(Artigo atualizado às 13h10 de sexta-feira com o número de mortes, que fez com que este incêndio se tornasse o mais mortífero desde que há registo)
“Costumávamos falar sobre como seria se um deles morresse e o outro ainda ficasse vivo. Eles não podiam viver um sem o outro. Terem ido juntos é provavelmente o que eles iriam querer”, disse Mike Rippey, de 71 anos, ao jornal The New York Times. É um dos cinco filhos de Sara e Charles Rippey, de 98 e 100 anos. Conheceram-se na Escola Primária de Hartford, em Connecticut, há cerca de 90 anos. Tinham celebrado 75 anos de casados em março deste ano. “Estavam juntos desde sempre”, disse ainda o filho.
Na noite de domingo — o dia em que começou o fogo mais mortífero na Califórnia desde que há registo — a pessoa que tomava conta do casal, deu-lhes o jantar e deitou-os. Quando a casa começou a arder, acordou-os. Pôs Sara Rippey na cadeira de rodas e voltou atrás para buscar Charles Rippey. Foi então que telhado começou a desabar.
Sara e Charles Rippey são duas das 24 pessoas que morreram entre domingo e esta quinta-feira, na sequência do incêndio — até ao momento. Há 26 anos que não morriam tantas pessoas num incêndio no estado norte-americano da Califórnia. Em outubro de 1991, 25 pessoas morreram na sequência de um incêndio.
Quase 8 mil bombeiros estão a combater as chamas, apoiados por 550 veículos. Deles, 170 vieram de outros estados norte-americanos, além da Califórnia. Os bombeiros estão ainda a ser apoiados por 103 meios aéreos no combate a um incêndio que já devastou cerca de 68 796 hectares.
A Califórnia tem, de acordo com o The New York Times, a quarta maior indústria vinícola do mundo que foi também foi afetada pelo incêndio. Grande parte das vinhas foram queimadas. Adegas e quintas ficaram reduzidas a cinzas.
Quase 300 pessoas desaparecidas: “Preciso dela. Não quero perder a minha mãe”
Ao número de mortos se junta um número superior de feridos: cerca de 180. E um número muito maior de pessoas dadas como desaparecidas que podem estar vivas ou não. São 285. Embora tenham sido feitos relatos de mais de 600 desaparecimentos.
Um deles é o pai de Derek Southard: Daniel Southard, de 71 anos, com quem vive em Santa Rosa. No domingo, quando deflagrou o incêndio, Derek estava num casamento. O pai estava em casa. Mandou-lhe uma mensagem a perguntar se o filho se estava a divertir no casamento. “Acho que o fogo veio uma hora ou duas depois”, disse Derek Southard à CNN. Quando chegou a casa no dia seguinte, a rua estava fechada.
O xerife disse-me que a casa dele ardeu por completo e o carro dele derreteu na entrada mas ainda estou a fazer figas para que ele, de alguma maneira, tenha conseguido sair”, escreveu numa publicação no Facebook.
Derek Southard recorreu às redes sociais para tentar encontrar o pai, com uma publicação no Facebook — que pede para ser partilhada — onde explica que o pai podia estar acompanhado pelo cão. Os vizinhos disseram a Derek que, quando o fogo atingiu o bairro, não tiveram tempo de bater à porta do pai.
“Temos que ser realistas e começar a procurar por aqueles que estão desaparecidos”, disse o xerife da cidade de Sonoma, Rob Giordano, à CNN. As autoridades acreditam que problemas nas comunicações podem estar a dificultar as tentativas de contacto com as pessoas desaparecidas.
Aconteceu com Jessica Tunis. Durante três dias, não conseguiu estabelecer contacto com a mãe, Linda Tunis, de 69 anos. A última vez que falou com ele foi quando o fogo atingiu a casa. Tinha-lhe ligado para dizer à mãe para fugir mas Linda estava rodeada de fogo e avisou a filha que ia morrer, relatou à Associated Press.
Também Jessica recorreu às redes sociais para tentar encontrar a mãe. “Preciso dela. Não quero perder a minha mãe”, disse. Mais de uma centena de pessoas comentaram a publicação a encorajá-la e a dar-lhe conselhos. Jessica tinha esperança que Linda estivesse salva em algum lado mas impossibilitada de falar com ela. Contactou vários hospitais à sua procura.
O corpo da minha mãe foi encontrado na sua casa. Que descanse em paz, a minha querida mãe”, avisou numa nova publicação no Facebook.
O corpo foi encontrado pelo irmão de Jessica, filho de Linda, que na quarta-feira foi até à casa, que encontrou em destroços.
As autoridades começaram esta quinta-feira a investigar os casos de pessoas dadas como desaparecidas e a tentar encontrar corpos entre os destroços. Encontraram alguns mas “nada mais do que cinzas e ossos”, disse o xerife Giordano à Associated Press.
A destruição vista do céu
(Veja a fotogaleria acima para ver fotografias aéreas da destruição)
O diretor do CAL FIRE (o departamento de Florestas e Proteção contra Incêndios da Califórnia), Ken Pimlott, prevê que o número de casas destruídas possa aumentar para 3,5 mil.
Uma das casas destruídas foi a de Sara e Charles Rippey, onde viviam há 35 anos. O filho Mike — que estava em Londres no momento do incêndio — só voltou à casa dos pais na tarde de terça-feira na esperança de encontrar alguns objetos que pudesse guardar mas da casa pouco restava, relata o The New York Times: apenas umas partes da garagem e um Lexus antigo.
O fogo, que avança rapidamente, está longe de estar controlado. Os ventos fortes, o calor e o terreno seco dificultam o combate do bombeiros, que estão a trabalhar em turnos de 24 horas, explica o The New York Times: trabalham um dia e descansam outro.
Estes incêndios estão literalmente a avançar mais rápido do que os bombeiros conseguem correr”, explicou um deles ao mesmo jornal.
Cerca de 20 mil pessoas já foram retiradas das suas casas. “Se tiverem um sítio para ir, vão”, apelou o xerife da cidade de Sonoma, Rob Giordano, à CNN.