Alimentos deteriorados, com qualidade ou composição alterada, ou mesmo em estado de decomposição ou putrefação foram alguns dos problemas encontrados pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) em cantinas e refeitórios escolares e que resultaram na instauração de 20 processos crime e na suspensão da atividade em 13 operadores económicos ou estabelecimentos, nos últimos três anos.
Foram instaurados 20 processos crime por géneros alimentícios corruptos, por géneros alimentícios avariados, por fraude sobre mercadorias e por corrupção de substâncias alimentares e suspensa a atividade em 13 operadores económicos/estabelecimentos”, respondeu a ASAE ao Observador, sem especificar quantos desses dizem respeito a cantinas de escolas públicas ou privadas.
De acordo com o decreto-lei que define as infrações antieconómicas e contra a saúde pública, por género alimentício corrupto entende-se “o género alimentício anormal, por ter entrado em decomposição ou putrefação ou por encerrar substâncias, germes ou seus produtos nocivos ou por se apresentar de alguma forma repugnante” e género alimentício avariado é um “género alimentício anormal que, não estando falsificado ou corrupto, se deteriorou ou sofreu modificações de natureza, composição ou qualidade, quer por ação intrínseca, quer por ação do meio, do tempo ou de quaisquer outros agentes ou substâncias a que esteve sujeito”.
Mas os resultados das fiscalizações levadas a cabo pela ASAE junto de cerca de 800 escolas nos últimos três anos não se ficam por aqui. Foram ainda instaurados 228 processos de contraordenação, acrescentou a mesma fonte, adiantando que na origem dos processos estiveram sobretudo o “incumprimento dos requisitos gerais e específicos de higiene”, bem como a “inexistência de processo ou processos baseados nos princípios do HACCP (Análise de Perigos e Controlo de Pontos Críticos), não atualização dos documentos que descrevem o processo ou processos baseados nos princípios do HACCP, falta de inspeção periódica à instalação de gás e falta do livro de reclamações”.
O sistema de Análise de Perigos e Controlo de Pontos Críticos tem por objetivo evitar potenciais riscos que possam causar danos aos consumidores, através da eliminação ou redução de perigos, de forma a impedir que sejam colocados à disposição do consumidor alimentos não seguros.
Rissóis crus, pouca comida, lagartas e vestígios de ratos
Este balanço da ASAE chega ao fim de várias semanas em que se têm multiplicado notícias (acompanhadas de fotografias) com as queixas dos alunos relativas às refeições servidas nas cantinas de algumas escolas públicas.
Tudo começou com a Federação Regional de Lisboa das Associações dos Pais (Ferlap) que expôs, no início de outubro, vários exemplos de refeições escolares sem qualidade ou em pouca quantidade, mostrando imagens do que é servido em escolas de Oeiras, Amadora e Odivelas: refeições apenas com arroz e feijão, rissóis crus, entre outros exemplos.
Rissóis por fritar ou só arroz com feijão. Pais alertam para fraca qualidade das refeições escolares
Logo nessa altura, questionada pelo Observador, fonte oficial do Ministério da Educação dizia que “embora as regras estipuladas no Caderno Encargos tenham sido definidas pela DGEstE e aceites pelas empresas, cabe à Unidade Orgânica [escola ou agrupamento] a responsabilidade diária pelo refeitório e todo o seu acompanhamento, garantindo o seu bom funcionamento, assim como a comunicação à DGEstE, através das delegações regionais, da informação necessária para a tomada de decisões”. E acrescentava que as escolas podem avaliar a qualidade da comida “através das duas refeições diárias gratuitas, para consumo dos avaliadores” e fazer os registos numa aplicação própria que centraliza todas as escolas.
Já depois disso surgiram mais casos, como as as imagens de um prato com frango cru que terá sido servido a crianças na escola EB23 Noronha Feio, em Queijas; um vídeo, partilhado no Facebook por uma estudante de uma escola em Braga, que mostra o que parece ser uma lagarta viva a rastejar pelo prato em que funcionários da cantina serviram a refeição.
Assim como fotografias enviadas ao Observador por duas mães que preferiram anonimato e que revelam a pouca quantidade de peixe e a ausência de legumes ou salada num prato de refeição servido numa escola básica da Amadora e noutra em Carcavelos e, ainda esta sexta-feira, mais uma notícia relativa ao refeitório de uma escola de Macedo de Cavaleiros, no distrito de Bragança, que apresentou esta semana vestígios de ratos, com dejetos num fogão que não estava a ser usado, uma situação que o diretor do agrupamento admitiu esta sexta-feira que “já não é nova”.
Fruto da divulgação destas imagens, já há diretores a punirem ou a ameaçarem punir os alunos que fotografam a comida nas escolas. O Jornal de Notícias relatou, na quinta-feira, o caso de duas adolescentes (de 18 e de 16 anos) de uma escola em Gaia que foram suspensas por cinco e dois dias, respetivamente, após terem divulgado uma imagem de um tabuleiro onde se via apenas um pão e uma tigela de sopa. O Observador contou ainda um outro episódio numa escola na Amadora em que uma criança de 11 anos foi chamada a uma sala onde estava a diretora e a responsável pelo 2.º e 3.º ciclos depois de ter mostrado à mãe, que partilhou no Facebook, fotografias do almoço daquele dia em que se via um pequeno pedaço de peixe e batatas cozidas.
E também esta sexta-feira se ficou a saber que a aluna de uma escola de Braga que partilhou o vídeo de uma lagarta no prato de refeição servido na cantina está a ser alvo de um processo disciplinar, denunciou a Associação de Pais da instituição.
Entretanto, o líder da JSD e deputado Simão Ribeiro revelou ao Observador que vai pedir “explicações urgentes” ao ministro da Educação sobre os alunos que estão a ser repreendidos ou punidos por diretores por tirarem fotografias a refeições mal confecionadas nas escolas.
Dos 1.148 refeitórios distribuídos pelas escolas públicas de 2.º, 3.º ciclos e ensino secundário, 548 são de gestão direta das escolas, 776 de gestão adjudicada a empresas e 24 de gestão autárquica, detalha o Ministério da Educação.