Angela Merkel e Martin Schulz chegaram finalmente a acordo de coligação, depois de semanas de negociações. Os sociais-democratas do SPD acabaram por ficar com pastas nucleares, um dado surpreendente tendo em conta que partiam de um resultado eleitoral muito baixo — o mais baixo da história do partido no pós-segunda guerra — para as negociações. Resta saber que tipo de influência concreta terá agora o partido, cujo líder em funções apresentou a demissão.
Primeiro, a distribuição de pastas. O SPD conseguiu garantir os ministérios dos Negócios Estrangeiros, do Trabalho, da Justiça, Ambiente e Finanças, cujo titular e sucessor de Schäuble deverá ser Olaf Scholz, tido, ainda assim, como liberal entre sociais-democratas.
Angela Merkel não deixou de assumir que foi “doloroso” para a CDU abdicar da pasta das Finanças, mas garantiu não ter “qualquer preocupação” em relação à orientação política do SPD nesta matéria. Certo é que a atribuição deste Ministério aos sociais-democratas está a ser entendida como um sinal de mudança política na Alemanha. Pelo menos no plano simbólico: o sucessor de Wolfgang Schäuble será, pelo perfil que lhe é atribuído, mais compreensivo com a posição dos países do Sul da Europa e menos duro nessas negociações.
Em contrapartida, a CDU de Angela Merkel garantiu as pastas da Defesa, Economia, Agricultura, Saúde e Educação. O terceiro partido desta aliança — a CSU, irmã bávara da CDU — acabou por conseguir o Ministério do Interior, uma pasta vital para os interesses do partido, que tem defendido restrições à imigração e um tecto máximo para a entrada de refugiados no país.
Quanto ao conteúdo do acordo em si, não se pode dizer que tenha provocado grandes exclamações de contentamento entre sociais-democratas: apesar de haver medidas concretas para quase todas as áreas, há quem critique o acordo por não se traduzir em mudanças concretas em relação à política seguida por Angela Merkel. É o caso de Kevin Kühnert, líder da juventude social-democrata que tem protagonizado uma campanha feroz contra a “Grande Coligação”, que já veio criticar o acordo alcançado e o modo como foi conseguido.
Europa, Lei Laboral, Saúde e Refugiados: os pontos do acordo
Seja como for, os sociais-democratas conseguiram algumas vitórias importantes com este acordo. À cabeça, em matéria de convergência com a União Europeia. Os três partidos comprometeram-se a aumentar as contribuições da Alemanha para a Europa e estão disponíveis para estudar um orçamento comum a todos os membros da Zona Euro que financie despesas de investimento. Além disso, fica expressa a vontade de criar uma espécie de Fundo Monetário Europeu a partir da estrutura já existente do Mecanismo Europeu de Estabilidade
“Penso que conseguimos algo que será um novo acordar para a Europa e uma nova dinâmica para a Alemanha”, disse Schulz na conferência de imprensa conjunta com Merkel. O pacto, disse o líder demissionário do SPD, será “o fundamento” para uma nova política europeia, que será expressa num “apoio tácito” à “linha do governo francês” para “reformar a Europa e as suas instituições”.
Em relação ao Código de Trabalho, os sociais-democratas também conseguiram alguns avanços decisivos: a criação de um programa especial para combater o desemprego de longo prazo e a limitação dos contratos a prazo para as empresas, que no futuro estarão limitados a um máximo de 18 meses e blindados por justificações muito claras e renovações limitadas.
Na Saúde, outro área fundamental para o SPD, a vitória acabou por ser de pirro. Pelo menos, para já. Os sociais-democratas queriam reformar o sistema de saúde alemão (semiprivado) e criar um sistema único de saúde com contribuições públicas. Mas foram obrigados a recuar. Os três partidos acabaram por chegar a acordo para a criação de uma comissão para estudar essas e outras matérias. Ainda assim, o sistema de protecção na saúde alemão vai voltar a ser financiado em partes iguais por patrões e empregados, depois de o Governo alemão ter reduzido as contribuições das empresas para o sistema.
Quanto ao acolhimento de refugiados, o acordo mantém o limite para a entrada de refugiados na Alemanha (entre 180 e 220 mil pessoas por ano) e define limites para o programa de reunificação das famílias de imigrantes. Um desses limites prende-se com o número de familiares que podem juntar-se a refugiados já a viver na Alemanha: 1000 por mês.
Resta saber o que vai acontecer em março. Até porque ainda não é inteiramente líquido que o acordo venha a ser aprovado pelo SPD. O documento firmado entre os três partidos terá agora de ser sujeito a um referendo dentro do SPD, em que os 460.000 militantes vão decidir se aprovam ou não o documento. Mas a campanha interna contra a coligação, liderada por Kevin Kühnert, tem sido muito intensa.