As portas grandes, vermelhas escuras e de ferro no interior do Centro Português de Fotografia (CPF), no Porto, quase parecem ter sido feitas de propósito para a próxima exposição fotográfica. Porquê? O projeto fotográfico sobre prisões portuguesas The Portuguese Prison Photo Project colheu inspiração no antigo edifício da Cadeia da Relação do Porto — convertido no final da década de 90 no atual Centro Português de Fotografia. No entanto, o projeto não se ficou pela Invicta. Os fotógrafos Luís Barbosa e Peter Schulthess, um português e um suíço, viajaram pelo país e entraram em sete prisões, com o objetivo de mostrar diferentes perspetivas sobre os espaços.
Tudo começou num congresso académico no Porto com Daniel Fink, professor da Universidade de Lausanne na Suíça que, antecipando o projeto, viu no CPF o local ideal para uma exposição fotográfica sobre prisões. Fink convidou Peter Schulthess, com quem trabalha regularmente há dez anos esta temática. “Virou-se para mim e disse: ‘Peter, este é o teu novo desafio’”, explica o fotógrafo suíço ao Observador. E daí partiu tudo. Ambos reuniram-se com várias instituições portuguesas, desde o próprio Centro Português de Fotografia até à Universidade do Porto, que faz também parte da organização do “The Portuguese Prison Photo Project”.
Luís Barbosa foi convidado posteriormente para integrar o projeto, quando Peter percebeu que a ideia só faria sentido com dois fotógrafos. “Decidimos ter um fotógrafo português, porque daria outra visão. Estou habituado a fotografar prisões e a minha visão é sempre a mesma”, diz Peter Schulthess. A exposição “The Portuguese Prison Photo Project” está dividida por quatro salas do CPF: numa estão as fotografias de ambos os fotógrafos, em outras duas ficam as fotografias individuais de Peter e de Luís, e a última sala está reservada às imagens históricas das prisões, que podem ser registos desde 1880 a 1973.
As visões de cada um revelaram-se tão ou mais importantes do que ângulo ou aquilo que enquadravam. Enquanto Luís Barbosa fotografou a preto e branco, Peter Schulthess tirou fotos a cores para o projeto. Luís concentrou-se no jogo de luzes e na vertente mais emocional – o ponto de vista do preso da sua cama, por exemplo –, já Peter preferiu os edifícios, os pormenores arquitetónicos e os detalhes numa divisão — como o berço de um bebé num quarto de uma detida, no estabelecimento prisional feminino de Santa Cruz do Bispo.
“As fotografias do Peter têm muito mais atenção ao detalhe, são frias, mas poderosas. Convidam a entrar naquelas prisões, a conhecê-las por dentro. As minhas fotografias são como uma conversa privada, mais emocionais”, explica Luís. Ambos sabiam o formato que o colega ia utilizar, mas durante a recolha fotográfica, não se preocuparam em precisar o que cada um ia fotografar. “Podia acontecer termos imagens repetitivas, mas acabaram por ser complementares”.
As imagens históricas das prisões portuguesas integradas na exposição foram selecionadas pela professora universitária Maria José Moutinho e tiveram o papel importante de mostrar aos fotógrafos que, tal como uma fotografia “congela” um instante, também alguns estabelecimentos de detenção pareciam parados no tempo. “Algumas fotografias antigas tinham perspetivas muito semelhantes às nossas, os problemas eram iguais”, refere Peter. Um deles era a falta de espaço, segundo o fotógrafo suíço, mas a parecença ia além das condicionantes. “Numa fotografia, eu registei os presos a fazerem cestos de vime. E numa das imagens históricas há exatamente o mesmo cenário”, contrapõe Luís.
O passado e o presente andavam afinal de mãos dadas também nos estabelecimentos prisionais em Portugal. O tempo passou, mas a vida na prisão permanece na mesma”, afirma o fotógrafo português, concluindo: “Com ou sem diferenças temporais, “há um ADN nas prisões.”
Fotografar em liberdade o que está por detrás das grades
De uma lista de 12 prisões inicialmente propostas à Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, várias foram rejeitadas. Apenas esta instituição poderia dar autorização para que o projeto fosse levado avante. Num processo de negociação sobretudo feito entre as universidades e a Direção-Geral, tanto Peter como Luís ficaram satisfeitos com o resultado.
Cada um fotografou três prisões, sendo que o fotógrafo suíço teve uma única exigência: fotografar o Estabelecimento Prisional de Lisboa, um dos mais numerosos do país. Para ambos, “a imagem pública das prisões (as condições e a vida do detidos) continua a não ser conhecida”. Carregueira, Leiria, Guarda, Izeda, Santa Cruz do Bispo e Viseu foram os restantes estabelecimentos fotografados. Desde os mais antigos aos mais recentes, às prisões masculinas e femininas e a um centro de detenção juvenil, na seleção foram tidas em conta as diferentes tipologias de prisões em Portugal.
Tanto nas fotografias a cores de Peter Schulthess como nas imagens a preto e branco de Luís Barbosa, poucos são os retratos. “Com o staff era permitido ter contacto, com os detidos não estávamos autorizados”, diz o suíço. Ainda teve pequenas conversas com alguns alemães, mas tudo era reduzido ao silêncio. Assim como mostram as suas imagens, onde só os cenários podem falar por si. Por outro lado, Luís teve reações de todo o tipo: fotografou tatuagens, recebeu “conselhos” fotográficos de detidos e caras menos simpáticas de outros. “É normal quando estamos com uma câmara fotográfica”, refere. Quando tinha autorização para tirar fotografias às celas, os detidos nunca estavam presentes.
Ainda assim, houve surpresas. Peter, que fotografa há vários anos estabelecimentos prisionais, ficou surpreendido com as celas para as visitas íntimas. “É um direito em Portugal. Na Suíça, é muito difícil ter este direito e não existem estas celas”, explica. Já para o fotógrafo português, a ausência de liberdade de movimento e ação tornou-se quase palpável. Deixar o telemóvel à porta, ser revistado e estar sempre na companhia de um guarda prisional são as situações que mais recorda.
“Quando saí de uma das prisões, a seguir fui a um bar e o empregado deu uma lista para escolher o que queria. Essa escolha para mim foi um ato de liberdade”, remata.
A exposição fotográfica “The Portuguese Prison Photo Project” inaugura esta sexta-feira, às 21h30, no Centro Português de Fotografia, e fica patente até 3 de dezembro.