O Instagram moldou uma nova forma de sucesso: se à mulher de César não bastava sê-lo mas também parecê-lo, no Instagram é preciso parecer e só depois se vai ver se é ou não é. Ser, na verdade, é pouco relevante. Há que convencer.
As fotos parecem acidentais para forjar um sucesso humilde, ao alcance de todos, daí que os olhos das celebridades estejam sempre no chão ou no infinito. Há que dizer que o infinito está pelas ruas da amargura: antes olhava-se para lá para pensar na vida, agora olha-se para parecer que não se está a pensar. O Instagram não contempla fracasso. O fracasso não é inspirador.
Até eu já caí nessa esparrela de usar o Instagram para amplificar os meus sucessos – eu que admiro o fracasso, que tenho saudades das lições dos vencidos. Podem ser personagens mais cómicas ou mais trágicas, idealmente um pouco de ambos, mas servem-nos de consolo nos momentos de inescapável solidão. E são mais esses momentos do que outros, mas o Instagram da tragédia humana não interessa a ninguém. Não é inspirador. Queremos ver essa foto de família que é tão linda, que é a melhor família do mundo; não queremos ver o tio a mastigar de boca aberta enquanto manda recados passivo-agressivos à prima. Se a foto tiver muitos likes, talvez nos faça sobreviver ao sofrimento e à vergonha. Mas o que é isto, a apologia da dor? Isso não é inspirador. E é inveja. Como não ter inveja? Quem não gostaria de ter uma vida perfeita como a das fotos? Talvez Alex Cameron.
Aos 28 anos, pleno millennial, o músico australiano Alex Cameron finta a obsessão por uma vida sem reveses e mantém vivo o charme da degradação. Sabe que a pop é hoje mais efémera que nunca, sucessivos one-hit wonders que movem milhões mas que deslizam pelo ralo vertiginoso da Internet ainda antes de chegar a disco. Alex Cameron sabe que nunca gozará de semelhantes milhões, mas encontra conforto nessa sensação.
Desde o anterior Jumping the Shark que é fascinado pelo que chama de “tragédias microscópicas”: encarna em cada canção personagens que vivem pitorescos fracassos, que não são mártires sequer, apenas refugo da humanidade. É um fascínio antigo de Cameron, que ele executa artisticamente como terapia para lidar com as suas próprias inseguranças, e que transporta para o novo Forced Witness.
“Acho que estou a morrer, porque estou fraco e cansado e estou constantemente a queixar-me da dor que sinto” são os primeiros versos do álbum. E uma das grandes proezas de Alex Cameron é conseguir transportar para a música esta dualidade lírica entre a tragédia e paródia: também a sua pop deambula entre o sério talento para as canções e os arranjos oleados por um azeite vintage, que aproximam o jovem génio da pop do artista de variedades em final de carreira.
Esta última dimensão, por sua vez, corresponde à estética e ao comportamento que adota em palco: o cabelo luzidio, o casaco cintilante, a dança exagerada, o stand up tragicómico. Esta riqueza que já vem de Jumping the Shark surge potenciada em Forced Witness pela produção mais espetacular, agora a cargo de um outro devoto do glamour da decadência, Jonathan Rado, dos Foxygen.
As canções vão dos Suicide a Springsteen, passando por Bowie e Moroder, porque tanto Cameron como Rado são exímios recicladores da história da música – e a pop, tão asséptica como as fotos do Instagram, tem-se esquecido da história. Alex Cameron é humano, falível e ridículo: uma caricatura de tudo aquilo que não se vê quando se olha para o infinito.