Chegou ao fim a consulta pública levada a cabo pelo Governo húngaro sobre o chamado “Plano Soros”. No entanto, ninguém sabe ao certo os resultados desse questionário enviado por correio ou o que pretende agora o Executivo de Viktor Orbán fazer com eles. A única informação disponibilizada, diz o El País, é que mais de dois milhões de húngaros responderam à consulta, que apresenta o “Plano Soros” como um estratagema feito pelo milionário para inundar a Europa com um milhão de imigrantes por ano, com a conivência da União Europeia.

É mais uma batalha nesta guerra que se tem vindo a acentuar nos últimos anos: há já algum tempo que Orbán e o seu Governo têm arranjado formas de demonizar o milionário húngaro, que vive atualmente nos Estados Unidos, e que é protagonista de múltiplas teorias da conspiração, quer no leste da Europa, quer nos EUA. Com eleições legislativas em abril, esta pode ser mais uma arma para a campanha eleitoral do Fidesz (partido de Orbán).

Os três meses da consulta foram acompanhados de uma campanha polémica contra Soros, que envolveu cartazes com o seu rosto pelas ruas e não só. “Espalharam centenas de exemplares de um livro polémico sobre ele e semearam o país com cartazes com a sua imagem”, diz ao jornal espanhol, que fez reportagem em Budapeste, a jovem Mercedes Zcako. Mais polémica ainda foi a foto partilhada por um deputado do Fidesz, Janos Pocs, que colocou no Facebook uma imagem de pessoas com um porco morto que tinha cravadas na pele as palavras “O volt a soros” — um jogo de palavras que pode significar quer “ele é o próximo” como “ele é Soros”. A legenda do deputado dizia “um porco a menos”.

https://www.facebook.com/pocsjanos.jaszsag/photos/a.271601416332333.1073742075.149302881895521/914679372024531/?type=3&theater

A imagem incendiou o discurso nas redes sociais na Hungria, como conta a Deutsche Welle. A foto teve mais de mil comentários e voaram acusações de anti-semitismo, já que Soros é judeu. Questionado pelos jornalistas, Orbán disse simplesmente que “questões relacionadas com a matança de porcos” não têm nada a ver com o Governo.

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O representante da Open Society Foundation, organização de Soros, em Budapeste, classifica ao El País a campanha recente como um exemplo da diabolização de qualquer um que se oponha a Orbán. “Ele está a atacar alguém que não é um inimigo do Estado, que não está a fazer campanha política, que não está na oposição”, diz Goran Buldioski.

Guerra às ONG e fecho da universidade de Soros

A relação de Orbán com Soros vem de trás. Em 1990, o primeiro-ministro húngaro era um jovem anti-comunista que usufruiu de uma das bolsas dadas pela organização para estudar em Oxford. Quase 30 anos depois, são inimigos profundos: Soros critica a deriva “iliberal” de Orbán, usando expressões como “Estado mafioso”; Orbán considera Soros como representante de uma elite financeira que manipula o mundo a seu bel prazer.

“É um inimigo cómodo e não só para Orbán. Cada vez mais países do Leste lhe lançam ataques. Começou com [Vladimir] Putin na Rússia, mas seguiu-se a Macedónia, Sérvia, Eslováquia, Bulgária e até a Roménia. Argumentam que a influência de Soros pode pôr em causa o seu poder político”, argumenta a analista Alina Raileanu ao El País.

Ao longo dos últimos anos, Soros tem sido o cabecilha de inúmeras redes e operações secretas, de acordo com múltiplas teorias da conspiração. No leste europeu, onde Soros financia múltiplas organizações, governos com o húngaro acusam-no de estar por detrás da vaga de refugiados e imigrantes que chega à Europa; nos EUA, onde é um conhecido doador do Partido Democrata, é acusado de financiar grupos como o Black Lives Matter ou o movimento Antifa.

A Hungria é o país onde a ofensiva contra Soros tem sido mais aguerrida. Durante o ano de 2017, Budapeste aprovou uma lei para limitar a influência de ONG financiadas com capital estrangeiro, semelhante à posta em prática na Rússia, que afetaria todos os grupos sustentados pela Open Society. No mesmo ano, o Executivo do Fidesz forçou o encerramento da Central European University, universidade que se sustentava em grande parte graças ao financiamento do milionário.

Estas ações levaram a União Europeia a tomar uma posição. Em dezembro, enquanto decorria a consulta popular sobre o “Plano Soros”, a UE anunciou que vai levar a Hungria ao Tribunal Europeu de Justiça pelo fecho da universidade e pela lei de financiamento das ONG. A Comissão Europeia diz que “preocupações sérias não foram resolvidas” e que o Governo húngaro falhou o prazo de uma resposta a Bruxelas.