São três projetos de lei e uma recomendação que o PS apresentou esta segunda-feira no Parlamento no âmbito de uma comissão eventual que tem estado a trabalhar, nos últimos meses, para o reforço da transparência no exercício de funções públicas e trazem linhas mais duras para o exercício de alguns cargos. As principais novidades são a regularização do lóbi no Parlamento, a malha mais apertada para deputados-advogados e políticos-consultores, mas também para magistrados, juízes do Tribunal Constitucional ou autarcas. E ainda o controlo de acréscimos patrimoniais dos políticos: quem tem uma realidade diferente da que declarou fica sujeito a punição com pena de prisão e, desde logo, a um agravamento fiscal sobre o valor dessa discrepância.

O tema é polémico no Parlamento e, na sua fórmula de penalização do enriquecimento ilícito (proposta pelo PSD), chegou a ser chumbado pelo Tribunal Constitucional. Agora o PS volta a ele (depois de o ter visto chumbado pela direita na legislatura passada), chama-lhe enriquecimento injustificado, e determina uma punição de pena de prisão até três anos para quem”vier a revelar ou a fruir acréscimos patrimoniais ou diminuições de passivo, injustificadamente desconformes” com o que foi declarado. Basta que a discrepância seja superior a 50 salários mínimos mensais (29 mil euros). Além disso, e quando a desconformidade for detetada pela Autoridade Tributária, o fisco aplica uma taxa especial agravada, de 80% (numa alteração ao Código do IRS, que determinava que essa taxa fosse de 60%).

Jorge Lacão diz que no PS estão “expectantes para conhecer a posição dos outros grupos parlamentares” e recordou as tentativas de criminalização do enriquecimento ilícito no passado que esbarraram no Tribunal Constitucional: “Por causa da obstinação do PSD, perdemos quatro anos na possibilidade de legislar e fazer entrar em vigor estas matérias. Esperemos que o PSD não caia na tentação de voltar a querer introduzir neste processo qualquer tipo de norma que volte a retardar os trabalhos”. Quanto a este às opções do PS neste ponto específico, o deputado garante que “são integralmente constitucionais e não deixam de prever sanções criminais para os infratores que não declararem património”.

Magistrados e autarcas também obrigados a declarações de rendimentos

Nas várias alterações legislativas que propõe, o PS introduz outras novidades na declaração obrigatoriamente entregue no Tribunal Constitucional por titulares de cargos políticos ou equiparados, que têm de passar a indicar a fonte do total de rendimentos brutos, bem como a descrição do património, mesmo que sejam apenas co-titulares do mesmo (heranças indivisas incluídas). E não basta ser detentor desse património para ter de o declarar, se for seu gestor ou arrendatário, também passa a ter de o inscrever no documento que é depositado no Constitucional.

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Passam também a ficar obrigados a esta declaração, os titulares de órgão executivos das freguesias com mais de 10 mil eleitores, que estejam em regime de permanência na autarquia, bem como “os órgãos executivos das entidades supramunicipais e intermunicipais” que estejam nesse mesmo regime. Isto além de magistrados judiciais e magistrados do Ministério Público. E ainda juízes do Tribunal Constitucional. Sendo que a fiscalização deste último grupo é feita pelos respectivos Conselhos Superiores (DE Magistratura, dos Tribuanis Administrativos e Fiscais e do Ministérios Público). É de recordar que as declarações de rendimentos e patrimoniais estão disponíveis para consulta pública e são de acesso livre.

Tendo em conta as queixas do Tribunal Constitucional de incapacidade (por insuficiência de meios) para fazer a fiscalização destas declarações, além do seu depósito obrigatória, os socialistas querem que seja criada uma nova Entidade para a Transparência em Funções Públicas. Este organismo funcionaria junto do Constitucional, sendo os seus membros eleitos pelo plenário daquele Tribunal. E teria funções de fiscalização e análise das declarações de rendimento e património, comunicar eventuais sanções às entidades competentes e participar ao Ministério Público “suspeita de práticas de infrações criminais” que a análise das declarações produza.

Esta entidade também fica responsável por fiscalizar o cumprimento do período de nojo (de três anos) a que está obrigado quem sai de funções de titular de órgão de soberania ou de cargo político. Nesse intervalos de tempo, estão impedidos de exercerem cargos em empresas privadas do setor que tutelaram.

Prendas aceitáveis e proibidas

Já exclusivamente quanto a deputados, o PS sobrecarrega os registos de interesses na Assembleia da República — e respetiva fiscalização — com novos elementos. Um deles é o novo código de conduta — à semelhança do que o Governo aprovou para si mesmo — aplicado aos deputados que passam a ter de de inscrever no seu registo de interesses “ofertas de hospitalidade” que aceitem, bem como os benefícios que delas possam ter vindo. E isto mesmo que sejam consideradas aceitáveis pelo novo código de conduta.

Estas regras propostas pelos socialistas passam a definir que os deputados não possam aceitar ofertas de valor igual ou superior a 150 euros (como o código do Governo), sob pena de “existir condicionamento da independência do exercício do mandato”. “O princípio genérico é da rejeição”, explica o deputado do PS Paulo Trigo Pereira, “mas abrem-se exceções para idas a conferências ou em missões parlamentares em representação da Assembleia da República”. É nestes casos, que estão detalhados no projeto do PS (visitas ou cerimónias oficiais de entidades públicas nacionais ou estrangeiras, ou convites de partidos políticos estrangeiros, ou convites para conferências sobre temas de interesse políticos ou de natureza académica, por exemplo) que o deputado tem de dar conta do que fez no seu registo de interesses.

Além disso, os socialistas recomendam que as autarquias estabeleçam códigos de conduta semelhantes ao que propõem para os deputados.

Lóbi nos corredores parlamentares (e também nas autarquias)

Além do reforço do registo que já existe para os deputados, passa a haver ainda um novo registo no Parlamento e aqui para regulamentar uma matéria que tem provocado polémica nos últimos anos: o lóbi. As entidades que o pretendam fazer e quem o faz (os intermediários) têm regras específicas. Os partidos à esquerda do PS, PCP e Bloco de Esquerda têm sido contra aquilo que dizem ser a legalização de uma ilicitude, mas o PS junta-se a um caminho que a direita já tem trilhado e quer agora “reforçar transparência” de “uma realidade profissional que já existe”, como argumenta Pedro Delgado Alves.

A proposta socialista passa por obrigar as entidades que queiram exercer a sua atividade junto do Parlamento e que representam interesses privados, a registarem na Assembleia da República esses mesmos interesses. “Além de se registarem, têm de identificar os interesses que representam”, detalhou o deputado socialista. “Têm de identificar quais são os seus clientes”, exemplifica Pedro Delgado Alves que insiste que as normas pretendem “tornar mais transparente e clara a forma como as entidades privadas já se relacionam com o Parlamento”.

O registo é feito através do site do Parlamento e tem de detalhar quem são os donos das entidades em causa e o PS quer que a prática se alargue às autarquias, definindo que as Assembleias Municipais criem regimes semelhantes. O projeto socialista também define o acesso do Governo à informação que vai ficar neste Registo de Representação de Interesses Privados “para efeitos de acompanhamento da atividade de representação privada de interesses junto dos seus membros”.

O acesso às reuniões ou audições, como comissões parlamentares por exemplo, “acontece nos mesmos moldes que já existe, uma vez que um privado já pode assistir a uma reunião presencialmente, tem apenas de se identificar e credenciar-se à porta” do Parlamento, explica o deputado do PS. “O que esta em causa é a realização de registo das reuniões com entidades que têm poder decisório”, como comissões parlamentares ou reuniões com grupos parlamentares. Além disso, o PS tem também um projeto para quem faz a mediação entre a entidade e o Parlamento e essa “representação profissional” também tem de estar registada e enumerar os respetivos clientes, tendo previstas situações de conflitos de interesse. Por exemplo? Está impedido de representar uma entidade nos três anos seguintes a ter representado a parte contrária.

Mas nem todos têm esta porta do lóbi parlamentar aberta, já que o projeto do PS define que os advogados não podem fazê-lo. O projeto socialistas é claro: “a atividade representação profissional de interesses é incompatível com o exercício de funções como titulares de órgão de soberania, cargo político ou alto cargo público: o exercício da advocacia e o exercício de funções em entidade administrativa independente ou reguladora”.

Deputados-advogados limitados. E políticos-consultores também

Dentro do Parlamento, há outra limitação para os advogados. Mas aqui, para os deputados que paralelamente ao exercício do cargos são também advogados ou jurisconsultos. O PS quer impedir, através de uma alteração ao estauto do deputado, que os parlamentares com estas atividades profissionais possam fazê-lo em sociedades que tenham litígios a favor ou contra o Estado. Se quiserem manter essas atividades, não poderão ser deputados. Se, por outro lado, optarem pelo exercício do mandato, podem apenas suspender essa participação na sociedade. No regime que está em vigor não podem ser advogados em processos contra o Estado.

“A prestação de serviços jurídicos com natureza de consultadoria, parcerística ou patrocínio judiciário deve ficar interdita sempre que haja relação com entidades púlicas” aos deputados, explica Jorge Lacão para mostrar que a norma também inclui jurisconsultos, além dos advogados. E que iss acontece independentemente de o advogado ter uma participação no capital da sociedade.

Estas duas são atividades maioritárias no Parlamento, onde cerca de 30% os deputados têm como atividades declaradas “advogado” ou “jurista” (só alguns deles jurisconsultos) e a maior parte destes deputados pertencem às bancadas do CDS e PSD. Se olharmos só para os deputados que, estando atualmente em funções, registaram atividade de “advogado” os resultados são claros: no PSD são 27% e no CDS 33%. É de lá que virão as maiores resistências às alterações propostas pelo PS.

Já no regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos (que vai muito além do universo de deputados), também há novas limitações para quem tem funções de gestão em sociedades: não podem fazer contratos com o Estado, nem ser consultores nestes processos. Se o projeto for adiante, um titular de cargo político ou alto cargo público que tenha a seu cargo a gestão de uma sociedade ou que a detenha em mais de 10%, não pode participar em contratos públicos ou ser “consultor, especialista, técnico ou mediador” nesses procedimentos. E isto é extensível ao cônjuge. Até agora, a limitação era só para a participação em concursos de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de atividade de comércio ou indústria, em contratos com o Estado e demais pessoas coletivas públicas. Não havia referências à consultoria.

O PS quer ver os trabalhos da comissão eventual terminados até ao final de fevereiro. O PSD deve ter a situação interna arrumada nessa altura — tendo em conta a alteração na liderança do partido e as consequentes mudanças parlamentares que isso possa acarretar. Para o líder recentemente eleito, os socialistas deixam já um recado: “Esperamos que a nova liderança do PSD corresponda ao momento que se impõe”.

Artigo alterado com mais detalhes relativos ao lóbi e aos deputados advogados