Se tem por hábito dormir mal ou por pouco tempo, é provável que a sua saúde esteja em risco. O diretor do Centro de Ciência do Sono Humano da Universidade da Califórnia, Matthew Walker, avisa que estamos perante uma “epidemia catastrófica de privação do sono” que pode aumentar a probabilidade de contrair problemas de saúde graves e de reduzir em algumas décadas a nossa vida. Para Walker,”não é natural que sejamos a única espécie animal que deliberadamente se priva de dormir”.
Walker passou os últimos quatro anos a escrever o livro Why We Sleep [Porque dormimos?], um resumo dos seus já 20 e poucos anos de experiência na análise do sono, e que revela ligações preocupantes entre a privação do sono e problemas de saúde como Alzheimer, cancro, diabetes, obesidade e distúrbios de saúde mental, como a depressão e paranóia.
A Organização Mundial de Saúde dita que o ideal são oito a nove horas de sono por noite, sendo que no mínimo dos mínimos, uma pessoa consegue ser saudável a dormir só sete horas. Abaixo disso, é privação do sono. Walker diz ao The Guardian que estamos a chegar a um ponto em que a intervenção tem de partir “do governo e de outras grandes instituições”.
Nenhum aspeto da nossa biologia é poupado quando se fala de privação do sono. Entra em cada canto e recanto e, ainda assim,ninguém faz nada em relação a isso. As coisas têm que mudar: no trabalho e nas comunidades, em nossa casa, com a nossa família. Mas quando é que viste um poster do Serviço Nacional de Saúde a alertar para a necessidade de dormir? Quando é que um médico, em vez de recomendar comprimidos para dormir, recomenda só dormir?“, questiona o especialista.
Mas por que somos tão maus a dormir um número de horas decentes? O que mudou tanto em tão pouco tempo? Em 1942, menos de 8% da população vivia a dormir menos de seis horas por noite. Mas em 217, uma em cada duas pessoas vive essa realidade.
Walker explica que as razões são simples: “Primeiro, demos luz à noite. A luz é um degradador profundo do nosso sono. Segundo, há a questão do trabalho: nunca é certo quando entras ou sais e a deslocação para o trabalho leva cada vez mais tempo. Ninguém quer abdicar de tempo com a família ou de entretenimento, por isso abdicam do sono”.
Um alerta que várias personalidades já deixaram, incluindo Arianna Huffington, para quem a privação de sono se tornou já numa “epidemia global“.
Arianna Huffington: “A privação de sono é uma epidemia global”
Mas o britânico, que agora vive nos EUA, explica que a psicologia também desempenha um forte papel. Somos levados a acreditar que dormir é uma fraqueza da qual devíamos ter vergonha: “Estigmatizámos o sono com o rótulo de preguiça. Queremos parecer ocupados e uma forma de expressarmos o quão ocupados estamos é ao proclamar quão poucas horas dormimos. É um crachá de honra!”
Ninguém olha para um bebé a dormir e diz ‘Ah, que bebé preguiçoso!‘ — Sabemos que o sono não é uma coisa negociável para um bebé, mas essa noção é abandonada à medida que crescemos. Os humanos são a única espécie que deliberadamente se priva de sono, sem razão aparente.”
Se tem aquele amigo que lhe diz que vive bem com cinco horas (ou menos) de sono sem grandes problemas, duvide: “O número de pessoas que vive bem com cinco ou menos horas de sono, expresso em percentagem da população e arredondado a um número inteiro é 0%.”
O estudo do sono é ainda uma ciência pouco explorada, mas Walker garante que pode ser a cura para muitos problemas: “Porque é que o nosso instinto, com uma gripe, é dormir? É o corpo a gritar por descanso. O descanso cura. Todos os animais o fazem, alguns durante meses, mas nós escolhemos estar acordados quando não devíamos”. A privação do sono resulta em distúrbios como insónias e, em alguns casos mais extremos, situações de apneia e paralisia do sono.
Que importância tem a fase de sono profundo? É que dormimos em ciclos de 90 minutos (uma hora e meia) e no final desses ciclos atingimos sempre a fase de sono profundo. Primeiro, temos o sono NREM (ou não-REM), e seguidamente o sono REM.
“Durante o sono NREM, o cérebro entra num padrão sincronizado e rítmico, quase de cântico”, diz Walker. “Há uma união fantástica em toda a superfície do cérebro. Os investigadores foram enganados durante muito tempo ao acharem que o sono era como um coma – não há maior mentira possível. Quando dormimos, grandes quantidades de memória estão a ser processadas.”
O investigador britânico explica que “para produzir tais ondas cerebrais”, milhares de milhões de células “cantam juntas, e depois entram em silêncio e etc, etc”. É nesse momento que todo o trabalho de processamento de memória e de informação e restauro é feito. E de repente o corpo entra numa fase de pouca energia, a pressão sanguínea mais baixa possível: sono REM, também referenciado como sono paradoxal, porque o cérebro entra num estado altamente ativo, semelhante ao de uma pessoa acordada. “O teu coração e sistema nervoso entram em picos de atividade: ainda não sabemos porquê”, explica Walker.
Contudo, dormir demais não é um mar de rosas. “Demasiada água mata, demasiada comida mata, demasiado sono deve, em última instância, matar. Acho que 14 horas [a dormir] é demasiado“.
A solução pode passar por implementar medidas em casa e no trabalho (e até a nível legal), sugere Walker.: “Temos alarmes para acordar. Não podemos ter alarmes para nos mandar para a cama? Devíamos pensar na meia-noite como o que ela é: o meio da noite. E não hora de estar nas redes sociais“.