Os primeiros bebés brasileiros a nascerem com microcefalia causada pelo vírus zika estão a completar dois anos. Muitas destas crianças não conseguem virar a cabeça para procurar um objeto ruidoso, não conseguem manter-se sentadas ou falham noutras competências que deveriam ter adquirido até aos seis meses. Os resultados da avaliação de 19 crianças com microcefalia, e com sinais da infeção com o vírus zika, foram agora publicados pelos Centros de Controlo e Prevenção da Doença norte-americanos (CDC, na sigla em inglês).
O problema da microcefalia é maior do que ter a cabeça pequena
Todas as crianças com microcefalia que foram avaliadas neste trabalho (19) apresentaram um destes sinais: dificuldade em engolir, problemas de sono, atraso no desenvolvimento motor, deficiências visuais ou auditivas e convulsões. Ainda assim, os investigadores confirmaram que quatro destas crianças tinham tido um crescimento e desenvolvimento normal, o que pode indicar que tenham sido mal diagnosticadas à partida.
Para os restantes 15, os problemas são bem mais graves. Ao fim de 19 a 24 meses, estas crianças mantêm muitos dos problemas que já tinham à nascença, mostrando que têm dificuldade em atingir os padrões de desenvolvimento físico e cognitivo que seriam esperados para a sua idade. “As crianças com microcefalia e provas laboratoriais de infeção com o vírus zika têm limitações funcionais severas e vão precisar de cuidados especializados de médicos e cuidadores à medida que crescem”, alertam os autores do trabalho publicado no site dos CDC.
“As crianças não viraram [a cabeça] ao ouvir um chocalho ou não foram capazes de seguir um objeto, que normalmente uma criança consegue fazer com seis a oito semanas de vida”, disse, citada pelo The New York Times, Georgina Peacock, diretora da divisão de desenvolvimento humano e incapacidade dos CDC e uma das autoras do trabalho.
Nenhuma destas 15 crianças conseguiu passar num teste desenhado para bebés de seis meses, em que se avalia o desenvolvimento em áreas como comunicação, motricidade grossa (controlo corporal) e motricidade fina (movimentos de precisão), resolução de problemas e competências pessoais e sociais. Todas estas crianças apresentavam deficiências motoras severas e 14 delas tinham sinais compatíveis com paralisia cerebral.
O surto de zika foi declarado uma emergência de saúde pública em novembro de 2015, pelo então ministro da Saúde do Brasil. Na altura, ainda sem perceber se os dois eventos estavam relacionados, assistia-se no Brasil a um aumento do número de casos de microcefalia em paralelo com um aumento de casos de infeção com o vírus.
A microcefalia pode ser causada por problemas genéticos, pelo estado de saúde da mãe ou pelos comportamentos que esta assume durante a gravidez — consumo de álcool e drogas, exposição a substâncias tóxicas — ou ser causado por agentes infecciosos durante a gravidez, como a rubéola, a varicela ou a toxoplasmose. Aquando do surto no Brasil, não havia registo de que o vírus zika pudesse ser responsável pela microcefalia. Mas, com o passar do tempo, e à medida que aumentava a investigação no assunto, a possibilidade de existir uma relação entre a infeção das grávidas com o vírus e a microcefalia nos bebés foi ganhando força.
O vírus mostrou ser capaz de atravessar a placenta e instalar-se no cérebro dos bebés em desenvolvimento. Quando chega ao cérebro, o zika infeta as células estaminais neuronais — as células-mãe dos neurónios. Por um lado, a infeção faz com que se originem menos neurónios, por outro, acelera a morte celular, como ficou demonstrado com um trabalho de investigação publicado na passada semana na Nature Neuroscience. Com menos neurónios a formarem-se, o cérebro é necessariamente mais pequeno e, consequentemente, o crânio também.
O trabalho agora desenvolvido pelos CDC contou com a participação de 19 crianças do estado da Paraíba, mas o mesmo artigo referia que neste momento há 2.959 casos suspeitos de microcefalia a serem acompanhados. Apesar das limitações que os próprios autores identificaram neste trabalho, assumem que este pode servir de base para se perceber que são precisos estudos de longo prazo, porque o acompanhamento e tratamento destas crianças vai requerer cuidados especializados.