Ross Rebagliati é uma das personalidades mais marcantes quando falamos de desportos de inverno, sobretudo, em termos específicos, recordando o que se passou nos Jogos Olímpicos de 1998: o snowboarder canadiano ganhou o ouro em Nagano, no Japão, mas acabou por acusar tetraidrocanabinol, ou THC, na análise ao sangue feita após a competição. A organização acabou por retirar-lhe a medalha, mas a decisão foi revertida porque não havia nenhuma lista que proibisse o uso de marijuana (que o atleta sempre negou ter consumido de forma direta), algo que foi alterado a partir desse caso. Muitos anos depois, em 2013, a Agência Mundial Anti-Doping acabou por estabelecer um limite máximo para ser considerado um teste positivo, confirmando o que Rebagliati sempre defendeu: o valor que acusara tinha sido por consumo de forma indireta.

Depois desse ponto alto da carreira, o olímpico manteve a notoriedade noutras áreas: além de ser um empresário envolvido em negócios de milhões de dólares na Colúmbia Britânica, arriscou também com sucesso uma carreira na política local e tornou-se um fenómeno cultural… por participar em inúmeras palestras em defesa do uso de canábis para fins medicinais. Mas não se ficou por aí: em janeiro de 2013, fundou com o sócio Patrick Smyth a Ross’ Gold, negócio que tem como foco principal a comercialização de marijuana com objetivos terapêuticos à luz das leis e regulações do Canadá.

E porque é que contamos a história de Ross Rebagliati? Porque é graças a ele, à sua personalidade e, sobretudo, à vitória conseguida em 1988 que Portugal terá dois representantes nesta edição dos Jogos Olímpicos de inverno: além do repetente Arthur Hanse, Kequyen Lam representará a equipa nacional na prova de esqui de fundo.

“O meu objetivo em PyeongChang é estar tranquilo, recorrer a boas técnicas, correr rápido até ao máximo das minhas capacidades e inspirar o país e futuros esquiadores”, realçou o atleta à agência Lusa. “A chama continuava acesa, continuava a desejar ser um atleta e competir. Ir a PyeongChang era uma ideia louca, porque sempre fui um atleta com capacidade anaeróbica, de provas de curta duração. Tive de adaptar o meu sistema fisiológico e desenvolver a capacidade aeróbica para conseguir correr provas de resistência. A ideia nasceu, os objetivos foram estabelecidos e o sonho floresceu”, acrescentou, recordando os cinco anos em que representou Portugal em provas de snowboard antes de se lesionar (fractura no ombro, que lhe roubou muitos meses de competição) e arriscar o cross country.

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Kequyen Lam começou por participar em provas de snowboard por Portugal, pedindo depois licença para o esqui de fundo

Aos 38 anos, Kequyen é o estreante nacional nos Jogos Olímpicos de Inverno. Farmacêutico, passou a ter nacionalidade portuguesa em 2006 depois de uma vida que dava um filme: os pais, chineses, viviam no Vietname, tiveram de fugir de barco para Macau durante a guerra, estiveram num centro de acolhimento para refugiados e mudaram-se depois para o Canadá. Em 2015, pediu à Federação Portuguesa dos Desportos de Inverno para mudar a acreditação para o esqui de fundo e o que parecia impossível tornou-se realidade. “O sonho de participar nos Jogos Olímpicos surgiu em 1998 quando Ross Rebagliati ganhou o ouro no Canadá. Agora quero inspirar Portugal e os futuros esquiadores que apareçam”, explicou na cerimónia de apresentada organizada no Comité Olímpico de Portugal antes da partida para a Coreia do Sul.

Já Arthur Hanse, 14 anos mais novo que Lam, vai repetir a participação de 2014 em Sochi, onde acabou por não conseguir concluir as provas de slalom e slalom gigante. E se no caso do companheiro de equipa as raízes nacionais chegam de Macau, Hanse é filho de emigrantes portugueses. “Foi a minha avó, que nasceu em França, mas tem nacionalidade portuguesa, que me aconselhou a contactar a Federação”, contou à agência Lusa o filho de um leiriense antes da partida. “Objetivo? Ficar entre os 50 primeiros. Estes vão ser os Jogos da maturidade, em 2014 estava muito tenso e acusei a pressão…”, explicou.

Arthur Hanse participou nos Jogos de Sochi em 2014, não terminando as provas de slalom (FABRICE COFFRINI/AFP/Getty Images)

“Tenho mais experiência, outra maturidade. Durante quatro anos trabalhei muito para estar preparado. Os Jogos são o sonho de todos os desportistas e representar um país com os valores olímpicos é muito importante para mim. Um top 30 é um sonho, o top 50 a realidade. Mas nos Jogos Olímpicos tudo pode acontecer, o melhor e o pior. Estou a preparar-me mentalmente para dar o melhor de mim, e representar Portugal da melhor forma que as minhas capacidades permitirem”, acrescentou, antes de deixar elogios à organização nacional. “A FDIP e o COP trabalharam em torno deste projeto e é importante sentir-me apoiado. Desejo fazer melhor do que na Rússia, terminar as corridas para entrar no ranking.

“As nossas ambições são do tamanho das nossas pernas, não são do tamanho dos nossos sonhos, porque nesse caso seriam muito maiores. Temos de ter a noção do país que temos e das condições que demos a estes atletas para se prepararem. Tudo isso são questões que influenciam toda a qualificação e a prestação dos atletas”, resumiu Pedro Farromba, o presidente da Federação de Desportos de Inverno de Portugal e chefe de missão em PyeongChang.

Em termos históricos, Portugal já teve 12 atletas em Jogos Olímpicos de Inverno, com destaque para o 21.º lugar de Mafalda Queiroz Pereira em Nagano, no ano de 1998. Duarte Espírito Santo foi o primeiro representante no evento em 1952.

1952 (Oslo): Duarte Espírito Santo, 69.º lugar no downhill (esqui alpino)

1988 (Calgary): António Reis e João Poupada, 34.º lugar em duplas no bobsled; João Pires e Jorge Magalhães não terminaram em duplas no bobsled; António Reis, João Pires, João Poupada e Rogério Bernardes em 25.º lugar por equipas no bobsled

1994 (Lillehammer): George Mendes, 32.º lugar no slalom; 41.º lugar no downhill; não terminou o Super G; não terminou o combinado (esqui alpino)

1998 (Nagano): Mafalda Queiroz Pereira, 21.º lugar em aerials (esqui estilo livre); Fausto Marreiros, 31.º lugar nos 5.000 metros de patinagem de velocidade

2006 (Torino): Danny Silva, 94.º lugar nos 15km estilo clássico de esqui de fundo

2010 (Vancouver): Danny Silva, 95.º lugar nos 15km estilo clássico de esqui de fundo

2014 (Sochi): Camille Dias, 40.º lugar no slalom e 59.º lugar no slalom gigante (esqui alpino); Arthur Hanse não terminou slalom e não terminou slalom gigante (esqui alpino)