O que disse um e o que disse o outro? Um dia depois de António Costa falar ao país sobre o pior dia de incêndios do ano (um total de 106 mortos com as 65 vítimas mortais de Pedrogão Grande), foi a vez de Marcelo Rebelo de Sousa fazer uma comunicação ao país, carregada de duros recados políticos ao Governo socialista. Como respondeu Marcelo a Costa? À cabeça, o Presidente da República deixou claro que está em falta um pedido de desculpas dos responsáveis políticos às famílias das vítimas — algo que António Costa não fez. Os dois discursos — e outras intervenções do primeiro-ministro — olhados à lupa em comparação com o que disse o Presidente.

Presidente não apela à estabilidade política. Quando confrontando o pedido de moção de censura do CDS, António Costa disse “respeitar” a decisão do partido, assumindo que fazia parte da normalidade do funcionamento das instituições democráticas. Mais tarde, no entanto, Carlos César, líder parlamentar do PS, acabaria acusar o CDS, em tom jocoso, de querer “ganhar o campeonato da oposição”. Na declaração ao país, Marcelo não só alertou para a importância desta votação, como desafiou a Assembleia da República — a direita, mas sobretudo a esquerda — a explicar se quer ou não manter o Governo. Ou seja, Marcelo desafiou o Bloco e o PCP a assumirem a responsabilidade de suportar este executivo depois das tragédias.

“[Moção de censura do CDS?] Respeito. É um direito constitucional do CDS. A legitimidade do Governo resulta da Assembleia da República. É perante a Assembleia da República que tem que responder. Faz parte da normalidade do funcionamento das nossas instituições.”
António Costa

“Se há na Assembleia da República quem questione a atual capacidade do Governo para realizar estas mudanças inadiáveis e indispensáveis então que, nos termos da Constituição, esperemos que a mesma Assembleia soberanamente clarifique se quer ou não manter este Governo.”
Marcelo Rebelo de Sousa

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A demissão da ministra. O primeiro-ministro sempre rejeitou a hipótese de demitir a ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa. Chegou a classificá-la de “infantilidade”. Esta noite, o Presidente da República não o exigiu abertamente, nem apontou diretamente o dedo à ministra. Mas foi claro: o Governo tem de avaliar quem tem melhores condições para ocupar o cargo.

“É um bocado infantil a ideia de que a consequência política [a retirar de uma tragédia] é a demissão de ministros.”
António Costa

“O certo é que a fragilidade existiu e existe e atinge os poderes públicos. E exige uma resposta rápida e convincente. Abrir um novo ciclo obrigará o Governo a ponderar o quê, quem, como e quando melhor serve esse ciclo.”
Marcelo Rebelo de Sousa

A frieza política. Intervenção após intervenção, o líder socialista falou sempre no “caráter estrutural” dos problemas e da impossibilidade de acorrer a mais de 500 fogos. Na declaração que fez ao país, o Chefe de Estado insistiu que o Governo (e o primeiro-ministro, à cabeça) não se pode escudar em problemas estruturais, ignorando os dramas reais que as pessoas enfrentam e “banalizar” as mortes.

“Os portugueses sabem bem que os governos não têm varinhas mágicas para resolver os problemas – é preciso aplicar medidas (…). Quando há 523 incêndios, é evidente que não há meios para acorrer a todas as situações. Não tínhamos uma situação desta desde 2006. Este é o 22º dia com mais ocorrências desde o início do século (…). A prioridade ao combate não nos faz esquecer o caráter estrutural dos problemas com que nos confrontamos. Foi por isso que lançámos há um ano a reforma da floresta.”
António Costa

“Olhar para os dramas de pessoas com carne e osso, com a distância das teorias, dos sistemas ou das estruturas, por muito necessário que possa ser, é passar ao lado do fundamental na vida e na política. Por muito que a frieza destes tempos, cheios de números e chavões políticos, nos convidem a minimizar ou banalizar estes cem mortos não mais sairão do meu pensamento.”
Marcelo Rebelo de Sousa

As reformas estruturais são uma coisa, o combate aos incêndios são outra. O Presidente da República foi particularmente duro: projetar reformas a médio e longo prazo não significa aceitar o desastre como banal. Foi uma ideia que o primeiro-ministro deixou na primeira reação aos incêndios deste fim de semana e que foi repetindo: sem uma verdadeira reforma estrutural da floresta, que demora tempo a surtir efeitos práticos, os portugueses têm de perceber que situações como esta vão continuar a repetir-se.

“O país tem de estar consciente que a situação que estamos a viver vai seguramente prolongar-se para os próximos anos.”
António Costa

“Dizer que reformar a pensar no médio e longo prazo não significa termos de conviver com novas tragédias até lá chegarmos.”
Marcelo Rebelo de Sousa

As desculpas. Em contraponto com o que fez o primeiro-ministro na noite de segunda-feira, o Presidente da República não podia ter sido mais claro: era preciso pedir desculpas a todos aqueles que perderam algo ou alguém nestes incêndios.

“Este é um momento de luto, de manifestar às famílias das vítimas as nossas condolências e prestar a nossa solidariedade às populações. (…) Todos sentimos a sua angústia, a sua aflição, o sentimento de desamparo com que viveram as últimas horas.”
António Costa

A melhor ou a única forma de pedir desculpa às vítimas e, de facto, é justificável que se peça desculpa, é por um lado reconhecer com humildade que portugueses houve que não viram os poderes públicos como garante de segurança.”
Marcelo Rebelo de Sousa

Uma reforma a sério. O primeiro-ministro já disse e repetiu que os problemas estruturais da floresta portuguesa impõem uma verdadeira e decidida reforma, cujos resultados práticas só se vão sentir no futuro. O Presidente da República aproveitou a comunicação ao país para exigir uma “resposta rápida e convincente”.

“Não vale a pena iludir os portugueses de que, de um dia para o outro, se vai resolver um problema que se acumulou ao longo de décadas. Infelizmente, vamos ter de trabalhar muito para, ao longo da próxima década, fazermos o que é necessário na floresta portuguesa.”
António Costa

“O certo é que a fragilidade existiu e existe e atinge os poderes públicos. E exige uma resposta rápida e convincente. Esta é a última oportunidade para levarmos a sério a floresta e a convertermos em prioridade”.
Marcelo Rebelo de Sousa

Tirar todas as consequências. No rescaldo destes últimos incêndios, o primeiro-ministro deixou um compromisso: o Governo fará tudo para que nada fique como antes. O Presidente da República reforçou essa vontade, colocando ainda mais pressão em António Costa. É preciso “retirara todas, mas todas as consequências” destas tragédias.

“A principal responsabilidade política do Governo é agora concretizar em medidas as conclusões e recomendações deste relatório [da comissão independente]. (…) Da parte do Governo podem contar com total determinação na assunção de responsabilidades na reconstrução do território e na reparação dos danos, na execução das reformas da floresta e do modelo de prevenção e combate aos incêndios. (…) Depois deste ano, nada pode ficar como antes.”
António Costa

“O país espera do Governo que retire todas, mas todas as consequências da tragédia de Pedrógão à luz das conclusões dos relatórios, como de resto o Governo se comprometeu publicamente a retirar.”
Marcelo Rebelo de Sousa