Imigração, comércio, legislação e, claro, o próprio processo de saída. Theresa May fez esta terça-feira o discurso mais importante desde a tomada de posse como primeira-ministra, substituindo David Cameron, e fez vários anúncios importantes — ainda que muitas novidades já tivessem sido avançadas pela imprensa britânica nos últimos dias — e, em antecipação ao processo negocial que se avizinha, quis mostrar um tom amigável mas duro, avisando que “nenhum acordo é melhor para o Reino Unido do que um mau acordo”.

Eis as principais mensagens do discurso em que Theresa May optou pelo Hard Brexit, isto é, uma saída da União Europeia sem qualquer intenção de continuar no mercado único ou manter as fronteiras abertas para movimento de cidadãos europeus.

Adeus, mercado único

“Quero que fique muito claro que aquilo que estou a propor não pode significar a permanência no mercado único”, afirmou Theresa May esta terça-feira. O Reino Unido vai tentar negociar um acordo de comércio livre com os restantes membros da União Europeia (UE), mas isso não será o mesmo que continuar no mercado único, até porque vários líderes europeus sublinharam nos últimos meses que o Reino Unido não pode manter-se no mercado único sem aceitar as outras três das quatro liberdades fundamentais da UE — livre movimento de pessoas, serviços, capitais e pessoas. May diz que tenciona chegar a esse acordo livre que se aproxime “o mais possível” do mercado único, mas será algo “novo, abrangente e audaz”.

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Alta finança da City pode ter condições especiais

Quanto ao comércio com o resto do mundo, este novo “Reino Unido global” quer formar os seus próprios acordos comerciais com outros países, deixando de estar sujeito à união alfandegária atual. Ainda assim, o Reino Unido vai querer negociar um acordo alfandegário com a UE, mas não há informação concreta sobre como May quer definir esse acordo. O que ficou claro é que se vai tentar negociar uma exceção para a indústria financeira e para a City londrina, algo que dê “liberdade para continuar a prestar serviços financeiros além-fronteiras”. Os contornos desse possível acordo setorial podem definir se os grandes bancos saem ou não do Reino Unido, como alguns têm ameaçado.

Um Reino Unido “tolerante” mas com “controlo de número de imigrantes” (mesmo da UE)

Theresa May não foi muito clara sobre as regras que irão, em concreto, reger o controlo de imigrantes (sim, os cidadãos europeus vão passar, por sinal, a ser imigrantes como quaisquer outros). Mas confirmou que vai haver controlo de fronteiras em termos que estão, ainda, a ser estudados (ou negociados?). “Vamos ter controlo sobre o número de pessoas vindas da UE, porque quando os números crescem o apoio público diminui, os serviços públicos ficam sob pressão e há uma pressão negativa sobre os salários”, acrescentou a responsável. A primeira-ministra britânica garantiu, contudo, que como economia “global, virada para o futuro”, o Reino Unido vai continuar de braços abertos para os “melhores e mais qualificados” imigrantes.

Saída da União Europeia vai ser votada no Parlamento — mas não agora

Mais uma novidade, que está a ser lida como uma solução de compromisso entre aqueles que defendem que o Brexit tem de passar pelo voto no parlamento e aqueles que dizem que o referendo, convocado pelo parlamento, já é vinculativo. O parlamento será chamado a pronunciar-se sobre a saída da UE mas só quando houver um acordo final, já negociado com a UE. Em teoria, uma vez iniciado o processo a saída tem mesmo de ser concretizada. Portanto, se o Reino Unido rejeitar o plano isso significa que ainda se vai a tempo de cancelar a saída? Theresa May diz que, na altura, “o parlamento irá saber respeitar as opiniões das pessoas”.

Estes são alguns dos pontos que irão nortear a negociação por parte de Theresa May, passando-se agora a bola para os outros líderes europeus para se perceber que recetividade estas propostas irão ter. Mas a primeira-ministra do Reino Unido parte para esta negociação com uma posição clara: se for possível obter um acordo para a saída nestes termos, ótimo, caso contrário May garante que prefere que o Reino Unido saia da UE sem qualquer acordo: “Não haver qualquer acordo é melhor do que um mau acordo“, do ponto de vista britânico, avisou a primeira-ministra britânica. Se os outros países quiserem punir o Reino Unido para dar o exemplo, isso será “um erro calamitoso”, avisou May.

Os 12 pontos do plano para sair da União Europeia:

  1. Assegurar a certeza sobre o processo de saída da União Europeia (UE).
  2. Controlar as leis nacionais. Sair da UE significa que as nossas leis vão ser feitas em Westminster, Edimburgo (Escócia), Cardiff (Gales) e Belfast (Irlanda do Norte).
  3. Reforçar a união entre as quatro nações que constituem o Reino Unido.
  4. Conseguir entregar uma solução prática que permita a manutenção do espaço comum de viagem com a República da Irlanda, que fica na União Europeia e está na zona euro.
  5. O Brexit deve significar o controlo do número de pessoas que chega ao Reino Unido vindas da Europa.
  6. Proteger os direitos dos cidadãos da União Europeia no Reino Unido e dos britânicos na UE. Queremos garantir os direitos dos cidadãos da UE que vivem no Reino Unido e os direitos dos britânicos em outros estados membros, o mais cedo possível.
  7. Proteger os direitos dos trabalhadores. O Governo não irá apenas defender os direitos dos trabalhadores que estão definidos na legislação europeia, mas iremos construir as novas regras sobre estes direitos.
  8. Comércio livre com os mercados europeus através de um acordo de livre comércio ambicioso e ousado com a União Europeia.
  9. Novos acordos de comércio com outros países. É tempo do Reino Unido sair para o mundo e redescobrir o seu papel como uma grande nação global de comércio.
  10. O país quer ser o melhor local para a ciência e inovação. Vamos receber de braços abertos acordos para continuar a colaborar com os parceiros europeus nos grandes projetos de ciência e nas iniciativas de pesquisa e tecnologia.
  11. Cooperação na luta contra o crime e o terrorismo. Vamos continuar a trabalhar em conjunto com os nossos aliados europeus na política externa e de defesa, mesmo enquanto saímos da União Europeia.
  12. Um Brexit suave e ordeiro. Acreditamos que um processo de implementação faseado será do melhor interesse do Reino Unido, mas também das instituições europeias e dos estados-membros.