“O país continua a enfrentar os mesmos problemas estruturais e algumas medidas tomadas pelo Governo podem agravar esses problemas, uma vez mais”. Esta é uma das razões principais que levam o Commerzbank a alertar que, apesar de os juros da dívida estarem a cair (para os níveis mais baixos desde novembro, abaixo de 3,4%), “ainda é muito cedo para cantar vitória“.

Num relatório enviado aos investidores esta manhã, e a que o Observador teve acesso, o Commerzbank assinala que a economia tem tido um crescimento “forte”, nos últimos tempos, o défice de 2016 ficou abaixo das metas e as taxas de juro caíram para “bem menos de 4% apesar de as compras pelo BCE terem desacelerado”. Contudo, o influente banco de investimento sublinha que faltam reformas estruturais e a ação do Governo pode, inclusivamente, agravar esses problemas.

“É questionável que o Governo tenha capacidade para continuar a reduzir o défice orçamental como está planeado”, dizem os economistas Ralph Solveen e Jörg Krämer, economista-chefe do banco alemão. O Commerzbank antevê que “a dívida pública irá continuar elevada e irá manter Portugal numa posição vulnerável caso a política monetária ou o ímpeto económico global deixem de ajudar a economia de forma tão significativa quanto tem acontecido”.

Outro fator, que “continua a ser uma preocupação”, é a saúde do sistema financeiro. E, por outro lado, “o rating de Portugal nas principais agências deverá continuar abaixo de investimento de qualidade até 2018, pelo menos”, o que vai continuar a limitar o leque de investidores na dívida nacional, o que limita até onde pode ir a descida dos juros.

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Juros descem, mas são o dobro de Espanha

Os juros da dívida a 10 anos estão abaixo dos 3,4%, os valores mais baixos desde novembro. Em Espanha, a dívida a 10 anos tem juros de 1,6%.

Efeitos “negativos” das medidas do Governo só terão efeitos daqui a alguns anos

O Commerzbank, o mesmo banco que no início de 2016 admitia que Portugal podia tornar-se “a nova criança problemática da zona euro“, diz que houve “uma mudança de políticas por parte do Governo no poder desde finais de 2015”, assumindo uma atitude “menos radical do que se temeu, depois das primeiras medidas ad hoc tomadas pelo Governo”.

“Nos últimos meses, não temos visto as reversões de reformas [do Governo anterior ou da troika] e o Governo tem-se mantido comprometido com os objetivos de défice orçamental”, diz o Commerzbank, defendendo que a ideia de que o Executivo liderado por António Costa terá parado com as reversões poderá explicar-se pela subida nas sondagens, o que retira ímpeto aos outros partidos da esquerda parlamentar.

Contudo, alerta do banco alemão, “não deve ser esquecido que não está na agenda do Governo novas reformas estruturais e algumas medidas que já foram tomadas, desde a chegada ao poder, só produziu todos os seus efeitos negativos nos próximos anos“. Exemplos: medidas que aumentam os custos das empresas, designadamente com salários, prejudicando a sua competitividade — as duas subidas do salário mínimo são “um exemplo perfeito”.

“Um aumento do salário mínimo tão desproporcionado não só torna difícil para os trabalhadores menos qualificados — que são mais do que a média, em Portugal — entrarem no mercado laboral, mas também aumenta os custos das empresas com salários (…) porque toda a estrutura de salários é empurrada para cima. Há um risco de que, nos próximos anos, a menos que o euro continue a depreciar-se no mercado cambial Portugal vai, gradualmente, perder terreno nos mercados internacionais por ter menor competitividade, o que limitará o crescimento económico”

Para já, contudo, o Commerzbank diz que tem havido “sinais de vida” dados pelo investimento privado nos últimos tempos, depois de um ano de 2016 muito desfavorável nesta rubrica. A limitar o investimento privado, contudo, está o facto de ainda haver “problemas” no setor bancário, que travam a concessão de crédito.

Do ponto de vista das contas públicas, o banco alemão assinala que o Governo cumpriu o défice mas defende que “não se pode falar numa redução sustentada do défice no ano passado“. Porquê? Porque houve uma grande importância de medidas extraordinárias e de um corte no investimento público. “O investimento de longo prazo [público] não pode — nem deve — manter-se no mesmo nível baixo de 2016”, portanto, se a intenção do Governo é investir mais em 2017, “na ausência de medidas de corte na despesa, será difícil colocar o défice em 1,5% este ano e 1% em 2018” — ou seja, “a dívida pública [acumulada] irá cair muito devagar”, lamenta o banco alemão.