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A fuga de Carles Puigdemont, da declaração de independência ao hotel de três estrelas

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Puigdemont fugiu para a Bélgica no dia 29 de outubro, enquanto a equipa do seu coração vencia com o Real Madrid. O plano foi pensado uma semana antes e levou-o a um hotel dos arredores de Bruxelas.

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MARTA PEREZ/EPA

MARTA PEREZ/EPA

Podia ser o guião de um filme chamado “A fuga”, mas é mesmo a vida real. O jornal El Español faz esta sexta-feira uma reconstituição dos dez dias que antecederam a fuga do presidente destituído do governo regional da Catalunha, Carles Puigdemon, para Bruxelas. Foi um plano rebuscado. Envolvia até um leque de cinco destinos possíveis — Alemanha, Reino Unido, Irlanda, Holanda ou Bélgica.

A Bélgica acabou por ser a opção escolhida por Carles Puigdemont e por vários membros do seu executivo, enquanto em Madrid se orquestrava a sua apresentação à justiça sob acusação de crimes de rebelião, sedição e desvio de fundos. Chegados a Bruxelas, os independentistas deram entrada num hotel de três estrelas fora do centro da capital belga.

O plano começou a ser delineado a 21 de outubro, um sábado. Nesse dia, o Presidente de Governo, Mariano Rajoy, anunciou que ia pôr em marcha os procedimentos necessários para aplicar o Artigo 155 da Constituição, uma espécie de bomba atómica, já que lhe permitiria suspender temporariamente a autonomia da Catalunha e o seu governo. Começava o cerco de Madrid a Carles Puigdemont. Por isso, escreve o El Español, o próprio presidente da Generalitat encarregou uma pessoa da sua “máxima confiança e com conhecimento em leis” para escolher os destinos para a sua fuga.

A 22 de outubro, domingo, Mariano Rajoy voltou a falar. Desta vez, explicou com algum detalhe aquilo que pretendia atingir com o Artigo 155. Como seria de esperar, o Presidente de Governo espanhol referiu como ponto inamovível a destituição de todo o governo regional da Catalunha. Enquanto isso, foi feita uma lista de cinco países para onde Carles Puigdemont poderia fugir: Alemanha, Reino Unido, Irlanda, Holanda ou Bélgica. Todos na Europa, alguns com peso na União Europeia (à qual Carles Puigdemont pediu que mediasse o conflito com a Catalunha logo após o referendo de 1 de outuro), outros com tradições independentistas ou, no mínimo, simpatia por estas. A França de Emmanuel Macron, que falou abertamente contra o separatismo catalão, ficou fora de questão.

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O passo seguinte foi dado a 23 de outubro, segunda-feira, com a diplomacia catalã a tentar angariar apoio a nível internacional. Os maiores esforços couberam a Sergi Marcén, responsável pela embaixada catalã no Reino Unido, e a Amadeu Altafaj, representante da Catalunha em Bruxelas. Nos dois dias seguintes, 24 e 25 de outubro, Carles Puigdemont e o Senado — ao qual caberia a decisão de aprovar ou não a aplicação do Artigo 155 — jogavam com o tempo. Da parte da Catalunha, surgiam rumores de que o presidente da Generalitat estaria disposto a ir a Madrid defender a sua região do Artigo 155. Enquanto isso, no Senado, esperava-se.

Chega 26 de outubro, a quinta-feira onde tudo e o seu contrário esteve em cima da mesa na Catalunha. Com os prazos do Artigo 155 a esgotarem-se, Carles Puigdemont chegou a ponderar seriamente a hipótese de convocar eleições regionais antecipadas, acreditando que poderia assim impedir a sua destituição e possível incriminação. Depois de maratonas de reuniões entre os vários partidos independentistas, foi dado como certo que Puigdemont ia convocar eleições para 20 de dezembro.

Em protesto, deputados do seu próprio partido anunciaram a demissão. Também a Esquerda Republicana Catalã (ERC), o segundo maior partido do governo regional, chegou a equacionar uma saída de cena. Num esforço para apagar os vários fogos que tinha em volta, a conferência de imprensa que Carles Puigdemont marcou para essa manhã acabou por ser adiada e, mais à frente, cancelada. Horas depois, faria afinal uma comunicação. Em vez de eleições antecipadas, ia dar a escolher ao parlamento regional (onde havia uma maioria independentista) se queria declarar a independência da Catalunha, porque não tinha tido “garantias” de Mariano Rajoy. Entre estas “garantias”, estaria a aplicação do Artigo 155. E, detalhe importante, a sua liberdade.

Segundo o El Español, o dia terminou com uma reunião do governo regional da Catalunha. Nela, Carles Puigdemont terá dito de forma clara que quem quisesse sai do governo, teria ali a sua última hipótese antes de ser declarada a independência. Depois, assegura aquele jornal, foi abordada a possibilidade de uma fuga para o estrangeiro após a votação de sexta-feira à tarde. Cada conselheiro foi chamado a refletir sobre o assunto.

Poucos duvidavam do que ia acontecer no dia 27 de outubro, sexta-feira. Numa sessão plenária que começou com todos os deputados e acabou apenas com os independentistas, o parlamento regional da Catalunha declarou unilateralmente a independência daquela região. Após o plenário, Carles Puigdemont fez um breve discurso na escadaria do parlamento regional, perante cerca de duas centenas de autarcas catalãs independentistas. Longe de ser apoteótico ou entusiástico, falou de forma calma e pouco memorável. Pouco depois, em Madrid, o Senado já tinha aprovado o Artigo 155 e Mariano Rajoy anunciava a demissão de Carles Puigdemont e do seu governo. O presidente da Generalitat, agora destituído, terá percebido nessa altura que estava na altura de partir.

Na madrugada de 28 de outubro, sábado, o Boletim Oficial do Estado publicava as medidas ditadas por Mariano Rajoy. A partir daquela altura, Carles Puigdemont passava a ser um cidadão como qualquer outro, com uma exceção. Ao contrário dos seus ex-conselheiros, continuava a ter direito a escolta policial.

Ao início da tarde, a TV3 passa um discurso gravado de Carles Puigdemont, onde este não reconhece as medidas anunciadas por Mariano Rajoy e apela ao povo catalão para fazer uma “resistência democrática” a Madrid. Pouco depois, Puigdemont é visto a passear com a mulher pelas ruas da sua cidade, Girona. Não foi bem um passeio de sábado. Rodeados por largas dezenas de pessoas e várias câmaras de televisão, foram seguidos para todo o lado. À sua passagem, muitos gritavam: “Presidente! Presidente! Presidente!”. Poucos deveriam imaginar que seria a última vez que iriam ver Carles Puigdemont nas ruas de Espanha nos próximos tempos, antes da sua fuga para o estrangeiro.

Também no sábado, Carles Puigdemont ficou a saber, através de uma fuga de informação, que a Procuradoria-Geral se preparava para imputar a todos os membros do governo destituído da Catalunha os crimes de rebelião, sedição e desvio de fundos. Segundo o El Español, a “operação exílio começava a ter luz verde”.

Chegamos a domingo, 29 de outubro. Ao início da tarde, a equipa do coração de Carles Puigdemont, o Girona FC, recebe o Real Madrid no seu estádio. Antes de sequer começar o jogo já é por si um momento simbólico — a equipa de uma das cidades mais pró-independência da Catalunha a defrontar no seu campo o maior símbolo de Madrid um dia após a declaração de independência —, mas o simbolismo multiplica-se quando soa o apito final e o marcador regista 2 golos para o Girona e apenas 1 para o Real Madrid. Pouco depois, Carles Puigdemont escreve no Twitter: “A vitória do Girona FC sobre uma das maiores equipas do mundo é todo um exemplo e uma referência para muitos situações”.

Enquanto isso, as notícias que chegavam de Bruxelas eram favoráveis. Numa entrevista ao VRT, o secretário de Estado belga para o Asilo e Imigração, Theo Francken, diz: “O primeiro-ministro da Catalunha, Puigdemont, pode pedir asilo [à Bélgica]”. Não foi uma gaffe e para perceber isso basta reparar em quem falou: um político de um partido independentista da Flandres, o N-VA.

Estava dado o mote para Carles Puigdemont e todos os membros do seu governo destituído saírem de Espanha. Nesta altura, terão todos começado a fazer as malas. Depois, entraram em dois carros particulares que foram em direção ao outro lado do Pirinéus. Além de Carles Puigdemont, naquela rota de fuga estavam o ex-conselheiro do Interior, Joaquim Forn; a ex-conselheira da Governação, Meritxell Borrás; a ex-vice-presidente do governo regional Meritxell Serret; a ex-conselheira do Trabalho, Dolors Bassa; e o ex-conselheiro da Saúde, Antoni Comin.

Os carros seguiram até Marselha. Depois, os seis independentistas catalães apanharam um voo para Bruxelas.

No dia 30 de outubro, segunda-feira, eram vários os jornalistas que se concentravam à frente do Palácio de Governo, em Barcelona. Uma vez que as ordens de Mariano Rajoy incluiam o fecho dos escritórios dos governantes destituídos, a expectativa em torno da agenda de Carles Puigdemont era alta. Iria, afinal, trabalhar como se nada tivesse sido publicado pelo Boletim Oficial do Estado? Logo ao início da manhã, deixava adivinhar que era mesmo isso que já estava a fazer. Isto porque, no Instagram, publicou uma fotografia tirada a partir do seu escritório no Palácio de Governo. “Bom dia”, dizia a legenda.

Bon dia ????

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Não era uma fotografia verdadeira. Alguns viriam a notar que, ao contrário do que aquela imagem demonstrava, não havia uma única nuvem sobre os céus de Barcelona naquela segunda-feira. Carles Puigdemont estava, afinal, nos arredores de Bruxelas. Por ironia, era precisamente um céu azul com algumas nuvens que pairava sobre a capital da Bélgica naquele dia. Mas se tivesse escolhido tirar uma fotografia matinal de “Bom Dia”, Carles Puigdemont não poderia de qualquer das maneiras enquadrar o céu com a arquitetura gótica do Palácio do Governo. Teria de contentar-se com as linhas simples do Chambord, o hotel de três estrelas que iria albergar o autoproclamado governo catalão no exílio nos dias seguintes.

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