Ainda só passou um dia (e o de agenda mais curta) e já dá para perceber que a ModaLisboa encontrou a sua morada perfeita. E isso, da maneira que as coisas estão em Lisboa, é um verdadeiro luxo. Na 49ª edição, o maior evento de moda da capital mudou-se para o Pavilhão Carlos Lopes, reinaugurado este ano. Não sabemos se foi do dia soalheiro, do postal verde que é o Parque Eduardo VII ou, simplesmente, da mudança de ares, mas o fitting parece perfeito.
Que o diga Patrick de Pádua, a quem coube abrir o calendário de desfiles, mas também estrear a passerelle improvisada no jardim. Quem estava a passar, por volta das 16h desta sexta-feira, teve uma agradável surpresa. Apesar dos lugares sentados, a encosta relvada e à sombra foi mesmo a melhor plateia para assistir ao desfile. Para o designer, que já trazia o cante alentejano de Vila Nova de São Bento, uma recordação de infância, como mote da coleção, nada podia ter vindo mais a calhar. O desfile arrancou ao som do cante e com uma modelo.
Nos minutos seguintes, elas estiveram à beira da igualdade numérica. Foi por um triz, mas pela primeira vez, Patrick de Pádua levou mulheres para a passerelle. O objetivo foi mostrar a versatilidade das peças. A coleção continua a ser masculina, ou talvez essa definição já não seja assim tão importante. Ao mesmo tempo, Patrick parece ter-se rendido àquilo que o público realmente procura numa marca de streetwear de autor. “Para qualquer designer que esteja no patamar em que estou, o que interessa é vender”, afirma o criador. Uma opção legítima, embora tenhamos sentido algumas saudáveis dos habituais modelos rufias. Aos mesmo tempo que a coleção absorveu os tons secos da paisagem alentejana, os elementos próprios do streetwear diluíram-se.
Poder ver com os próprios olhos e sentir o toque do algodão, do linho e da lã usados nesta coleção é só uma questão de meses. Patrick de Pádua prepara a abertura de uma loja própria em Lisboa, onde quer atrair sobretudo o público português, precisamente aquele que oferece mais resistência à ideia de comprar online.
Para Ana Duarte, a designer que se seguiu, melhor só se o desfile tivesse acontecido numa selva indiana. “Consegui chamar um público que normalmente não consigo alcançar. Assim, mais pessoas começam a conhecer a marca, ao mesmo tempo que sentem que há uma maior inclusão. Depois, o tema da coleção é uma viagem a um destino tropical e exótico, por isso as árvores e os pássaros só ajudaram a entrar no mood”, conta Ana, no final do desfile. O verão da Duarte é num cenário paradisíaco, onde homens e mulheres não descuidam do guarda-roupa elegante. Por outro lado, a paleta — lilás, violeta, rosa, laranja, esmeralda, azul-marinho e preto — afastou-se ligeiramente das tonalidades tropicais clássicas. No final do desfile, não houve grandes dúvidas: a coleção masculina saiu a ganhar.
Ao fim da tarde, as atenções voltaram-se para dentro do Pavilhão Carlos Lopes. A ModaLisboa voltou a mostrar que o Sangue Novo lhe corre nas veias e apresentou as coleções de dez jovens designers, com Suzy Menkes, jornalista e crítica de moda da Vogue internacional, a assistir na primeira fila. Três prémios e três menções honrosas depois, estava o caminho aberto para três veteranos da passerelle.
Kolovrat partiu do ritual, enquanto forma de conectar homens e deuses. O conceito perdeu-se na sociedade atual, por isso a designer parte em busca de uma outra forma de dar sentido à vida. Um dos caminhos escolhidos foi o culto da cor. Aí, Lidija rendeu-se. Os vários tons de roxo e vermelho aqueceram a passerelle da ModaLisboa, agora mais futurista do que nunca. Ao mesmo tempo, os materiais surpreenderam a cada novo coordenado. Brilhos, transparências, fluidez, estrutura, recortes, crochet e bordados — foram poucas as peças lineares.
Depois de um território não geográfico, Valentim Quaresma voltou a apontar para o mapa. Ninjas? Samurais? Personagens de manga? “Carnal”, a coleção do próximo verão, parece ter batido à porta de todos eles. Um exercício que chegou aos estampados e brocados no vestuário e à filigrana industrial naquele que é o forte do criador, a joalharia. O desfile foi o crescendo a que Quaresma já nos habituou. Para o final ficaram as máscaras e as peças de ombros. Este exército é pesado e mistura força e poder, romantismo e luxúria.
Ricardo Preto, que encerrou o calendário do primeiro dia de ModaLisboa, limitou-se a ser romântico. Aos primeiros acordes, percebeu-se logo que a banda sonora era Whole Lotta Love, dos Led Zeppelin, tema que também dá nome à coleção. O pronto-a-vestir do criador viajou por jardins e canteiros, deitou mão a transparências, rendas, ganga, usou e abusou de riscas e xadrez, foi aos fatos e às mangas cavas, tudo para mostrar que vale tudo.
A ModaLisboa continua até domingo. Sábado, o dia mais preenchido, conta com os desfiles de Imauve, Carolina Machado, David Ferreira, Awaytomars (todos estes no jardim, abertos a público), Nuno Gama, Aleksandar Protic, Cia. Marítima, Ricardo Andrez, Christophe Sauvat e Dino Alves.