Detido, condenado após confissão “por estupidez”, libertado e, a partir de hoje, julgado novamente para que se encontre, de uma vez por todas, o autor do homicídio de Odete Castro. O caso de Armindo Castro, sobrinho da vítima de 73 anos, é inédito porque, pela primeira vez, a justiça portuguesa junta, no banco dos réus, três arguidos com acusações diferentes, um deles libertado da prisão por não ser culpado e que não conhecia os outros dois. Armindo, Artur Gomes e a ex-companheira, Júlia Paula, foram ouvidos no Tribunal da Relação de Guimarães, esta terça-feira. Artur admite ter dado “uma paulada” na vítima, mas muda a sua versão e diz que esteve mais alguém no apartamento para além dele e da mulher.

“Quero pedir desculpa aos familiares e a toda a gente”, começa por dizer Artur Gomes. O homem de 49 anos entregou-se na GNR de Guimarães em outubro de 2014, por não aguentar mais a então companheira, Júlia Paula, que acusa de o ter pressionado a matar Odete e uma outra mulher, com um intervalo de dois anos. “Fi-lo porque tinha uma bomba aqui a explodir dentro de mim. Andei três anos a ser chantageado pela D. Júlia“, sublinha, ao coletivo de juízas, sobre a decisão de se entregar. O casal passava dificuldades financeiras e os crimes foram feitos para roubar as vítimas.

O arrependimento de Artur Gomes levou à libertação de Armindo Castro — depois de mais de dois anos preso –, ele que tinha sido condenado em julho de 2012 pelo homicídio da tia, ocorrido quatro meses antes em Famalicão. O julgamento foi confuso mas, para a decisão, pesou a reconstituição do crime que o estudante de Ciências Laboratoriais Forenses fez à Polícia Judiciária (PJ), sem a presença de um advogado.

Um misto de estupidez, pânico e medo“, justifica agora Armindo, o primeiro arguido a ser ouvido esta terça-feira. Hoje com 32 anos, o estudante explica que aceitou fazer a reconstituição do crime que nunca cometeu por se sentir “ameaçado” pela PJ e por ter medo que a mãe, que o acompanhava, também acabasse detida. Quanto aos detalhes do crime, explica que foi anuindo às “sugestões” das autoridades, que estavam a pressioná-lo.

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Artur Gomes está preso no estabelecimento prisional de Paços de Ferreira. Cumpre já uma pena de 23 anos de cadeia (o máximo em Portugal são 25). © Fernando Pereira/Global Imagens

Apesar de o Ministério Público já ter assumido “que Armindo foi acusado erradamente”, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que o antigo suspeito teria de estar no banco dos réus junto com Artur e Júlia. Ele em liberdade, Artur e Júlia já presos pelo homicídio da senhoria, Sónia Soares, condenados a 23 anos e três meses e 18 anos e quatro meses, respetivamente. “Por não haver outra forma legal de o libertar da pena a que foi condenado, tem de voltar a ser julgado, mas agora em simultâneo com o homicida confesso e a companheira”, explicou no passado, ao Correio da Manhã, o advogado de Armindo, Paulo Gomes. Neste processo, o ex-casal está acusado de homicídio qualificado por motivos financeiros. Armindo também está acusado de homicídio qualificado, mas por motivos passionais.

Cronologia de um caso inédito

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Março de 2012: Artur Gomes bate com um tomo de madeira em Odete Castro, de 73 anos, em Famalicão.
Julho de 2012: Armindo Castro é detido pelo homicídio da tia. Acabaria condenado a 20 anos de prisão, reduzidos mais tarde a 12 pelo Tribunal da Relação. Advogado recorre ao Supremo.
Abril de 2014: Artur Gomes mata a senhoria, Sónia Soares, em Felgueiras.
Outubro de 2014: Artur Gomes vai à GNR de Guimarães e confessa dois homicídios.
Dezembro de 2014: Armindo foi libertado, após dois anos preso.
Fevereiro de 2016: Artur Gomes e Júlia Paula Lobo são condenados pelo Tribunal de Penafiel a 23 anos e três meses e 18 anos e quatro meses, respetivamente, pelo homicídio de Sónia Soares.
Março de 2016: Perante um vazio legal, por se tratar de um caso inédito, o Supremo Tribunal de Justiça delibera que Armindo Castro terá de ser julgado novamente para que deixe de ser considerado arguido, juntamente com Artur Gomes e Júlia Paula. O mesmo processo junta suspeitos de um único homicídio, acusados por motivos diferentes,
Outubro de 2017: Começa o segundo julgamento pela morte de Odete Castro.

 

Desavindos, Júlia Paula e Artur têm versões diferentes do que aconteceu. Ambos desempregados à época dos factos, o homem acusa a mulher de 43 anos de o pressionar para roubar a vizinha de cima, Odete, ao ponto de o levar ao extremo. “Peguei num tronco de eucalipto, porque não tinha armas nem nada, estava um lote de paus para a lareira na garagem, vim cá para fora com o pau na mão”, recorda Artur, que admite ter entrado com a vizinha em casa dela e, aproveitando uma distração, atingido a idosa na cabeça com “uma paulada”.

Odete Santos caiu no chão, inanimada. “Fiquei bloqueado, em choque, tremia por todos os lados. A primeira coisa que fiz foi pegar no casaco dela e tapar-lhe a cara”, conta às juízas. Depois, pegou “no que estava à mão, que era a carteira, um par de brincos que ela tinha pousado” e em “sacos de compras”, agarrou nas chaves de casa da vizinha, bateu a porta e desceu as escadas para contar a Júlia o que tinha acabado de fazer.

O que poderia parecer uma confissão fácil acabou por se complicar. Por um lado, Júlia Paula nega, durante toda a sua intervenção, qualquer pressão. E diz que só soube que o companheiro tinha matado a vizinha porque o seguiu mais à noite até ao apartamento e viu as suas pernas no chão, ao espreitar para dentro da casa onde, garante, nunca esteve. Por outro lado, Artur Gomes jura que apenas agrediu a vizinha com o tronco, mas a mulher foi encontrada também esfaqueada.

Com a voz arrastada, Júlia Paula, de 43 anos, nega ter pressionado o ex-companheiro para que assaltasse a vizinha. © Fernando Pereira/Global Imagens

Já de madrugada, Artur regressou ao apartamento.”Quando cheguei lá, o que me chamou à atenção foi o volume do casaco. Já levava luvas e vi que havia uma almofada por baixo da cabeça dela, algo que eu não tinha posto. Alguém tinha estado ali. Quando fomos para o lado dos quartos já estava tudo remexido, tudo espalhado no chão, tudo revirado.” Uma versão nova dos factos. A juíza lê os autos da confissão, onde Artur confirma as facadas. Mas o arguido diz que fez confusão com o homicídio de Felgueiras, já que a confissão dos dois crimes foi feita ao mesmo tempo. Na versão de hoje, dá a entender que outra pessoa esteve no apartamento de Odete Santos depois de ele a ter agredido e depois de ele ter fechado a porta e levado as chaves. E mesmo depois de admitir que não poderia saber se os quartos tinham ido remexidos, uma vez que afirma nunca lá ter estado antes.

Júlia, que começou por dizer estar indisposta, mas que, a conselho do advogado, acedeu a prestar esclarecimentos, negou ainda que tenha ido a Famalicão vender alguns dos bens de Odete, apesar de a juíza a relembrar que tinha sido identificada pelo funcionário da loja. Ao todo, o casal roubou, alegadamente, não mais do que 200 euros, em dinheiro e em bens. Artur também tentou usar o cartão bancário da vítima no multibanco mas, por não saber o código, acabou por bloquear o cartão.

Odete Santos morreu a 30 de março de 2012 no apartamento onde morava sozinha. Seria encontrada dias depois, após a sua ausência ter sido notada por uma vizinha. As duas filhas, assistentes no processo, e que reclamam uma compensação pela morte da mãe, também foram chamadas a falar esta terça-feira. As duas não viam a mãe há três anos e admitiram uma relação difícil. A próxima sessão está marcada para 6 de novembro.