O novo caso político está em marcha acelerada. O PSD quer chamar ao Parlamento todos os responsáveis pela máquina fiscal desde 2011. E a esquerda quis desde logo ouvir Paulo Núncio, do CDS, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do anterior Governo e Fernando Rocha Andrade, detentor dessa pasta no atual Executivo. Os dois responsáveis vão ser ouvidos esta quarta-feira pela Comissão de Orçamento e Finanças sobre as transferências de 10 mil milhões de euros para contas offshore que passaram despercebidas das autoridades fiscais durante o Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho.

Entre 2011 e 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) deixou sair do país cerca de dez mil milhões de euros em transferências para paraísos fiscais sem qualquer tipo de escrutínio. Este enorme fluxo financeiro vai ser agora investigado pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF), por ordem expressa do Ministério das Finanças. De acordo com o jornal Público, numa notícia publicada esta segunda-feira, estas transferências não foram alvo de qualquer tratamento por parte do fisco, apesar de terem sido comunicados à administração fiscal pelos bancos, como a lei, de resto, obriga.

Os bancos estão obrigados a identificar e reportar ao fisco as transferências de dinheiro realizadas a partir de Portugal para contas sediadas em offshores. O fisco é depois responsável por escrutinar esses movimentos para detetar, por exemplo, eventuais indícios de branqueamento de capitais ou fuga aos impostos. De acordo com o esclarecimento prestado pelo Ministério das Finanças ao Público, houve “20 declarações apresentadas por instituições financeiras que não foram objeto de qualquer tratamento pela AT”.

PSD chama ao Parlamento todos os responsáveis da máquina fiscal desde 2011

Um dia depois de Pedro Passos Coelho ter dito no Parlamento que quer apurar toda a verdade, o PSD anunciou que quer um “esclarecimento rápido e profundo” sobre a fuga de 10 mil milhões de euros para offshores sem controlo do fisco e para isso vai chamar todos os responsáveis pelo aparelho fiscal desde 2011, ano em que o PSD e CDS chegaram ao poder. À saída de uma reunião da bancada do PSD realizada esta quinta-feira, o líder parlamentar Luís Montenegro garantiu que ao longo do dia o partido irá entregar um requerimento para ouvir no Parlamento os diretores-gerais da Autoridade Tributária e Aduaneira desde 2011 e o Inspetor-Geral das Finanças. Isto depois de, tal como a esquerda, já terem requerido as audições do atual e do ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Paulo Núncio e Fernando Rocha Andrade.

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Luís Montenegro diz que, depois da “insinuação indigna do primeiro-ministro” no debate quinzenal da última quarta-feira, os sociais-democratas são os “principais e primeiros interessados” em que “toda a verdade seja apurada”. O líder da bancada do PSD garante que “não há nenhum indício que possa apontar aqui para uma responsabilidade política, muito menos nos termos que foi ontem [quarta-feira] insinuada”.

O líder da bancada do PSD faz mesmo uma comparação com a atitude da esquerda no caso CGD: “Não tememos nada a esse propósito. Não temos o temor que o PS, o PCP e o BE têm a propósito da Caixa Geral de Depósitos. Somos os primeiros interessados”. Luís Montenegro acrescenta ainda que “chegou a altura” de acelerar “ainda mais esse processo de averiguação no Parlamento” para que todos os envolvidos “possam ter os elementos necessários a compreender aquilo que se terá passado”. Do ponto de vista do PSD, o processo “não tem intervenção direta dos membros do Governo.”

O líder da bancada social-democrata acredita que essa intervenção do Governo não pode ter existido, muito menos “com a descrição que foi feita.” Montenegro lembrou ainda que durante o anterior executivo “não houve nenhuma mudança de regras a não ser aquelas que decorreram do agravamento das penas e das consequências das condutas de fraude e evasão fiscal”. O líder parlamentar do PSD afirma ainda que as alterações que foram feitas permitem até que “situações como esta possam ser investigadas e ter consequências com muito mais anos. Não há nenhum risco de prescreverem. Passámos esse prazo de quatro para 12 anos.” É por isso que o PSD considera que está “muito à vontade com todas as iniciativas” que tomou nos últimos anos para “travar o combate à fraude e evasão fiscal.”

PS procura “eventual falha política”

O PS está disponível para aceitar as audições que o PSD quiser fazer no Parlamento sobre os 10 mil milhões de euros que saíram para paraísos fiscais. O porta-voz socialista, João Galamba, já fala em “eventual falha política”.

O caso revelado esta semana foi referido por João Galamba como “uma eventual falha política ou dos serviços da Autoridade Tributária”. É para esclarecer isto mesmo que o PS chamou o atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Rocha Andrade. O BE e o PCP juntaram outro requerimento para ouvirem, também na comissão de Orçamento e Finanças, aquele que era o secretário de Estado do período a que respeita a notícia, Paulo Núncio, do CDS.

Questionado sobre a referência à falha política e à reação do PSD ao caso, no debate quinzenal de quarta-feira, Galamba afirma que “o facto ocorreu durante a governação do PSD e CDS, e o secretário de Estado era Paulo Núncio, do CDS. É um facto que isto é grave e carece de esclarecimento”. E ainda se referiu às declarações de Paulo Núncio, que alegou desconhecimento do caso, para dizer que “o desconhecimento dos factos é provavelmente a última razão que algum governante poderá dar para se desresponsabilizar”.

O PS mostrou-se disponível, esta quinta-feira, depois da reunião do grupo parlamentar, para que as audições se realizem o quanto antes e até garante não ter “qualquer objeção a fazer às audições que os deputados entendem necessárias para o total esclarecimento de uma matéria muito importante”. Isto quando confrontado com as audições que o PSD pretende pedir a responsáveis da Autoridade Tributária e da Inspeção Geral de Finanças.

Na conferência de imprensa realizada no Parlamento esta quinta-feira, o porta-voz do PS referiu-se ainda outra vez à “eventual falha política de não controlo de um conjunto de transferências, como manda a lei”, quando sublinhava que este caso nada tem a ver com o que está a ser tratado num grupo de trabalho no Parlamento, sobre “combate à criminalidade económica, financeira e fiscal”. O grupo estará pronto para apresentar propostas de alteração em março, mas sobre matérias que não são “apenas sobre offshores“, garante o deputado do PS. “Não há qualquer relação entre o trabalho do grupo e os problemas nas transferências de 10 mil milhões de euros”. O caso das offshores, acrescenta ainda o socialista, “não tem a ver com criar regras adicionais, mas aplicar as que já existem”.

Ferro pede “tratamento mais rápido” para medidas de combate à criminalidade financeira

Perante esta polémica, o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, manifestou — também esta quinta-feria — o desejo de que as propostas “mais importantes” para combater a criminalidade económica e financeira possam ter um “tratamento mais rápido” no parlamento.

Questionado sobre a existência de propostas paradas no parlamento para produzir nova legislação que vise combater a criminalidade económica e financeira, Ferro Rodrigues recordou que o presidente da Assembleia da República “não pode obrigar as comissões especializadas a ter este ritmo ou aquele ritmo”.

“Eu desejaria que as questões que são as mais importantes tivessem um tratamento mais rápido. E, às vezes, este tipo de notícias, ajudam a que os próprios partidos tomem medidas mais rapidamente, e que o ritmo de trabalho se acelere, o que parece bastante positivo”, salientou.

Ferro Rodrigues falava aos jornalistas ao fim da manhã, à margem da 11.ª sessão plenária da Assembleia Parlamentar para o Mediterrâneo (APM), a decorrer até sexta-feira no edifício da Alfândega do Porto. O Público refere esta quinta-feira que, antes do debate quinzenal de quarta-feira, os deputados do grupo de trabalho sobre a legislação que visa combater a criminalidade económica e financeira reuniram-se para decidir que os partidos têm uma semana para apresentarem alterações aos 14 projetos (alguns sobre offshore, mas também sobre outros temas) que estão em discussão. “Depois, querem chegar a um texto conjunto rapidamente para ser aprovado”, acrescenta o diário.

Marcelo defende que é preciso investigar

O Presidente da República também se pronunciou na quarta-feira para dizer que a transferência de dez mil milhões de euros para paraísos fiscais sem tratamento da autoridade tributária é “uma situação que merece ser investigada”e que “a confirmar-se, pode ser de alguma maneira preocupante”. Além disso, Marcelo Rebelo de Sousa diz que este caso era também “uma lição para o futuro, porque no futuro temos de evitar a ocorrência de situações dessas”.

O atual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, até agora limitou-se a dizer que a matéria deve ser esclarecida com “serenidade”, manifestando-se disponível para esclarecer todas as questões da informação de que dispõe, “sobre a situação que existia e sobre as decisões que este Governo foi tomando”. O anterior secretário de Estado Paulo Núncio também negou ao Público ter conhecimento dessas transferências para offshores: “Não, nunca tive. E acho muito bem que, caso tenha havido parte da informação fornecida à Autoridade Tributária através do Modelo 38 que não foi devidamente analisada, que a IGF [Inspecção Geral de Finanças, a quem o atual Governo pediu uma auditoria] apure o porquê de tal facto.” O ex-governante e o atual vão ser ouvidos na próxima quarta-feira no Parlamento.