Na sessão de encerramento da 7.ª edição do Festival Literário da Madeira, Miguel Sousa Tavares e o norte-americano Adam Johnson debateram como é que a tecnologia afeta a literatura e se há menos leitores. “Não uso redes sociais, sou alérgico. Acho que quando entras não sais mais“, disse o escritor e jornalista português. No balanço de quatro dias de conversas e literatura, Francesco Valentini acrescentou que “não é fácil aproximar o público da literatura hoje em dia”. Em 2018, haverá reaproximação com um “nome importante do jornalismo internacional”.
A frase de Zygmunt Bauman, “A loucura não é loucura quando partilhada”, era o mote para a conversa, moderada pelo jornalista Paulo Moura. De um lado Adam Johnson, que em entrevista ao Observador já tinha dito que a tecnologia está a mudar a narrativa de um romance. “O que é preocupante é que, quando vemos alguém a olhar para o telefone, essa pessoa não está a ler Shakespeare, não é? Estão no Candy Crush ou no Facebook”, disse, perante um Teatro Municipal Baltazar Dias quase lotado.
Do outro lado, Miguel Sousa Tavares assumiu-se fã Internet, se retirarmos da equação o Facebook e afins. “Em matéria amorosa não temos nada a aprender com o Facebook. Qualquer pessoa pode viver ali um romance se quiser, Mesmo o sexo, em breve, vai ser dispensado. Fisicamente, porque vai haver sexo virtual”, disse, provocando risos na plateia.
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No entanto, concorda que o excesso de informação está a obrigar a mudanças na literatura. “Nós escrevemos para dar às pessoas testemunhos de coisas que vivemos e para lhes dar sonhos. Hoje em dia, quando olho para a oferta alternativa que existe, o testemunho é indiferente porque temos tanto excesso de informação. Nunca tanta gente soube tão pouco sobre tantas coisas“, disse. “É um massacre diário de informação.”
Se o Prémio Pulitzer de ficção verifica que cada vez se lê menos, Miguel Sousa Tavares é mais otimista, ainda que também se sinta preocupado. “A morte anunciada de cada forma de arte nunca se cumpriu”, sublinhou. “No futuro, cada vez haverá menos leitores, mas necessariamente serão cada vez melhores.” Mais: “No futuro, tanto em termos profissionais como em termos culturais, as pessoas mais conseguidas e com mais sucesso vão ser aquelas que leram mais e melhor. Serão menos, mas serão melhores.”
No balanço da 7.ª edição do Festival Literário da Madeira, Francesco Valentini disse ao Observador acreditar que, hoje em dia, lê-se mais, mas outras coisas que não literatura. “As pessoas não leem livros“, afirmou o responsável pela editora Nova Delphi, que organiza o Festival. Estatísticas à parte, verifica que “as pessoas hoje têm uma menor literacia, não compreendem textos complexos”.
Ainda assim, os quatro dias do evento literário tiveram muito público a assistir. Mesmo depois do susto inicial, com o cancelamento da Nobel da Literatura Svetlana Alexievich, devido ao vento que, até ao último dia, provocou atrasos e mais voos cancelados. “Transformámos o evento literário n’o vento literário“, brincou.
A 7.ª edição teve “o maior orçamento de sempre”, situado entre os 120 mil euros e os 150 mil euros. Francesco Valentini acrescenta que este foi o primeiro ano em que a organizaçao atingiu o o break-even “e, talvez, um pequeno lucro”. Por um lado, os patrocinadores públicos reforçaram a aposta. Por outro, o habitual concerto do Festival, que é o único evento pago de toda a semana, esgotou. Teresa Salgueiro, a voz dos Madredeus, acrescentou uma nova data, que voltou a esgotar.
Para 2018, e ainda sem se saber se Svetlana Alexievich vai tentar um novo regresso, Francesco Valentini deixa no ar que está a trabalhar na contratação de um “convidado de prestígio”. Ainda não há datas para a próxima edição do evento, porque a organização ainda está a tentar negociar esse “nome importante do jornalismo internacional”, pelo que o calendário será ajustado consoante a disponibilidade do convidado, por enquanto secreto.
O tema da próxima edição, esse, já está escolhido: “Literatura e jornalismo: a palavra que prende, a palavra que liberta“. E se nesta edição as conversas acabaram por fugir ao tema proposto, em 2018 a ideia é que as mesas sejam mais fieis ao mote.