Foi uma comparação, no mínimo, curiosa. Durante o jantar de Natal do grupo parlamentar socialista, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, foi apanhado pelas câmaras de televisão da TVI a comparar a concertação social a uma “feira de gado”. As imagens foram mostradas na rubrica de indiscretos do jornalista Victor Moura-Pinto e mereceram o destaque do jornal i. O governante pede desculpa aos parceiros sociais e admite que utilizou linguagem excessiva.
Nas imagens captadas pode ver-se um descontraído Santos Silva a elogiar o ministro do Trabalho e da Segurança Social, José António Vieira da Silva, pelo acordo alcançado em sede de concertação social, na quinta-feira, dia 22 dezembro.
Ali o Vieira da Silva conseguiu mais um acordo! Ó Zé António, és o maior! Grande negociante… Era como uma feira de gado! Foram todos menos a CGTP? Parabéns”, gracejou o socialista, a segunda figura do Executivo de António Costa.
https://twitter.com/hugotiago_/status/813150029716344832
Ao Observador, o ministro começa por explicar que as declarações foram recolhidas “numa conversa privada com um colega de Governo, que é meu amigo há muitos e bons anos utilizei uma liberdade de linguagem que se admite em conversas privadas“. No entanto, admite que a linguagem foi “excessiva” num registo público, como acabou por se verificar.
Nesse sentido, Augusto Santos Silva faz questão de dizer que “se algum parceiro social se sente incomodado, a minha obrigação é pedir desculpa.” O número dois do Governo de Costa destaca ainda que “não devem restar dúvidas” de que considera “a concertação social um pilar essencial da arquitetura constitucional portuguesa e um elemento essencial da estabilidade social”. Acrescentou ainda que “os dois acordos celebrados em 2016 sobre o salário mínimo nacional são muito importantes e eu quis valorizá-los, não diminuí-los.”
Antes deste pedido de desculpa, a comparação da concertação social a uma feira de gado já tinha merecido críticas de alguns parceiros sociais. Em declarações ao jornal i, João Machado, da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), condenou o comentário do ministro. “Não acho apropriado, não me identifico com estas declarações”, afirmou o responsável. “Para um ministro dos Negócios Estrangeiros, usou pouca diplomacia”, reagiu também António Saraiva, Confederação Empresarial de Portugal (CIP).
Quem não perdoou a indiscrição de Augusto Santos Silva foi Duarte Marques, deputado do PSD. Num artigo de opinião publicado no Expresso, o social-democrata classifica o momento como “a cereja em cima do bolo de um conjunto de situações, atitudes e decisões que demonstram que a um governo de esquerda quase tudo é permitido. Mas, por mais que tente, a máquina de propaganda do governo não altera a realidade”.
“A comparação da Concertação Social a uma ‘feira de gado’ é lamentável, revela falta de respeito e falta de nível mas não será o mais grave para a vida dos portugueses. Há coisas bem mais danosas da autoria deste governo que colocam em causa o nosso futuro coletivo”, escreve Duarte Marques.
No Twitter, Carlos Abreu Amorim, também deputado do PSD, compara o caso de Augusto Santos Silva ao do antigo ministro da Economia Manuel Pinho, que, em pleno debate no Parlamento fez os mais famosos “corninhos” da política portuguesa.
Este foi castigado por aludir a "feiras de gado". Nas bestas, como nas pessoas, uns são filhos outra enteados… https://t.co/MLl6jGrr6G
— Carlos Abreu Amorim (@cabreuamorim) December 26, 2016
O momento captado pelas câmaras da TVI pode ser visto aqui, a partir do minuto 3.30.
Ao longo do dia foram chegado mais reações. António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), disse, numa entrevista à SIC pelo telefone, que o caso estava encerrado e que aceitou as desculpas de Augusto Santos. “Entendo perfeitamente as explicações que o senhor ministro acaba de dar e da nossa parta, na CIP, estamos perfeitamente elucidados. Frases infelizes todos nós as vamos dizendo”, disse o responsável, sublinhando que é mais importante valorizar “o acordo de concertação social que foi alcançado, a dimensão do mesmo e o que ele trás de confiança e de estabilidade social ao país”.
Já o presidente da Confederação de Comércio e Serviços, João Vieira Lopes, lamenta uma frase “absurda”. Sendo Santos Silva “ministro dos negócios estrangeiros” e “não tendo estado presente”, o responsável considera que Santos Silva “perdeu uma boa oportunidade para estar calado”.
A CGTP, pela voz de José Correia disse também que a frase “é infeliz” mas que “cada um avaliará aquilo que entender aquilo que entender das palavras do ministro”.