No primeiro dia depois do fim da maioria absoluta socialista em Lisboa mantém-se tudo em aberto. O PCP aguarda pela reunião do Comité Central e dos órgão próprios do partido para decidir o seu grau de interesse num acordo em Lisboa. O Bloco de Esquerda também aguarda pela reunião da direção. E no PS, Fernando Medina, tem de esperar por tudo isto. Não tem maioria na Câmara, mas também ainda não tem definidos os moldes dos entendimentos que pré-anunciou — mesmo antes de saber que só ficaria com oito dos 17 vereadores. Primeiro as conversas, depois se verá.

Os próximos dias vão trazer novidades sobre a forma como Medina vai governar Lisboa. Não é obrigatório ter maioria absoluta, mas é incomparavelmente mais confortável. Nas contas finais destas autárquicas em Lisboa, o socialista ficou a um vereador de ter maioria no executivo municipal e, à sua esquerda, tem três vereadores a quem já começou a piscar o olho logo na noite eleitoral: dois do PCP e um do Bloco.

“Se o PS tiver maioria absoluta é minha intenção abrir um processo de diálogo com as várias forças políticas, em particular à nossa esquerda, disponibilizando-me para pactos alargados para a governação da cidade que podem chegar à atribuição de pelouros”, disse o socialista.

Ao Observador, João Ferreira diz que “é prematuro” falar de uma questão que “não passa por uma decisão individual, mas do coletivo”. Já houve contactos com o PS? “Não houve sequer ainda uma consideração e uma reflexão coletiva sobre os resultados” eleitorais, disse o comunista reeleito este domingo em Lisboa remetendo essa análise para a reunião do Comité Central desta terça-feira. Mas no passado recente contam-se as declarações do comunista sobre a necessidade de quebrar “os dez anos de gestão da maioria PS” e sobre a experiência autárquica da CDU de “distribuir pelouros pela oposição” quando tem maioria” e ter responsabilidade em alguns pelouros quando não a tem. Estava tudo em aberto e mantém-se.

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Medina ganha sem maioria. Lisboa à beira de uma “geringonça”

O PCP desconfiou sempre, durante a campanha eleitoral, da bondade desta intenção de Fernando Medina de procurar alargar as pontes de diálogo na Câmara, mesmo em caso de maioria absoluta. Agora, sem essa autonomia total, ela passa a uma necessidade do socialista. É que se, durante o período eleitoral, Fernando Medina tinha argumentado a seu favor dizendo que, “mesmo com uma ampla maioria, 95% das propostas aprovadas em câmara não tiveram oposição”, o caso muda radicalmente de figura quando a força maioritária não tem esse peso absoluto. Ou seja, a oposição terá maior tendência para explorar o flanco da maioria relativa e fazer vingar as suas próprias propostas.

Perante o desenho final — oito vereadores para o PS, quatro para o CDS, dois para o PSD, dois para o PCP e um para o BE –, o autarca socialista inclina-se para a esquerda. “Os níveis de convergência com os partidos à esquerda são bem superiores aos da convergência com os partidos à nossa direita”, explicou logo na noite eleitoral. E se entre comunistas já teve, durante a campanha, sinais de abertura, no Bloco isso também não falhou. Ricardo Robles foi sempre repetindo a mesma fórmula: “Estamos disponíveis para uma viragem à esquerda que se comprometa com as prioridades, para nos sentarmos para ver o que é fundamental e o que está para fazer”.

O partido está agora a analisar resultados e a medir as vantagens de um acordo em Lisboa e vai reunir esta terça-feira a sua Comissão Política, sendo certa a existência de disponibilidade para que se inicie o processo de diálogo. Na noite eleitoral, Robles voltou a esta mesma ideia, dizendo estar “disponível para uma viragem política na Câmara de Lisboa”. “E isso significa ir ao que não foi feito nos últimos quatro anos: habitação, transportes, equipamentos nas escolas e creches”, acrescentou definindo já as áreas prioritárias que terá na autarquia. No Hotel Altis, onde o PS concentrou as suas tropas para a noite eleitoral de Lisboa, Medina já tinha falado na hipótese de distribuir pelouros, quando referiu o seu desejo que “alargar a base política para ter mais apoio na Câmara”.

Mas há muito a acertar, basta olhar para as principais críticas que os eventuais parceiros deixaram a Medina durante a campanha:

  • Na habitação, há uma distância grande entre as partes. Medina tem em marcha um plano com uma bolsa de 6 mil casas com rendas acessíveis para a classe média, criada em parceria com privados — a que a Câmara concessiona património municipal. O Bloco chama-lhe “PPP da habitação” e defende um programa público para esta oferta, evitando a “especulação imobiliária”. Uma expressão que o PCP também usa quando fala na proposta socialista para esta área;
  • Estacionamento pago em toda a cidade é um dos cavalos de batalha do PCP que inclusivamente se tem insurgido sobre o financiamento da Carris através da receita de estacionamento;
  • No Turismo, tanto o Bloco como o PCP pedem maior regulação da Câmara para evitar despejos nos bairros históricos, com a transformação de vários fogos em alojamento local;
  • No Metro, Medina está com o Governo na defesa da linha circular do metro, mas à sua esquerda, o PCP quer a extensão a Loures, Ajuda, Belém, Alta de Lisboa e Graça e o Bloco também prefere a extensão do metro para a zona Ocidental e a criação de uma parceria entre município e Estado para esta gestão.

Em termos de números, para ter um peso absoluto, Medina precisa apenas de conquistar mais um mandato para o seu lado. bastando apenas uma das forças de esquerda, nomeadamente o Bloco de Esquerda e o seu vereador Ricardo Robles. Mas tendo o PCP saído especialmente acossado destas eleições autárquicas, os socialistas não terão qualquer vantagem em colocar os comunistas à margem de negociações para a governação da capital do país.

Quanto ao modelo, “não há neste momento um plano definido”, assegura fonte socialista na Câmara. O dia foi para ponderar resultados e descansar, mas há várias hipóteses em aberto. Seja o modelo da ‘geringonça’ nacional, com posições conjuntas acertadas e linhas vermelhas assumidas que garantam a aprovação de propostas concretas, ou uma integração total com distribuição de pastas aos parceiros, ou ainda acordos pontuais. São todas cenas para os próximos capítulos.