No segundo dia desta 23ª edição, o cartaz do Super Bock Super Rock (SBSR) prometia hip hop para todos os gostos, com apontamentos soul e pop pelo meio. Foi um dia em cheio para quem gosta do género, mas o melhor não apareceu de onde, provavelmente, muitos esperavam. Isto porque o norte-americano Future, o cabeça de cartaz, foi um artista estranho e desinteressante.
O português é bom para rimar
É com segurança que podemos dizer que era muita a curiosidade para ver a Língua Franca ao vivo e a cores. Feito o balanço, é igualmente seguro afirmar que o dia dedicado ao hip hop não ficaria completo sem levar a palco este novo projeto luso-brasileiro, depois de tanto se ter falado nele. Apesar de recente, foi recebido com ênfase, não é todos os dias que se juntam quatro MCs do calibre de Capicua, Valete, Emicida e Rael. Dois portugueses e dois brasileiros numa mistura que resultou muito bem em disco mas que faltava ver em palco.
Os quatro são talentosos e experientes e estiveram à altura, desfilaram temas deste álbum homónimo mas também canções dos respetivos repertórios. Ouviu-se, por exemplo, “Vayorken” de Capicua (numa versão muito alterada) e o “Rap Consciente” de Valete, que deu azo a um forte apelo à valorização das pessoas pelo que elas são e não pelo que parecem. Os MCs foram entrando e saindo, quase nunca estiveram sozinhos em palco, exceção para Valete, particularmente aplaudido pelo muito público que se juntou no Palco EDP.
Na bateria esteve Fred Ferreira — que também foi um dos produtores do disco — pela segunda vez no mesmo dia e no mesmo palco, onde antes tinha estado com Slow J. Não é surpreendente mas não deixa de ser curioso, ver este homem como coprotagonista de dois dos projetos mais importantes da cena hip hop nacional.
A Língua Franca é uma fusão de culturas expressa na música. Os problemas do mundo são, em certa medida, bastante iguais, foi essa também a mensagem que passaram ali. “Somos mais iguais que diferentes”, dizia a certa altura o brasileiro Emicida; e mais à frente, que “tudo começa com a porra de um sonho”. Tal como eles, esperamos que outros assim se concretizem.
A má qualidade do som penalizou um pouco o espetáculo, mas ainda assim valeu muito a pena ver tamanha demonstração de talento, uma homenagem à lusofonia e um apelo à comunhão e à amizade. Por isso “Amigos” ficou para o fim. Valeu.
Também no Palco EDP, ainda o sol ia alto quando Slow J protagonizou por uma das maiores enchentes que se vai poder ver no Palco EDP, este ano. O novo álbum The Art of Slowing Down foi o mote, mas acabou por ser apenas um pretexto para algo maior. O MC de Setúbal não é propriamente um estreante e tem vindo a revelar-se como uma das figuras mais importantes do hip hop nacional, percebeu-se bem porquê.
Slow J fez-se acompanhar por Fred Ferreira (na bateria) e Francis Dale (guitarra e teclado), os três voltaram a mostrar que a nossa língua e música são tão boas como qualquer outra, particularmente neste género musical onde as grandes vedetas continuam a chegar do lado de lá do Atlântico. Versátil e inteligente, cantou temas novos com a mesma alegria com que recuperou o velho e popular “Menina Estás à Janela”. Só visto.
Em circunstâncias normais este texto começaria por dar destaque ao cabeça de cartaz, mas o rapper norte-americano Future não é um fenómeno fácil de entender. Vende cliques no YouTube e no Spotify aos milhões e está na lista dos mais importantes do hip hop mundial, mas a verdade é que nem sempre os números têm um reflexo óbvio.
O que aqui se assistiu esta noite foi a uma demonstração bizarra e assaz pobre para um espetáculo de um cabeça de cartaz. Future apareceu sem instrumentos em palco, (a base musical estava toda gravada), não que isso fosse fundamental, mas faltou tudo o resto. Foi uma massa difícil de diferenciar, em disco brota detalhes e ao vivo essa riqueza perdeu-se completamente, nem um vislumbre ou simulação. Foi só luz, fumos, imagens no ecrã, danças de rua e (tele)texto nu e cru, monocórdico e chato.
Contudo, lá na frente a agitação era muita e as letras estavam na ponta da língua, o que vira do avesso todo e qualquer argumento que possamos aqui tentar trazer. A importância tem de lhe ser dada: o que conta é o que o público quer ver e, de facto, havia lá muita gente. O que tem de nos fazer pensar se estaremos a ver isto tudo com olhos de ver.
Se foi um justo cabeça de cartaz? Seguramente. Se foi o mais interessante num dia dedicado ao hip hop? Longe disso.
A magia dos que souberam ficar de fora
Os portugueses The Gift eram, a par dos britânicos London Grammar, um dos nomes “estranhos” do cartaz desta sexta-feira. Foi a eles que coube abrir o palco principal, no MEO Arena, perante uma plateia fraca e pouco entusiasta. Depois de o espaço ter rebentado pelas costuras durante o concerto de Red Hot Chili Peppers na quinta-feira, não deixava de ser estranho ver o pavilhão a meio gás numa sexta-feira à noite.
Apesar disso, os The Gift não se deixaram ir a baixo, e fizeram o possível e o impossível para arrancar uns saltos à plateia. E conseguiram-no. Apesar do fraco entusiasmo inicial, o público lá se deixou conquistar (lentamente) pelos portugueses — imparáveis do princípio ao fim e com uma prestação verdadeiramente irrepreensível da parte da vocalista Sónia Tavares –, que apresentaram um alinhamento sobretudo focado no novo álbum, Altar (2017). Mas também houve tempo para alguns “clássicos”, nas palavras da vocalista Sónia Tavares. “Driving You Slow” foi um deles.
Ainda os The Gift não tinham acabado de tocar e já o espaço junto ao Palco LG by SBSR.fm estava cheio. Uns estavam sentados na escadaria do MEO Arena, outros aguardavam em pé, pacientemente. Às 22h em ponto, subiu ao palco NBC, um dos pioneiros do hip-hop em Portugal. Descalço, vestido apenas com umas calças brancas e umas gigantescas asas, parecia um anjo entre as luzes intermitentes do palco. Com mais de 20 anos de carreira, NBC fez questão de lembrar que não anda nisto há 15 dias. “1993-2017. Estar a ver isto acontecer é um privilégio”, disse, entre aplausos. “Lutámos para que isto pudesse acontecer, para que o hip hop fosse a música de todos.”
Entretanto, no MEO Arena, os London Grammar preparavam-se para entrar em palco. Não eram os cabeças de cartaz, nem tão pouco um dos nomes grandes do alinhamento desta sexta-feira, e isso notava-se. À semelhança dos The Gift, também os britânicos tocaram para um pavilhão que parecia demasiado grande. Mas a banda de Hannah Reid, Dan Rothman e Dot Major soube fazer magia. O canto de Reid — frágil, melancólico, forte quando tem de ser — embalou a noite. Os London Grammar saíram contentes, com um sorriso nos lábios. E os fãs também.
O Rap bruto e a voz doce
“My name is Pusha T aka King Push.”
Foi assim que Terrence Thornton, conhecido pelo nome de guerra Pusha T, se apresentou. O rapper norte-americano, nascido no Bronx e com uma (longa) carreira de fazer inveja, foi o primeiro a tocar no segundo dia do festival que, tal como na quinta-feira, arrancou no Palco EDP, por baixo da Pala de Siza Vieira e do Pavilhão de Portugal. Apesar da hora (17h), Pusha T. tinha uma multidão à sua espera. “Também me chamam good president porque sou presidente da GOOD Music”, disse, numa referência à editora fundada por Kanye West que, a partir de 2015, passou a presidir, arrancando gritos à plateia. Com uma setlist focada essencialmente no álbum de 2015, King Push – Darkest Before Dawn, Pusha fez a festa e levou o público ao rubro. Foi difícil ficar quieto no Palco EDP.
Depois do “King Push”, foi a vez da canadiana Jessie Reyez, com a sua voz doce e a mala cheia de histórias tristes, tomar conta do mesmo palco. Apesar de ser um nome secundário no cartaz, Jessie encantou com músicas cheias de alma, vindas diretamente do coração.
Este sábado o SBSR volta à toada indie, com Deftones, James Vincent McMorrow, Foster The People, Sensible Soccers, Seu Jorge e Bruno Pernadas, entre outros. A fechar o palco maior, Fatboy Slim promete fazer do MEO Arena uma super pista de dança.