Portugal lembrou este domingo pela primeira vez as vítimas portuguesas do regime nazi durante a II Guerra Mundial, portugueses “muito esquecidos”, mas cuja memória está a ser progressivamente resgatada, afirmou à Lusa o chefe da diplomacia portuguesa.

Augusto Santos Silva falou à Lusa, por telefone, a partir de Mauthausen, Áustria, onde participou este domingo na cerimónia anual comemorativa da libertação daquele antigo campo de concentração pelas forças americanas (em 1945) e procedeu ao descerramento de uma placa em homenagem aos portugueses, de todas as origens e credos, vítimas do regime nazi.

“É a primeira vez que Portugal assinala e homenageia as vítimas portuguesas do sistema concentracionário do III Reich”, declarou Santos Silva, destacando que este gesto foi possível devido ao projeto de investigação em curso no Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, sob a coordenação do historiador Fernando Rosas, que procura identificar os portugueses que foram apanhados pelo sistema de trabalho forçado do regime nazi.

“Dizemos imediatamente que sim à sugestão do Instituto de nos associarmos, transformando também este projeto de investigação numa ocasião para reparar uma falta em que estávamos”, referiu o ministro dos Negócios Estrangeiros e representante do Estado português na cerimónia.

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A partir deste domingo, e ao lado das placas de outras nacionalidades que integram o Muro das Lamentações do campo de concentração de Mauthausen, estará também uma homenagem em língua portuguesa: “Aos portugueses de todas as origens e credos que foram vítimas da barbárie nazi”.

“São portugueses muito esquecidos. Era um objeto de estudo inexistente, mas graças à equipa do professor Fernando Rosas esse esquecimento tem vindo a ser progressivamente resgatado”, salientou o ministro.

Em Mauthausen, que foi um dos principais campos de trabalho forçado nazi, as informações recolhidas até à data confirmaram a presença de 10 portugueses e provavelmente de mais dois. Desses 10, e provavelmente 12, oito morreram em Mauthausen.

“Até agora sabemos que no total mais de 70 portugueses morreram nos campos de concentração nazi e que mais de 500 portugueses terão sido vítimas, ou foram internados em campos de extermínio, ou foram internados em campos de prisioneiros ou foram internados em campos de trabalho forçado, como o de Mauthausen”, prosseguiu Santos Silva, referindo que a investigação em curso procura e identifica, mas também tenta compreender “as razões” e “quem eram” estas vítimas portuguesas.

A cerimónia em Mauthausen também surge como um apelo atual contra todos valores que no passado estiveram associados ao regime nazi, como intolerância, ditadura, xenofobia e antissemitismo, mas também as “suas sobrevivências” no presente.

“O sistema nazi é um mal absoluto, como nós todos sabemos. O principal vício do sistema nazi, a principal arma do sistema nazi de que nunca nos devemos esquecer é a desumanização, é a sistemática desumanização a que sujeitava seres humanos”, afirmou Santos Silva.

“Evidentemente, e infelizmente, temos também outras práticas e outras ameaças de desumanização nos tempos que correm e essa é mais uma razão para não nos esquecermos do que foi o nazismo e da nossa obrigação de homenagear as vítimas, não esquecer o que se passou e combater quaisquer das suas sobrevivências”, concluiu.

O campo de Mauthausen tutelava uma rede que integrava mais de 40 subcampos de concentração.

A par da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, o projeto de investigação “Trabalhadores forçados portugueses no Terceiro Reich” é cofinanciado pela Fundação alemã EVZ — Erinnerung, Verantwortung, Zukunft (Memória, Responsabilidade, Futuro) e pelo Goethe-Institut.