O Governo está convicto que a EDP e a Endesa imputaram ilegalmente aos consumidores de eletricidade custos da tarifa social desde 2015, que deviam ser as próprias a assumir, uma vez que beneficiaram de um diploma que o permitia fazer.
O Executivo socialista publicou a 24 de agosto passado um diploma, em Diário da República, que revoga um despacho assinado a 3 de outubro de 2015, véspera de eleições legislativas, pelo então secretário de Estado da Energia Artur Trindade (governo PSD-CDS/PP).
Agora, na fundamentação, publicada esta semana, o atual secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, explica a nulidade parcial do despacho por considerar que “contraria frontalmente as normas legais que determinam que os custos com as tarifas sociais […] sejam suportados pelos produtores, proibindo a sua repercussão, direta ou indireta, nas tarifas de uso das redes de transporte, de distribuição ou de outros ativos regulados de energia elétrica”.
O governante diz ainda, na fundamentação, que foi questionada a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) sobre o despacho de Artur Trindade – que quando saiu do Governo de Passos Coelho regressou à ERSE como diretor-geral – e concluiu que “o regulador não contém qualquer justificação que permita afastar a ilegalidade detetada”.
“Na verdade, a determinação por ato administrativo da repercussão nas tarifas de eletricidade dos custos suportados pelos produtores […] constitui a criação de uma nova contribuição pecuniária para os consumidores”, considera Seguro Sanches, no diploma publicado esta semana em Diário da República.
Atualmente, a tarifa social da eletricidade – um desconto que as empresas são obrigadas a dar aos consumidores economicamente vulneráveis, suportando esse encargo -, beneficia cerca de 800 mil famílias, sendo a esmagadora maioria clientes da EDP, por ser a empresa líder do mercado elétrico.
No mesmo documento, o governante reafirma a intenção de declarar a nulidade do ponto do despacho de Artur Trindade relativo à tarifa social (ponto 12) e à CESE – Contribuição Especial sobre o Setor Energético (ponto 11) e solicita à ERSE que calcule os montantes indevidamente pagos pelos consumidores para serem devolvidos.
A intenção do Governo é fazer refletir estes montantes nas tarifas da eletricidade do próximo ano, que serão propostas em meados de outubro, sendo que, de acordo com o Público, está em causa um valor global de 100 milhões de euros.
Questionada pela Lusa sobre quem tem vindo a suportar a tarifa social, a ERSE, que regula o mercado energético, considerou “não ser oportuno pronunciar-se sobre a questão”, porque “está a decorrer uma audiência prévia para os interessados se pronunciarem sobre o despacho do senhor secretário de Estado da Energia”, isto é, os produtores (a EDP e a espanhola Endesa). À mesma questão, a EDP respondeu que não fazia comentários sobre o tema.
No relatório de contas do grupo liderado por António Mexia, relativo a 2016, lê-se que “este apoio social [tarifa social] permite um desconto superior a 30% na fatura de energia, que é suportado maioritariamente pela EDP”.
O presidente da Endesa Portugal, que também é produtora de eletricidade em Portugal, garante que a empresa “em todos os aspetos cumpre a lei”, sem comentar o diploma agora revogado, mas criticando o “caráter retroativo” do despacho de revogação. “Num Estado de Direito, da União Europeia, não há nada que justifique o caráter retroativo”, afirmou à Lusa Nuno Ribeiro da Silva, adiantando que a empresa foi notificada e está a elaborar a resposta ao Governo.
Já o antigo secretário de Estado da Energia Artur Trindade, que assinou o despacho que este Governo revogou por considerar ilegal, também não quis comentar o conteúdo do diploma nem as suas implicações, por estar a decorrer o prazo para as empresas se pronunciarem.
Artur Trindade, que depois do Governo regressou à ERSE, é atualmente vice-presidente do OMIP, o pólo português do mercado ibérico grossista de eletricidade.