Um ex-carteirista referenciado pela PSP, conhecido como Xula, e um sócio montaram um esquema num conjunto de restaurantes na zona histórica de Lisboa, no qual chegam a cobrar 250 euros por um prato, e espalharam um clima de intimidação nos negócios à volta desses estabelecimentos.
Pelo menos três restaurantes no centro de Lisboa — Made in Correeiros; Obrigado Lisboa e Tiagu’s — praticam o mesmo esquema: os clientes são aliciados na rua por funcionários que mostram uma parte do menu com preços acessíveis. Já sentados, são-lhes sugeridos outros pratos, sem que os clientes vejam o seu preço. Quando vem a conta, os clientes deparam-se com mistas de marisco para dois a 250€, parrilhada de carne a 175€ e outros valores na ordem dos três dígitos. Quando se queixam da conta, é-lhes apresentada a ementa onde constam de facto esses pratos a esses preços.
Isto mesmo foi constatado pelo Observador nestes três estabelecimentos. Os preços estão de facto nas ementas, mas só aparecem nas últimas páginas de um longo menu em várias línguas. Os clientes queixam-se ainda de preços desmesurados nas bebidas (10€ por um copo de sangria, 15€ por uma caneca de cerveja, 50€ por duas bebidas e um couvert) e de contas que não correspondem aos pedidos.
No caso do Made In Correeiros, houve queixas a chegar à PSP, que várias vezes se dirigiu ao estabelecimento. No ano passado, porém, houve uma situação de violência que envolveu funcionários de restaurantes vizinhos e que levou a polícia a enviar para o local um carro patrulha e uma brigada de intervenção. Fonte da PSP afirma ao Observador que existe de facto um clima de medo instalado nas pessoas que todos os dias trabalham perto do restaurante Made In Correeiros.
O Made In Correeiros é detido por José Cardoso e Tiago Ribeiro. O Obrigado Lisboa tem como dono José Cardoso e o Tiagu’s tem duas empresas com nomes diferentes que são donas a 100% daquele restaurante. Uma delas pertence a Tiago Ribeiro.
Quem é José Manuel Cardoso?
José Manuel Cardoso é bem conhecido da polícia. Ou melhor, Xula, é assim que o agora empresário de restauração é referenciado por entre as forças de segurança que em Lisboa investigam as atividades dos carteiristas.
Foi nos anos 90 que o nome de Xula começou a ser conhecido das autoridades. Era suspeito de assaltar pessoas no elétrico 28 e nas estações de metro. Fonte policial ligada à investigação deste tipo de crimes conta que Xula era suspeito de ser uma espécie de cabecilha de um bando de pessoas que se dedicava ao furto de carteiras nos transportes públicos de Lisboa. “Era um carteirista muito respeitado no meio, andava sempre bem vestido, era bem falante, não era violento e deslocava-se em carros caros, como Mercedes e BMW. Tinha vários carteiristas a trabalhar para ele, era o rei da zona.”
Até 2008, Xula terá praticado a atividade de carteirista no metropolitano de Lisboa e no elétrico 28, mas a partir de 2009, com o aumento da vigilância nas estações do metro, terá ficado apenas a “operar” na carreira 28. Foi detido várias vezes pela polícia, mas nunca foi condenado. Nos registos policiais, José Manuel Cardoso está ligado a 40 processos desde 2005, a maioria deles de furto. Nos tribunais, apenas decorre contra ele um processo por furto qualificado, que data de 2006 e que ainda não foi concluído.
“Nós prendíamos três ou quatro indivíduos por furto de uma carteira e se a prova fosse muito forte havia sempre um que assumia a autoria e assim ilibava os outros”, conta a mesma fonte. Xula era sempre um dos que saía limpo. E como nunca se conseguiu provar que havia um bando que atuava nos furtos, também nunca houve condenação por esses crimes.
Por volta de 2011/2012, a polícia deixou de ver Xula no elétrico 28 e, pouco tempo depois, soube que o homem estava à frente de um restaurante na Baixa da cidade. Chamava-se Portugal no Prato; chama-se agora Made in Correeiros.
Negócios entre vizinhos
José Manuel Martins Rodrigues Cardoso e Tiago Miguel Reis Ribeiro começaram por abrir um restaurante na Baixa de Lisboa, juntamente com um outro sócio: o Portugal no Prato, na Rua dos Correeiros.
Cada um destes três sócios tinha uma participação igual — um terço da empresa, cada – e a gerência do restaurante estava a cargo de Tiago Reis Ribeiro.
Apenas cinco meses depois da abertura do restaurante, um dos sócios, Amílcar Cardoso, afastou-se. José Cardoso comprou a sua participação e, para além de passar a ser sócio maioritário do Portugal no Prato, assumiu também a gerência do estabelecimento.
Os negócios de José Cardoso não se ficam por aqui. A 7 de novembro do ano passado, expandiu o negócio e passou a deter mais um restaurante, na mesma rua, a escassos metros do Portugal no Prato, que mudou de nome para Made In Correeiros. O Obrigado Lisboa, que começou por se chamar Rio Ceira, é detido pela empresa Antão, Santos & Martins, cujo único dono é José Cardoso, que também é o gerente deste restaurante, de acordo com o registo comercial do Portal da Justiça.
Não é apenas o Made In Correeiros que José Cardoso e Tiago Ribeiro partilham. Os sócios vivem no mesmo prédio de um bairro em Lisboa, embora em andares diferentes.
Por sua vez, Tiago Ribeiro era dono de um restaurante na rua de São Tomé, em Lisboa, pelo menos até junho de 2017.
Este restaurante tem, no entanto, um historial curioso no último ano. Vítor Madeira e Natividade da Costa compraram o restaurante em junho de 2016, vendendo-o três meses depois a Tiago Ribeiro, que passou a ser dono e gerente do mesmo. Mas, menos de um ano depois, a empresa voltou para as mãos de Vítor Madeira e Natividade da Costa, que voltaram a vendê-la ao mesmo Tiago Ribeiro… um mês depois.
Apesar de não haver registo de Tiago Ribeiro ter cedido a empresa e a gerência do restaurante, atualmente, o restaurante que era conhecido como São Tomé 48, é detido por uma outra empresa, a Atlas Mágico, cujo dono é Luís António Nunes. Esta empresa foi constituída em maio deste ano para gerir o restaurante que agora se chama Tiagu’s. Mas um mês depois disso, a Miranda & Sousa, com a mesma morada, volta a ser detida a 100% — capital social e gerência – pelo mesmo Tiago Ribeiro.
O Tiagu’s é alvo de várias críticas de clientes nas plataformas online, que se queixam dos elevados preços praticados, desde 50 euros por uma cerveja, um couvert e um sumo natural, aos 10 euros cobrados por um copo de sangria e, naturalmente, aos preços das refeições mais caras que só aparecem no final das várias páginas de ementa em várias línguas.
Além do negócio da restauração, José Cardoso também está registado como tendo uma empresa de táxis de nome Calculégua, sem registo de atividade, e um negócio de comércio de automóveis chamado Chuva de Talentos, com sede na Ameixoeira. A Chuva de Talentos foi criada em 2006 e é detida a 100% por José Cardoso, que é também por isso o gerente desta empresa, que tem um capital social de 10 mil euros.
O Observador falou com José Cardoso, esta terça-feira, que não quis comentar o assunto e tentou telefonar para o Made in Correeiros e para o Obrigado Lisboa, esta quarta-feira, mas ninguém atendeu as chamadas.
No restaurante Tiagu’s, numa primeira instância, disseram que o gerente, António Nunes, não estava e pediram para ligar mais tarde. O Observador ligou várias vezes ao longo da tarde, mas ninguém atendeu as chamadas.
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