“A agressividade verbal é proporcional à falta de argumentos”. Foi assim que António Costa fechou a parcela do debate desta tarde com o PSD. Tinha tido pela frente Hugo Soares, ainda líder parlamentar social-democrata, a ensaiar uma agressividade de largo espectro, mais vincada até do que muitas vezes a do seu antecessor Luís Montenegro. Faz isto levantar a questão sobre qual será o estilo de oposição do PSD com Rui Rio à frente do partido mas ausente da Assembleia da República. O atual líder parlamentar do PSD ainda tem um debate pela frente antes do congresso entronizar o novo presidente laranja e o mais provável é que seja substituído por alguém com um perfil diferente.

A agressividade vincada, debate após debate, do jovem deputado do PSD — que é a cara oficial do partido enquanto um líder não sai e o outro não entra — pode servir de bitola para medir a futura oposição da era Rio. O novo líder do PSD não morre de amores pelos debates parlamentares nem pelo modelo dos quinzenais. Quanto ao estilo, que PSD teremos perante António Costa? A tão falada e polémica aproximação ao PS corresponderá a uma menor agressividade verbal com um aumento proporcional dos argumentos, como o primeiro-ministro gostaria?

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Rui Rio chegou a admitir que não era “politicamente correto” quando questionou o modelo dos debates parlamentares numa entrevista ao Público e à Renascença, durante a campanha interna para a liderança do partido:

Os debates quinzenais servem para esclarecer muita coisa ou são mais um espetáculo em que há ali um golpe de espada um contra o outro a ver quem é que ganha conjunturalmente? Quem é que surpreende mais o outro com alguma coisa que não está à espera?, dizia Rio.

Por estas palavras, depreende-se de que não aprecia o estilo de Hugo Soares, que esta tarde fez exatamente aquilo que o novo líder do partido critica. Dizia Rui Rio na mesma entrevista: “O país não se constrói de surpresas, de minutos para conquistar uma manchete num jornal mais facilmente”.

Se levarmos esta declaração do novo líder do PSD a sério, se juntarmos a nova retórica de apaziguamento das relações com o PS para tirar os socialistas das garras da esquerda, então, espera-se uma oposição parlamentar mais moderada? Mesmo apesar de ser o palco por excelência para confrontar o Governo? Ainda é uma incógnita. Daqui a cerca de um mês veremos o que muda. Há uma semana, Hugo Soares disse que estava “em total sintonia” com Rui Rio. Não sabemos se o desempenho, conteúdo e estilo do debate desta quinta-feira foi validado e acordado com o presidente eleito do partido.

Costa para PCP: “Vamos avançar, e com certeza juntos”

Pegando nas palavras de Rio, parece que Hugo Soares procurou a “golpes de espada” ver quem ganhava “conjunturalmente” o debate — porque é disso que é feita a dialéctica política e parlamentar. Foi o que Hugo Soares tentou fazer: “Surpreender” com algo que António Costa não estava “à espera”, ter algum tempo nas televisões e alguns títulos nos jornais.

Esta tarde, o PSD elogiou o Governo pelos números do desemprego, mas atacou pela “estabilidade da legislação laboral” de forma ardilosa — sem especificar a Costa de que estava a falar. Hugo Soares acusou o Governo de dar a “primeira machadada na estabilidade da legislação laboral”, a propósito da aprovação de medidas sobre a transferência do contrato de trabalhadores entre empresas, alegadamente à revelia da concertação social. Isto, lembrando que alguém no Governo tinha classificado a concertação como uma “feira de gado” — as palavras mais fortes do debate, que valeram os tais títulos nas edições online de alguns jornais.

Hugo Soares tentou conduzir Costa para terrenos movediços, para passos em falso e teve sucesso duas vezes: levou o primeiro-ministro a mentir sobre a interferência do Governo no grupo parlamentar do PS. E conseguiu evidenciar que Costa inicialmente nem sabia de que alterações se estava a falar. Tudo somado, coloca-se a questão sobre a atitude do partido com a maior representação parlamentar na segunda metade da legislatura: Hugo Soares não tinha gravitas, nem era um grande nome para contrapor a um primeiro-ministro habilíssimo no manejo da retórica parlamentar, sobretudo nas manobras de fuga de situações complicadas. Mas tem mantido António Costa sob pressão na maioria dos debates, o que é um papel do maior partido da oposição. Uma oposição dura, pode fazer um primeiro-ministro melhor.

Uma eventual mudança de tom no centro-direita, terá reflexos óbvios à esquerda e à direita. Primeiro, se o PSD for mais suave, o CDS pode crescer em notoriedade. Depois, mesmo perante críticas mais ou menos ferozes do Bloco de Esquerda e do PCP, António Costa continua macio, a elogiar a “energia” de Catarina Martins para ajudar o Governo a cumprir o seu programa em matéria de legislação laboral. E, apesar das discordâncias, não quer continuar avante no caminho sem o PCP: “Se me pergunta se vamos andar para trás, se vamos ficar a marcar passo ou se vamos avançar, vamos avançar e com certeza juntos”, disse António Costa a Jerónimo de Sousa no debate parlamentar. O primeiro-ministro já cristalizou uma posição, que também põe à prova os seus “BFF” (como dizia Paulo Portas): “Quando se está no bom caminho só há uma coisa a fazer, que é não mudar de caminho. Quando se está bem acompanhado, o que se faz? Não se muda de companhia”, clarificou Costa assim que começaram a surgir as primeiras dúvidas.

Como é que o PSD pode quebrar esta corrente de amizade sem vender a alma ao diabo para recentrar o regime, é a grande incógnita política dos próximos meses. Mas é uma nova realidade que pode voltar a baralhar o jogo.

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