Como nos jogos em que temos que escolher a resposta de uma lista de opções em que duvidamos sempre da opção mais óbvia, assim é também no puzzle que é a corrida à presidência de França. O ataque nos Campos Elísios, que vitimou um membro da polícia e deixou dois gravemente feridos, já foi reivindicado pelos radicais do Estado Islâmico — cujo “soldado” tinha nascido em França — e Marine Le Pen, concorrente pelo partido anti-imigração Frente Nacional, não esperou para tentar “capitalizar” o sucedido.

Isto não quer dizer que Le Pen esteja à espera que mais franceses morram às mãos de terroristas — só em dois anos, 2015 e 2016, morreram 241 pessoas — mas há vários analistas que têm vindo a estabelecer uma relação direta entre a omnipresente ameaça terrorista e o crescente apoio a candidatos “das franjas” que, se há dez anos tinham poucas razões de existir, hoje encontram nas primeiras páginas dos jornais histórias de meter medo — um medo que, paradoxalmente, paralisa as pessoas, mas revitaliza os seus manifestos.

O último e concorridíssimo comício de Marine Le Pen aconteceu cerca de 24 horas depois do ataque em Paris e contou com mais de cinco mil pessoas, que a receberam com ecos do antigo slogan do seu pai, Jean-Marie Le Pen: “A França aos franceses! A França aos franceses!”. Num discurso emocional, Le Pen começou por perguntar à plateia: “Será que conseguiremos viver como franceses quando todos os nossos bairros forem ocupados por estrangeiros? Uma sociedade multicultural é uma sociedade multi-conflituosa”, disse Le Pen, por entre fortes aplausos. E não são só as classes menos informadas, ou a população rural ou os mais velhos que apoiam Le Pen. Há um exército de jovens por trás deste movimento — e as suas motivações são várias, como testemunhou o Observador, que está em França a acompanhar os últimos dias de campanha.

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O ataque aconteceu a meio do último debate presidencial e torna ainda mais difícil negar que um dos objetivos tenha mesmo sido o de influenciar o curso da campanha. Os candidatos tomaram conhecimento do ataque quando ainda estavam “no ar” e adaptaram imediatamente os seus discursos: “Chega de laxismo, chega de ingenuidade”, pediu Marine Le Pen enquanto François Fillon, o famigerado candidato do Partido Republicano, dizia que o terrorismo “tem que ser a prioridade absoluta do próximo presidente de França”.

A candidata da Frente Nacional voltou também, no mesmo comício, a reforçar a sua aposta nas medidas “de ordem e segurança”, pedindo a extradição de pessoas suspeitas de terrorismo, uma redução da imigração, que se torne mais difícil aceder à nacionalidade francesa e que se reveja a posição de França na União Europeia — uma alínea que não descarta a cisão total com o o bloco, à imagem do processo em curso no Reino Unido.

Há “uma guerra sem piedade a ser conduzida contra a França” e o país precisa de “uma presidência que atue para proteger os franceses”. Mas será que o eleitorado francês reconhece apenas em Marine Le Pen a capacidade de proteger a França do terrorismo, ou esta é uma ameaça tão presente que já se tornou, na lista de exigências do povo francês, uma preocupação inerente a todos os candidatos?

“Até pode parecer surpreendente, mas o terrorismo não tem dominado completamente esta campanha como pode parecer a quem lê jornais estrangeiros. Há muita gente que considera que François Fillon e Marine Le Pen serão os candidatos que mais poderão beneficiar do potencial mobilizador destes ataques, mas apesar de aparecer como uma das principais preocupações do eleitorado nas sondagens, não acredito que alguém vote apenas com esse tema em mente”, explica ao Observador Manuel Lafont Rapnouil, diretor da representação francesa do Conselho Europeu de Relações Internacionais, numa conversa a partir de Paris.

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Com um pensamento contrário, Fredrik Erixon, diretor do Centro Europeu de Política Internacional disse, em entrevista televisão norte-americana CNBC, que este ataque “pode levar a uma melhor performance de Marine Le Pen em comparação com o que poderia ser o caso, se este ataque não tivesse acontecido”. Além disso, disse o mesmo analista, “é difícil argumentar contra o facto de que um ataque terrorista não vá beneficiar precisamente as forças desta campanha que se têm focado na luta contra a imigração e contra o terrorismo”.

Contudo, a sondagem mais recente, divulgada esta sexta-feira, no dia seguinte ao ataque em Paris, parece contrariar essa leitura, avança o Le Point. De acordo com o inquérito da Odoxa — que reuniu as intenções de voto de 2.500 pessoas antes do atentado de quinta-feira em Paris e de mais mil eleitores nas horas seguintes ao ataque na capital francesa — revelam que Marine Le Pen foi a única a subir: mais 1%, reunindo 23% das preferências para a primeira volta e muito próxima dos 24,5% de Emmanuel Macron, que se mantém, apesar disso, o favorito nas duas voltas.

Uma outra sondagem, publicada na quarta-feira, um dia antes dos ataques, mostrava que o conservador Macron, ex-ministro das Finanças conotado com o centro, levava uma pequena vantagem sobre Marine Le Pen — ele tem 23.5% e ela apenas menos um ponto, com 22.5%. É possível que sejam eles a chegar à segunda volta mas, nos últimos dias, também o candidato apoiado pelos comunistas, Jean-Luc Mélenchon, tem vindo a subir nas sondagens, e bastante. Com 19% das intenções de voto, as mesmas que Fillon, ainda há uma possibilidade que um deles venha a enfrentar, ou Le Pen, ou Macron. A sondagem da Odoxa também lhe dá algum fôlego na luta pelo terceiro lugar.

Uma “final” entre Le Pen e Mélenchon é difícil de imaginar mas é, teoricamente, possível. As consequências para a Europa são impossíveis de prever, mas ambos os candidatos, situados em extremos opostos do espectro político, têm demonstrado a sua feroz oposição à União Europeia, à moeda única, à banca e ao “grande capital”. Discursos que tocam vários milhões de pessoas. Onde as águas se separam é precisamente na imigração, mas a história nem sempre mostra que um ataque terrorista resulta num grande resultado para a direita mais dura.

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“Os ataques de novembro de 2015, que foram muito mais dramáticos do que aquele que aconteceu na quinta-feira, aconteceram poucas semanas antes das eleições locais, (a segunda volta foi exatamente um mês depois dos ataques) e os resultados foram muito próximos daquilo que as sondagens previam antes dos ataques. A coisa mais estranha foi que, ao contrário do que muita gente espontaneamente antecipou, a Frente Nacional não beneficiou com os ataques”, diz Manuel Lafont Rapnouil. E há ainda aquele facto, triste mas real, de que os ataques terroristas “deixaram de ser uma novidade em França”, diz o analista. Apesar de as pessoas “não estarem habituadas e jamais alguém se possa habituar a ataques terroristas, há uma resiliência muito maior contra os terroristas do que eles próprios esperam”.

Mas todo o cuidado é pouco e, como ressalva Lafont Rapnouil, “mesmo que o efeito deste ataque seja limitado, esta é uma eleição tão renhida que até as mais pequenas flutuações podem ter impacto”. Na sua opinião, “é por isso que alguns candidatos escolhem continuar a focar-se no terrorismo como um tema que necessariamente divide em vez de unir, em vez de insistirem no reforço dos valores democráticos, calma, resiliência, tolerância”.