A sua vida dava um filme. Quem o diz é Gonçalo Cruz, 34 anos, cofundador da Platforme, antes Ripe Productions, uma plataforma tecnológica e operacional que produz uma tecnologia para grandes marcas de luxo poderem customizar os seus produtos digitalmente. E que já tem parceiros como o ícone de moda Karl Lagerfeld.

No último Porto Startup Coffee Meetup, a 4 de janeiro, a Platforme abriu as portas de casa — que é como quem diz, do escritório –, para apresentar a empresa (até agora envolta em secretismo) e para “celebrar” o investimento de seis milhões conseguido numa ronda de financiamento internacional em setembro. “Este é o primeiro evento com mais de cinco pessoas”, conta Gonçalo Cruz.

Gonçalo_Cruz_Platforme

A empresa foi fundada no início de 2015 com José Neves como sócio e investidor

Apesar de não ser conhecida, a Platforme está a trabalhar com seis marcas, incluindo a de Karl Lagerfeld, uma marca própria, a Swear (lançada por José Neves, fundador da Farfetch, o único unicórnio — empresas que valem mais de mil milhões de dólares — de origem portuguesa) e a “preparar projetos” com empresas do grupo Louis Vuitton (LVMH) ou do Kering, dois dos maiores grupos de marcas de luxo do mundo. São perto de 500 os clientes — maioritariamente americanos, ingleses e do Médio Oriente — que já compraram e personalizaram produtos na Platforme. Mas por que é que era segredo?

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“Não era segredo de propósito. Estávamos muito focados no trabalho. Até porque o produto é uma marca branca, ou seja, nós ajudamos as [outras] marcas a fazê-lo. Simplesmente não foi o nosso foco porque não vendemos nada ao público, não precisamos de ser tão conhecidos. Precisamos agora para recrutar, para as pessoas também se sentirem engajadas, orgulhosas e motivadas. Viramos o ano, começamos a crescer e convém que nós próprios saibamos onde trabalhamos”, admite.

Como é que a história da Ripe começa? Quando José Neves, fundador da loja online de moda de luxo Farfetch , quis dar “um twist” à Swear. “Ele disse-me que a Farfetch estava a explodir, que conhecia muitos investidores e que tinha uma marca de sapatos [Swear, a primeira marca lançada por José Neves] à qual seria interessante dar um twist e criar algo mais tecnológico à volta dela”, conta Gonçalo Cruz. Começaram a trabalhar juntos.

Gonçalo Cruz juntou-se à empresa que detém a Swear no início de 2015. Foi nessa altura que começou a desenhar aquele que seria um projeto para customização dos produtos da marca — a My Swear. “O tempo passou muito rápido e, a nosso ver, a solução era tão forte que era um erro comercial não exportar o conceito e a tecnologia para a indústria”, refere. Juntou-se um terceiro sócio, Ben Demiri, e um investimento de um milhão de dólares. Objetivo: desenvolver uma tecnologia que permitisse às grandes marcas ter produtos customizáveis ao gosto dos clientes.

“Se formos para a indústria de luxo — Chanel, Prada, Céline, Louis Vuitton — não há nenhum sítio onde seja possível fazer esse tipo de customização. Algumas dessas marcas não têm comércio online, o que é incrível. Estão a acordar para este tipo de comércio e a maioria tem capacidade para fazer objetos pessoais, customizações exclusivas. Mas é preciso ir à loja e pagar muito”, explica.

A tecnologia criada pela Platforme é uma espécie de marca branca, que é adquirida pelas marcas e introduzida nos seus sites. Ou seja, a Platforme nem sequer está online. Está escondida em marcas como a Swear, a Karl Lagerfeld ou em projetos do grupo Louis Vuitton. “Nós pomos a nossa tecnologia nos sites das marcas, permitindo a visualização da oferta que a marca tem numa janela global gigante que é a internet”, nota.

Em setembro, a startup garantiu uma ronda de investimento internacional superior a seis milhões de dólares. “Um dos investidores disse-nos que Ripe era um nome terrível e que as pessoas podiam reconhecê-lo como RIP (Rest In Peace). E nós mudámos para Platforme”. Um trocadilho “entre platform + me, plataforma entre marcas, fábricas e cliente, plataforma online e também a palavra francesa que é muito ligada ao couture, ao luxo e às marcas”, explica Gonçalo Cruz.

A fast fashion “está afastada, por agora”

Como funciona? A partir de uma mala, por exemplo, a equipa de 3D da Platforme faz um modelo tridimensional do objeto. Cada elemento é modelado, reproduzindo o produto real num produto digital, ao detalhe, como costuras ou texturas.

“No final temos um produto 3D que parece real, uma escultura digital. Isso dá-nos a possibilidade de simular uma customização que parece real. Podemos interagir com o produto, escolher as partes que queremos mudar, escolhendo os materiais e as cores”, diz Gonçalo Cruz.

Mas nem tudo é possível. As marcas definem aquilo que é possível criar. “Nós não detemos o aspeto criativo, isso é da marca. E são elas que nos dizem que podemos ter determinada parte em 10 materiais, em 15 cores, por exemplo”, explica. Dependendo dos materiais e das cores selecionadas, os preços também são diferentes. Não é o mesmo ter uns sapatos em couro ou em pele de crocodilo, por exemplo.

A oferta é também adaptada a cada região. No Brasil, por exemplo, não é possível ter peles de crocodilo e de outros animais exóticos. “Como nós sabemos que o cliente está no Brasil, nós não mostramos essas opções”, explica Gonçalo Cruz. Os contratos estabelecidos entre a Platforme e as marcas internacionais podem ir da adaptação do software até à gestão de stocks e de clientes. O modelo de negócio prevê que a marca receba uma taxa sobre os produtos que ajuda a comercializar.

“É por isso que trabalhamos com grandes marcas. É completamente diferente ter 10% da Zara ou 10% da Louis Vuitton”. Por isso, a fast fashion “está afastada, por agora”.

As grandes marcas, geralmente, usam os próprios fornecedores. E é no norte de Portugal e no norte de Itália que cerca de 80% dos luxury suppliers do mundo se concentram. “Nós temos a capacidade de apoiar a produção se as marcas quiserem que nós o façamos. Não é a nossa fábrica, mas podemos ir às fábricas e dizer que temos uma grande marca que quer costumizar camisas, por exemplo”. Para a Karl Lagerfeld, por exemplo, a Platforme está a supervisionar a produção que está a ser feita em Portugal.

Platforme quer recrutar 35 pessoas em 2017

A empresa está a trabalhar na customização de sapatos e malas, mas está a ser desenvolvida uma solução para produtos de pronto-a-vestir que será lançado para março, adianta o cofundador. “Para já”, são estas as categorias que podem ser personalizadas, mas Gonçalo Cruz não deixa de parte a inclusão de outras, desde que integradas no segmento de luxo.

Para 2017, Gonçalo Cruz traça três objetivos: “Ter uma grande marca a usar a nossa tecnologia num projeto já live no website e, consequentemente, ter já um projeto tecnológico que seja capaz de suportar isso mesmo. Queremos consolidar o nosso produto tecnológico e, para isso, precisamos de ter uma equipa talentosa”. Com escritórios no Porto, Guimarães e Londres, e mais de 40 colaboradores, a startup quer fazer crescer a equipa para os 75 membros.

A Platforme acaba por ser uma “combinação” de todas as experiências de Gonçalo Cruz: a de engenheiro industrial, no contacto com fábricas e com a logística que o negócio exige; a que teve na produtora Jump Willy e noutras startups que lhe deram “espaço para criar”; e, por último, a da Groupon, por onde passou e de onde diz ter percebido bem “a dificuldade de vender online”.

“Quando digo aos meu pais o porquê de me ter mudado da Accenture para a Jump Willy, de consultor para um estúdio de animação 3D, e depois para a Groupon, percebo que nada tem a ver. É até um bocado maluco fazer todos estes movimentos. Mas, no final, posso contar uma história interessante porque a Platforme é uma combinação disto tudo”, conta. E sem presença online, nem publicidade, escondida nas marcas dos outros, conta com 7,5 milhões de euros investidos e 500 clientes “de luxo”.

*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.