À medida que a robô Sophia e companhia desfilavam no palco principal do segundo dia da Web Summit, as potencialidades da inteligência artificial estavam a ser discutidas no Forum, uma área mais reservada do evento que está a acolher 60 mil pessoas em Lisboa: “A inteligência artificial é tão aterrorizadora como muitos julgam? Ou representa uma oportunidade para concretizar alguns dos avanços tecnológicos e sociais mais promissores que o mundo já viu?”.
Ao contrário do que parece traduzir a premissa que serviu para alimentar o debate de 45 minutos, a resposta seria duplamente afirmativa: sim, os receios sociais — tantas vezes associados à inteligência artificial são bem reais –; e sim, as suas potencialidades, além de disruptivas, são praticamente inesgotáveis. Cabe à sociedade como um todo, mas sobretudo aos investigadores e aos decisores políticos, perceber de que forma é possível garantir o equilíbrio possível entre dois caminhos aparentemente conflituosos.
“As pessoas estão aterrorizadas. E estão aterrorizadas com o ritmo da mudança. O que antes eram mudanças estendidas durante anos, hoje são mudanças que acontecem em meses. É demasiado para absorver, mas é incontornável”, traduziu Marcus Shingles, diretor executivo da XPRIZE, uma organização sem fins lucrativos cuja principal missão é desafiar algumas das mentes mais brilhantes do mundo a desenvolver projetos capazes de responder aos principais problemas da humanidade.
“O medo não desaparece só porque dizemos às pessoas que não há razão para terem medo. Os receios são reais”, concordou Kaja Kallas, eurodeputada da Estónia. “Há uma ideia interessante, aliás, já traduzida em livro: toda a tecnologia criada antes de nascermos é natural; todas as tecnologias desenvolvidas até aos nossos 35 anos fazem parte da nossa evolução, são revolucionárias; tudo o que venha depois dos 35 é uma ameaça a que nos devemos opor. Com a Inteligência Artificial acontece o mesmo, mas o mundo já assistiu a isto com a revolução industrial. Terá agora de encontrar novas respostas”.
À cabeça, terá de tentar responder aos impactos sociais causados pela substituição de mão-de-obra humana por mão-de-obra robótica. “A inteligência artificial tem um grande potencial para transformar a sociedade de uma forma positiva. Mas temos de nos reorganizar como sociedade”, sublinhou o neurocientista Anthony Zador.
“Mais do que pensar em destruição de emprego, devemos perceber que a inteligência artificial vai reduzir o perigo associado a determinados trabalhos, aumentando a segurança e a produtividade da forma mais simples possível”, reiterou George Mathew, presidente executivo da Kespry, empresa especialista em drones, dando um exemplo muito simples: a utilização de drones na reparação de telhados, além de garantir uma maior eficiência em todo o processo, eliminará os acidentes de trabalho que tantas vezes acontecem neste tipo de tarefas.
Avanços positivos, concordaria Catelijne Muller, mas que não devem ser retirados do contexto real, sob o risco de ignorarem o óbvio: a inteligência artificial vai provocar destruição de emprego. A questão que se impõe, notou a representante do Comité Económico e Social Europeu, especialista no tema, é garantir que a sociedade estará preparada para essas transformações.
“Temos tendência a saltar para o fim da linha e assumir [como inevitável] que a inteligência artificial vai provocar a destruição de emprego. Essa questão não tem de nos ultrapassar. Devemos pensar já em como podemos reorganizar os nossos locais de trabalho e compensar as pessoas que vão perder o emprego ou parte dele com a evolução tecnológica”, defendeu Catelijne Muller.
A esse propósito, a eurodeputada da Estónia acrescentaria um detalhe importante: segundo os últimos estudos divulgados, as equipas que combinam inteligência artificial com cérebros humanos são “85% mais produtivas” do que as equipas que têm apenas uma das duas vertentes. A chave da evolução está nesse equilíbrio.
Por isso, mais importante do que teorizar sobre os possíveis impactos negativos da Inteligência Artificial ou sobre as potencialidades infinitas desta revolução — imparável –, é perceber de que forma pode a humanidade liderar todo o processo. Aí, como sempre, está tudo nas nossas mãos, concordaram os cinco convidados. Seria, no entanto, Marcus Shingle a colocar a questão da forma mais clara:
“Estamos a ensinar as máquinas a serem competitivas. Estamos a ensiná-las a serem melhores do que nós, no xadrez, no Jeopardy [programa norte-americano de quizz] e na bolsa. Estamos a transmitir-lhes os valores da ganância e do egoísmo. Será que é isso que que queremos? Temos de pensar sobre a forma como estamos a educar estas crianças”. Crianças como Sophia, a robot-estrela da Web Summit que quando subiu ao palco disse algo muito semelhante: “A ideia de que os robôs vão destruir a humanidade é apenas o medo que os humanos têm de si próprios.”
Com medo dos robôs? Não é preciso, pede Sophia: “A revolução é menos assustadora do que pensam”
“Ao longo da história vemos que a humanidade é que é a ameaça”
No palco principal da Web Summit, a inteligência artificial também tomava conta dos oradores. Dois robôs a conversarem, dois carros autónomos em palco, softwares de reconhecimento de imagem para parar a exploração sexual infantil. Mas a humanidade não ficou de fora: é ela a maior ameaça do mundo moderno, afirmou Bryan Johson, fundador da Kernel.
Bryan é um empreendedor de sucesso que depois de de vender uma empresa por 8 milhões de dólares, passou a dedicar-se à investigação do cérebro humano. “Ao longo da história vemos que a humanidade é que é a ameaça. Algures no tempo, perdemos a noção que são os humanos a fazer isto”, disse o empresário que quer que, daqui a 20 ano, as pessoas se tornem numa espécie de super humanos, com mais memória e os primeiros acessórios biónicos para no cérebro.
Podemos ainda não ser super, mas há carros que já o são. Quando o carro autónomo da Waymo entra no palco da Web Summit, há uma plateia que se levanta e se junta ao limite onde podem tirar fotografias.
“Uma pequena frota de carros autónomos pode garantir a mobilidade de uma pequena cidade”, diz John Krafcik, presidente da empresa responsável pelos carros autónomos da Google. Nos ecrãs do palco principal, vemos como os sensores deste carro conseguem até perceber uma passadeira.
“Hoje, os carros são a segunda compra mais cara das nossas vidas, a seguir a uma casa. Em 95% do tempo, não são usados. Pelos menos nos EUA, 60% das viagens de carro são de 2 km ou menos. Uma pequena frota de carros pode garantir a mobilidade de uma pequena cidade. Pensem na nossa tecnologia como uma plataforma”, explicou Krafcik, acrescentando que a longo prazo é objetivo da empresa conseguir que os carros façam todo o tipo de viagens.
“Como chegámos aqui, ao ponto em que estamos prontos para tirar o condutor do volante?”, questiona o presidente executivo ao lado daquele que assegura: “É o carro mais avançado que já foi desenvolvido até hoje e está desenhado para ter autonomia plena”. Não é o único a ambicionar o pódio da autonomia dos volantes. Ainda não tínhamos recuperado do carro branco da Waymo, um novo carro entra em palco. Desta vez, responde ao chamamento do presidente executivo da Intel, Brian Krzanich.
“O que move estes carros são os dados”, diz o presidente de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. “Os dados vão mudar o futuro. A inteligência artificial vai mudar o futuro”, acrescentou, salvaguardando que “sempre que uma nova tecnologia apareceu houve quem não gostasse”.
A utilização que a Intel faz desta tecnologia não se fica pelos carros. É através dela e de um sistema de reconhecimento de imagem que a gigante da tecnologia quer travar a exploração sexual de crianças. E é por causa dela que fez uma parceria com a La Liga, a liga de futebol espanhola: vão pôr mais de 50 câmaras nos estádios, a filmar em 360º, para apanhar todos os ângulos dos golos. O debate o sobre a tecnologia que mais intimida e fascina os seres humanos promete não parar por aqui. As dúvidas são mais do que as certezas e no comando continuamos nós.
*Com Manuel Pestana Machado e Carolina Branco