Quando abriram a primeira loja da Cantê no Chiado, na primavera de 2015, Mariana Delgado e Rita Soares tinham a “ideia romântica” de ter o atelier a funcionar no mesmo sítio. Romântica porque seria num espaço todo envidraçado, em contacto com as clientes, mas sobretudo porque era irreal para o que aí vinha: “Com a loja tivemos de triplicar a oferta e rapidamente precisámos do espaço”, conta Mariana Delgado. Não foram só os biquínis que cresceram: foi também a equipa, a procura e o tipo de produtos, que atualmente se estende aos fatos de banho de criança, às toalhas de praia, almofadas, scrunchies e — grande novidade, apresentada esta quarta-feira — à lingerie.
Contar a história da Cantê é resumir um dos grandes casos de sucesso do empreendedorismo português, de uma marca de praia que nasceu da teimosia de duas amigas de 24 anos, com um investimento de cinco mil euros, e que atualmente emprega 11 pessoas a tempo inteiro, cresce “50 por cento ao ano” e tem um atelier que ocupa não o cantinho de uma loja mas um andar inteiro na Rua do Carmo, com caixotes a andarem para cima e para baixo, duas designers gráficas a passarem para o computador os esboços das fundadoras, uma pessoa responsável pelo controlo de qualidade e gestão de produção, duas pessoas dedicadas à loja online (“responsável por 30 por cento das vendas”) e uma stylist.
O sucesso, explicam as fundadoras, passa por conseguir que as pessoas olhem para um fato de banho e “vejam logo que é Cantê”. No ADN está um “jeito feminino” feito de estampados criados de raiz mas também pormenores, detalhes e mistura de padrões. “No início algumas pessoas diziam que Cantê é só folhos e coisas ‘complicadinhas’, mas tentamos explorar o feminino de várias maneiras”, diz Rita Soares. “Temos o feminino com folhos, que está connosco desde sempre, mas também temos o feminino mais tranquilo, mais clean“.
Recuando oito anos, o início da marca foi tudo menos tranquilo, e envolveu um avião até ao outro lado do Atlântico. “Em 2009 acabámos o curso de Arquitetura e fizemos uma viagem ao Brasil”, recorda Rita. “Tivemos imensas amigas a pedirem o costume — ‘tragam-me biquínis’ — e nós próprias íamos com a intenção de comprar alguns porque era o que se fazia.” “Não havia em Portugal marcas de swimwear diferentes”, completa Mariana. Resultado: as duas amigas voltaram a Lisboa, trocaram os desenhos de casas e as maquetas por esboços de pequena escala e pensaram: “E se criássemos uma marca nossa?”.
Como em todas as histórias de pioneiros — a Cantê foi uma das primeiras a afirmar o conceito de fatos de banho made in Portugal, numa altura em que não se dava a mesma importância à moda de praia que se dá hoje –, o caminho não foi fácil. “Foi muito complicado, levámos muitos nãos nas fábricas”, conta Mariana Delgado. “Diziam que não queriam fazer quantidades pequenas, que os nossos moldes eram muito complicados ou até que não aceitavam encomendas portuguesas”, acrescenta Rita Soares. “Na altura os fornecedores estavam habituados a clientes estrangeiros e a coisas muito simples.”
Foram precisos dois anos para conseguir lançar a primeira coleção, em 2011, e para lançar o nome Cantê, uma versão “tropicalizada” da palavra portuguesa “canté”, que significa “oxalá”. Nesse e no verão seguinte, eram as duas fundadoras que faziam tudo: desenhavam os modelos à mão, iam às fábricas escolher os tecidos, ter reuniões e acompanhar a produção, e ao mesmo tempo atendiam as clientes no showroom entretanto aberto em Belém.
O primeiro salto deu-se com a abertura da loja do Chiado, a tal onde tinham a ideia romântica que servisse também de atelier, em 2015. Das cerca de 300 peças produzidas para cada verão passaram para o quádruplo, triplicaram as fábricas com as quais trabalhavam, lançaram a primeira pedra da My First Cantê, dedicada às crianças — e que entretanto cresceu tanto que atualmente ocupa toda uma divisão da loja — e continuaram a investir nas sessões fotográficas das campanhas, que por esta altura já davam para encher um passaporte: Rio de Janeiro, Menorca, Bali, Portugal e, este ano, Grécia, com estampados étnicos e de flores inspirados nas duas ilhas onde se deu o shooting, Santorini e Mykonos, e que obrigaram a levar na mala qualquer coisa como 180 peças diferentes, os modelos (e respetivas variações) criados para esta estação.
“Desde o ano passado dividimos a coleção em quatro lançamentos, um por mês, de março a junho”, explica Rita Soares. “É uma forma de termos sempre novidades ao longo do verão mas também de adaptarmos os lançamentos à altura. No início tentamos ter modelos melhor para queimar, por exemplo.”
Da praia para o boudoir, com a primeira coleção de lingerie
Embora o slogan da marca, impresso nas bolsas em que se vendem os fatos de banho, seja “It’s always summer somewhere” (é sempre verão nalgum lado), as duas fundadoras sabem que se trata de um negócio sazonal. “É sazonal porque nos esgotam o stock, ele não chega ao inverno”, brinca Rita, para a seguir dizer, mais a sério: “É aqui que entra a grande novidade: a coleção de lingerie que podemos vender o ano inteiro.”
Desenhada em parceria com Francisca Pinto Ribeiro Pereira e feita em Portugal, numa fábrica da região de Lisboa, a My Intimate Cantê é apresentada esta quarta-feira, 7 de junho, e é uma espécie de materialização dos fatos de banho da marca em roupa interior e rendas sofisticadas. “É romântica, obviamente sexy, mas ao mesmo tempo é confortável e vai buscar o lado floral da marca”, conta Francisca Pinto Ribeiro Pereira ao Observador. Em tons pastel mas também a ir buscar o verde, o rosa velho e a inspiração grega deste verão, é uma coleção feita também de muitos detalhes, com “faixas a cruzar nas costas ou cuecas com tiras de vários tamanhos”, exemplifica a designer de moda. “Inspirámo-nos na Grécia e agarrámos nalguns padrões dos fatos de banho porque o objetivo era que os meus desenhos se unissem com os delas”, explica Francisca Pinto Ribeiro Pereira. Todas as rendas são portuguesas e para já há cerca de 30 conjuntos de soutien e cuecas, a um valor que ronda os 65 euros.
Com um mercado maioritariamente português e uma loja online já a dar cartas em Espanha, no Reino Unido e em França, os próximos passos da Cantê passam por trabalhar para a internacionalização e abrir uma segunda loja noutro ponto do país. Uma coisa é certa: no caminho para extinguir do léxico português a frase “traz-me um biquíni do Brasil”, poucas coisas souberam tão bem como ir fotografar uma campanha ao Rio de Janeiro e ouvir dizer, perante as peças da marca: “Onde é que se compram esses fatos de banho? Isso não há cá”.
Nome: Cantê
Data: 2011
Pontos de venda: Rua Garrett, 19 (Lisboa) e loja online
Preços: 22€ (almofadas) a 110€
100% português é uma rubrica dedicada a marcas nacionais que achamos que tem de conhecer.