro hotel, o Estoril‐Sol, lhe ofereceu o resto da estadia.
A atriz desabafou com um jornalista do Diário Popular: “Quando fui convidada para a festa do senhor Patiño julguei que tinha tudo pago. Entretanto, nem sequer um automóvel me mandaram ao aeroporto para me levar ao hotel. Eu sou uma atriz, não sou uma mulher rica. Até este momento já gastei 500 dólares em Portugal. Isto não pode continuar. Pediram‐me, no Ritz, 40 dólares pelo arranjo do cabelo e 10 por dois cafés. Fui explorada!”
Quando finalmente chegou ao aeroporto, a 11 de setembro, Zsa Zsa Gabor achava que o pior já tinha passado. Mas o seu otimismo era infundado. No balcão da companhia aérea TWA, exigiram‐lhe 541 dólares pelo excesso de bagagem. A atriz “chamou‐lhes exploradores” e recusou pagar. Previsivelmente, perdeu o avião. Só conseguiu sair de Lisboa num voo da Pan American, às 13h30. Antes de embarcar, ainda tinha uma última frase a dizer sobre Portugal: “Bloody country!”
Este texto é uma adaptação de um excerto do livro “A Noite Mais Longa” (ed. Esfera dos Livros)