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As Pega Monstro querem casar e fizeram um baile indie

Este artigo tem mais de 5 anos

Depois de "Alfarroba", Júlia e Maria Reis têm um novo disco. "Casa de Cima" pode parecer rock mais contido, mas é um engano que vem antes da boa tempestade: sete canções feitas a copos e coração.

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Sara Rafael

Sara Rafael

Pode haver muitas razões para gostar das Pega Monstro. Tudo pode começar pelo nome, quem dera a muita banda com duas palavras na assinatura; porque são duas mas parecem uma equipa com suplentes no banco; porque fazem punk-moda-junk sujo mas com groove (quem dera a muitos); e porque cantam o que pensam, escrevem como falam, gritam como choram. Queríamos todos fazê-lo de manhã à noite, na vida normal do “mostra o passe, lava os dentes”, quanto mais nas coisas do rock. Casa de Cima é o novo álbum das irmãs Júlia e Maria Reis e tem isto tudo, outra vez. O que aconteceu até aqui não foi coisa de irmandade fraterna que por acaso correu bem, nada de tretas. E agora regressa e renova-se, com o mesmo calão elétrico mas sem ter que usar todos os tiques das anteriores idas ao estúdio.

“Casa de Cima”, de Pega Monstro (Upset the Rhythm/Cafetra Records)

Por falar nisso de outros tempos, farremos como se fosse 2014 outra vez: Alfarroba saiu nesse ano e foi uma porradão sem aviso nem declaração amigável. Sujo como se quer de tudo o que vem das entranhas, foi o momento decisivo para dizer ao mundo que as Pega Monstro não eram apenas um nome cool, tinham tudo o resto que descrevíamos aqui nas primeiras linhas. Vale para o moche como para o “encosta no meu ombro e chora”. Até 2017 houve tempo para chegar à Casa de Cima sem perder estes dois lados mas agora há mais elegância no meio do caos. Há mais cuidado mas sem esforço, que a atenção exagerada aos detalhes nunca fez bem a ninguém. É a tal coisa: basta o casaco certo ou as sapatilhas certas para fazer a diferença, até em cima de qualquer farda de trabalho — é ou não é?

Casa de Cima é rock’n’roll lisboeta. Tem o código genético do primeiro (com sotaque alternativo) mas nasceu da segunda, das noites que acabam de dia, dos turistas e dos betos, da cena e dos gunas, das casas que ninguém consegue arrendar e das outras todas, do gourmet e do que é realmente bom. Por isso tem guitarras elétricas que tanto tocam o drama do “Fado da Estrela do Ouro” (“eu nem mereço isto quando a culpa é do homem”) como ajudam a cantar “esta merda não é nossa, é só daqueles com a pança gorda” em “Partir a Loiça”. As Pega Monstro fazem música na primeira pessoa para a primeira pessoa, porque é assim que se faz tudo na vida real (e isto é bastante real, atenção). O novo álbum tem títulos como “Ó Miguel” porque o Miguel fez merda e tem de saber; canta “Odemira” porque, invariavelmente, vai tudo lá parar em alguma altura do ano; e sente as despedidas ou os desencontros como eles realmente são, uma tragédia: “Os abraços que eu não dei, todos de uma vez”.

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[o álbum “Casa de Cima” na íntegra:]

As canções, além de serem coisas bonitas e simpáticas, têm uma utilidade: servem de banda sonora. Não é só para os filmes, para as séries, para o elevador ou para o carro. É para o quarto, a caminhada solitária, o inesperado momento de euforia ou aquela facada que teima em chegar fundo. É para o raio da vida. Sejam escolhidas ou involuntárias, metem-se no meio de tudo, quando fazemos por isso e até (ou sobretudo) quando não damos conta. Júlia e Maria sabem bem que uma canção é coisa de todos os dias, todo o dia. E assim sendo, fazem o exercício contrário: transformam um pequeno nada que é tudo, uma conversa no passeio, um copo mal bebido, uma tragédia romântica, transformam todas estas coisas em canções de vizinhos, em punk bairrista, em bailarico indie para antigas vilas no bairro da Graça.

Parece conversa pós-jovem, pré-adulta ou uma outra categoria do género, mas não é. Até porque já ninguém sabe muito bem quando acaba o primeiro e começa o segundo. E não são as Pega Monstro que andam preocupadas em descodificar isso. Mais: incluem versos que podem transformar-se em lições de vida a qualquer altura: “Às três da manhã é mais fácil ser diferente”. Uma verdade absoluta que não tem idade de início ou fim. Nem esta nem nenhuma que envolva corações desfeitos. A primeira canção que este Casa de Cima revelou foi “Cachupa”. Seis minutos em jeito de rapsódia angustiada que começam assim: “Já estou tão farta de te dizer merda ao ouvido, tipo és lindo, quero casar”. Não é coisa de garotada, é a vida. E ela tem vezes que acontece. Mais: os imprevistos do amor (mas há “previstos”?) doem e não desarmam. Fechar o disco a cantar sobre isso mesmo num de tema de seis minutos não é só bonito, é justiça poética. E as Pega Monstro sabem bem mexer nessa matéria difícil de manipular.

Casa de Cima é feito de um talento demasiado cool para se preocupar com o seu próprio umbigo. Mas que ninguém se engane, é sempre bem cuidado e habilidoso. Tentem lá pôr a palavra “cinemateca” na letra de uma canção a ver se conseguem fazê-lo com categoria. Pois. Elas conseguem.

As Pega Monstro apresentam “Casa de Cima” num arraial na noite de Santo António, dia 12 de Junho, no Palácio do Machadinho, na Madragoa, em Lisboa. O programa conta também com o Pato Bravo — aka B Fachada — e a DJ Tempos Livres. Das 18h às 00h. Entrada livre

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