“Muitas lendas, muitas pessoas vieram antes de mim. Mas este é o meu tempo.”

E o tempo de Bolt, de 30 anos, acabou hoje. Aos pés de Justin Gatlin, de 35 anos. Que ganhou e ajoelhou-se perante uma das maiores lendas de sempre do desporto mundial.

Glen Mills, treinador de Usain Bolt, disse-lhe um dia que só quando se perdesse era possível aprender a ganhar. E quando Tyson Gay venceu aquela corrida na final dos 200 metros do Mundial de Osaka, em 2007, o jamaicano teve o gatilho para uma era de dez anos na frente do atletismo mundial. Entre Jogos Olímpicos e Campeonatos do Mundo, em 100, 200 e 4×100 metros, ganhou 19 em 21 medalhas possíveis. E nunca teve adversários, a não ser ele (falsa partida nos 100 metros de Daegu, em 2011) e o doping de outros (Nesta Carter, o que lhe retirou a medalha de ouro nos 4×100 metros dos Jogos de Londres, em 2012). E bateu recordes mundiais. Uma e outra vez. Até que, depois de ter aprendido a ganhar, soube outra vez o que era perder.

Usain Bolt fez esta noite a última corrida individual em grandes provas. E como rei que é, quis abdicar mas com a coroa na sua posse. Nunca mais nada será como era antes; nunca mais nada será como podia ter sido. Mas a coroa foi mesmo para aquele que mais rivalizou com o jamaicano ao longo dos últimos anos.

Depois de uma qualificação fácil apesar de ter registado uma das piores partidas de sempre, o jamaicano começou o dia com o segundo lugar numa meia-final que foi ganha pelo jovem Christian Coleman. Nos últimos dez metros, Bolt olhou para o lado surpreendido com a réplica que estava a ter; ao contrário do que aconteceu com Andre De Grasse, que se riu para ele nos Jogos do Rio de Janeiro quando isso aconteceu, o americano fechou a cara. Parecia quase um sinal de afronta. E o recordista mundial foi para os balneários com um ar pensativo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Ainda assim, não deixou de ser curioso ouvir os comentadores especiais da Eurosport. Uns defendiam que era graças a Bolt que o atletismo tinha sobrevivido nos últimos anos entre muitas dificuldades e que seria necessário preparar o futuro para respeitar esse legado; outros acreditavam que em todos os Mundiais há um grande campeão que cai e que, este ano, a fava poderia tocar ao jamaicano. Como é fácil perceber, um enganou-se.

https://twitter.com/insta_nigeria/status/893941245814480896

À exceção do lesionado Andre De Grasse, todos os candidatos conseguiram garantir o apuramento para a corrida decisiva. E com uma nuance engraçada: enquanto os americanos Christian Coleman e Justin Gatlin (sempre assobiado em Londres, a contrastar com a euforia extrema nas apresentações do Relâmpago) são muito mais fortes nos primeiros 50 metros, os jamaicanos Usain Bolt e Yohan Blake sobressaem nos últimos 50 metros. Mas aquele de sempre que no aquecimento era só sorrisos e caretas não se ficou a rir no final.

E Justin Gatlin ganhou. Mesmo na pista 8, Justin Gatlin ganhou.

A partida de Usain Bolt voltou a ser péssima, Christian Coleman liderou grande parte da prova mas seria Gatlin a conseguir chegar primeiro. E o jamaicano ficou-se com o bronze, à sombra do domínio americano.

Gatlin nem queria acreditar na vitória. Na primeira reação, mandou calar o público que o tinha estado a assobiar; depois, de frente para Bolt, ajoelhou-se e fez uma vénia. O jamaicano abraçou-o e deu-lhe os parabéns. O rei ficou sem coroa no dia em que abdicou. Mas até na reação que teve foi uma lenda.