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Conan Osiris. Quem é o músico que ganhou o Festival da Canção?

Este artigo tem mais de 5 anos

Falámos com o autor do álbum "Adoro Bolos" sobre o fim do mundo, a mixórdia de influências que é a sua música (do fado a Chitãozinho e Xororó) e a origem de um nome singular na música portuguesa.

Conan Osiris é o nome artístico de Tiago Miranda, músico que acaba de editar o disco "Adoro Bolos"
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Conan Osiris é o nome artístico de Tiago Miranda, músico que acaba de editar o disco "Adoro Bolos"

Diogo Lopes / Observador

Conan Osiris é o nome artístico de Tiago Miranda, músico que acaba de editar o disco "Adoro Bolos"

Diogo Lopes / Observador

[Este artigo foi originalmente publicado a 14 de fevereiro de 2018 e atualizado a 2 de março de 2019]

“Se o mundo acabasse amanhã, o que faria? Pode parecer cliché, mas a verdade é que a pergunta faz-nos sempre pensar. As respostas mais comuns seriam algo do género “viajava para longe” ou “reunia família e amigos numa grande festa”, mas a verdade é que Conan Osiris não é uma pessoa comum. Aos 29 anos, este músico português cujo mais recente álbum, Adoro Bolos, tem feito virar cabeças, é a personificação de um novo tipo de artista: frontal, criativo e despreocupado. Numa soalheira e fria tarde de fevereiro, o músico sentou-se nos degraus da Igreja de São Roque, em Lisboa, para falar sobre quem é, o que faz e porque é que o faz. “Porquê Conan Osiris?” — a inevitável primeira pergunta.”

Foi desta forma que, em fevereiro de 2018, o Observador começou por apresentar o vencedor do Festival da Canção 2019. Apesar de se ver inserido num grupo de 16 concorrentes onde figuram alguns nomes mais populares como o dos D.A.M.A, NBC ou Calema, Conan Osiris continua a surpreender.

[“Telemóveis”, a canção que Conan Osiris apresentou no Festival da Canção 2019]

Osiris continua a ser um fenómeno viral dos dias que correm e isso é mais que motivo para perceber ao certo quem é este rapaz que vai representar Portugal na maior competição musical da Europa. Leia (ou releia, como preferir) aquilo que o Observador escreveu sobre ele há quase um ano e descubra (ou redescubra, lá está) quem é Conan Osiris e Tiago Miranda, a pessoa que lhe dá vida.

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Tiago Miranda, a.k.a. Conan Osiris, numa sessão fotográfica para o Observador. © Diogo Lopes / Observador

“Este meu nome é baseado numa série de anime, o ‘Conan o Rapaz do Futuro’, do Miyazaki. E Osiris vem do deus egípcio… “, explicou Tiago Miranda, o nome verdadeiro do músico. De forma descontraída, diz que a referência à divindade egípcia é “um bocado labiríntica” e que se relaciona com astrologia (“remete a Saturno, e como sou Capricórnio…”). Já em relação ao “Conan”, o tal nome da personagem criada pelo mestre japonês da animação, a história é outra — e é agora que surge a ligação ao suposto fim do mundo: “A série fala de um rapaz que sobrevive só com o avô numa era pós-apocalíptica. Eles vão sobrevivendo e vão juntando mais pessoal como eles, que não desapareceram”.

Confusos? É normal, Conan Osiris não é uma personagem linear, de fácil leitura. Indo mais a fundo no assunto, explica que gosta dessa premissa porque “à medida que foi crescendo”, sempre esteve à espera do fim-do-mundo. “Primeiro foi a cena do ano 2000, depois foi a mesma coisa de 2012… Sempre vivi com a ideia de que o mundo não ia continuar. Se acabar por seguir em frente, eu estou cá.” Por um lado, Conan acredita que já fez de tudo (tem um curso de design, já fez tradução e até já trabalhou em mesas de voto) e que “podia morrer” sentindo-se realizado, mas ao mesmo tempo não consegue deixar de ter a sensação de que nunca fez nada. “Fico sempre no limbo. Na realidade, se o mundo acabasse amanhã, eu ia-me estar a cagar.”

É precisamente esta noção de “limbo” que parece ter sido criada de propósito para este rapaz que trabalha numa sex shop em Lisboa. Sente o impulso de criar, mas muitas vezes não gosta daquilo que faz. Não se lembra “de cenas super importantes” que já fez ao longo da vida, mas sabe de cor “o nível em que evolui o Bulbasaur [criatura do célebre jogo Pokémon que se modifica consoante os pontos que ganha em batalhas virtuais]”. Já odiou fado mas hoje tem-no sempre presente na electrónica esquizofrénica que cria. É neste novelo de aparentes contradições que mora um dos mais refrescantes artistas dos últimos tempos e que, sem pretensões ou qualquer tipo de arrogância, começa a afirmar-se como músico de culto nas franjas mais alternativas da música portuguesa.

A música dos anos 2000 e arredores

Adoro Bolos, que foi lançado nos últimos dias de 2017, é o terceiro álbum de Conan Osiris e surge depois de Música Normal (2016) e Silk (2014). Nele Conan junta influências que vão do dance hall ao kizomba, passando por uma electrónica pura e alguns laivos meio étnicos que trazem à memória o sofrido cantar cigano. Pode parecer estranho juntar isto tudo e criar música interessante (ou minimamente coerente), mas a verdade é que tudo funciona. Para perceber como é que isso é alcançado é preciso andar atrás no tempo.

“A minha mãe costumava por música para ela ouvir, estava-se a cagar para quem mais ouvia, e isso fez com que fosse conhecendo coisas tão dispares como Onda Choc, Chitãozinho e Xororó ou fado. Ao mesmo tempo eu já ouvia a Rádio Cidade (aquela música de dança…), na altura em que haviam aqueles locutores brasileiros”, começa por explicar.

Como tantas vezes acontece, a identidade musical deste artista foi-se construindo primeiro pelos inputs da progenitora, que “comprava sempre aqueles CDs de compilações” e que com isso ia introduzindo o jovem Tiago ao mundo da música. “Eu podia não saber o que era, mas gostava de algumas coisas que ouvia, coisas super diferentes.”

Tudo mudou, porém, quando chega a Portugal a televisão por cabo, mais concretamente canais de música como a MTV, o SOL Música ou o francês MCM. “Lembro-me bem do vídeo da ‘Get Your Freak On’, da Missy Eliott. Quando o vi pela primeira vez fiquei um bocado ‘Foda-se, o que é que é isto?’ A minha ligação ao hip-hop começou assim, com rappers femininas como a Lil’ Kim, também, por exemplo. Via muito MTV, coisas de R&B como Destiny’s Child… Isso foi-se misturando tudo”, explica. Ao mesmo tempo ia-se familiarizando com ritmos africanos como o zouk ou o kizomba”que ouvia na escola secundária”, na altura em que morou no Cacém.

Foi nesta fase que começou a gravar as suas primeiras compilações, as “mix tapes” esquisitas que podia começar com “os hits da altura”, músicas de Ciara ou Lil John, e terminavam com “Shakira, My Chemical Romance, Avril Lavigne ou até Vanessa da Mata”.

Parte das fotografias foram feitas na sex shop onde trabalha. © Diogo Lopes / Observador

O telemóvel desaparecido e simplicidade

Estes CDs evoluíram quando Tiago recebeu o seu primeiro computador portátil e decidiu aventurar-se em algo feito por si. “Antes de começar a fazer isto eu nem sabia que existiam softwares para usar em casa, no computador. Quando descobri — muito provavelmente porque alguém me disse –, achei fixe e comecei a experimentar…” conta.

A vida quotidiana seguia o seu ritmo no Largo Trindade Coelho, nos degraus onde tínhamos começado a conversar, quando se começa a ouvir um telemóvel tocar. “O som vem dali”, interrompe Conan enquanto se levanta e caminha rumo a uma das portas da igreja. “Alguém deixou aqui o telemóvel!”, exclamou. “Sabes atender isto? Não percebo nada de Androids…”, confessa. Ligava alguém rotulado de “Arquiteto”, lia-se no ecrã totalmente rachado de cima a baixo. “Pode ter sido alguém ali das obras que se esqueceu disto aqui… Bora lá perguntar se isto é deles.” E seguimos rumo ao edifício descarnado onde vários trabalhadores brandiam os seus martelos. Um momento insólito (mas igualmente honesto) de alguém que trata o inusitado (e a honestidade, já agora) por tu. Para nosso desalento, o telemóvel não pertencia a ninguém. Conan decidiu ficar com ele por perto, não fosse alguém passar pela zona à sua procura. Com isto, a conversa recomeçou.

“Nessa altura não existiam daqueles tutoriais que hoje encontramos no Youtube, não é? (se bem que eu sou o maior aselha nesses tutoriais, odeio-os)”, explica Conan falando sobre os seus primeiros passos enquanto compositor. “Basicamente fui experimentando coisas, mesmo sozinho, a 100%.” Aos poucos foi aperfeiçoando os seus dotes de músico no programa Fruity Loops e assim nasciam as suas primeiras criações musicais.

“Comecei por fazer coisas só instrumentais”, clama. Assumindo-se como simplista no que toca à criação musical (algo surpreendente, especialmente se só o conhecermos pela sua música, que transpira influências diferentes por todos os poros), Conan revela que essa simplicidade está profundamente ligada ao tanto de “emocional” e “espontâneo” que existe em canções como “Celulitite”, “100 Paciência” ou “Borrego”“Se o que quiser fazer implicar muitos processos e coisas complexas, eu acabo por cagar e nem sigo aquilo. Não me parece vital.” A única altura em que o processo começa a ficar mais complicado é quando se chega à fase dos acabamentos:

“A linha condutora faço-a sem esforço, às vezes o que custa mais são os toppings. Imagina que tens um gelado e depois tens uma bacia cheia de nozes, gomas e não sei quê. Tens de ter calma para depois não ficares com um pico glicémico.”

Sobre a mixórdia temática que se esconde nas suas músicas, Conan diz que tudo acontece de forma muito orgânica. Primeiro escolhe “um tema” e decide que a música que vai fazer “é, sei lá, trance”. Depois é só pôr mãos à obra, tendo a segurança de já saber o caminho a seguir. “Tenho de respeitar a forma como as coisas nascem, é como um filho: nasce e depois cresce com a sua própria identidade.”

Da moda às tortas e guardanapos

Com várias camadas de roupa em cima, Conan parecia inquieto. Por entre a troca de palavras, vai olhando à sua volta: “Epá, não anda por aí ninguém com cara de quem perdeu o telemóvel”, diz. Apesar da inquietação, há que continuar a descobrir mais sobre o músico.

A primeira “coisa mais séria” que fez teve como base o mundo da moda. Olhando para o rapaz que estava sentado à nossa frente, não era de estranhar a ligação — vestia um fato de treino completo, cinzento, um sobretudo azul escuro de corte clássico e, por cima disso tudo, um casaco desportivo “à americana”. Não é da moda em si que Tiago gosta, afirma que “não é consumista” e prefere apenas “ver as coisas novas”: “Um dos meus melhores amigos é stylist, o Ruben Osório, e de vez em quando mostra-me alguns desfiles. Eu gosto disso, gosto de ver coisas criadas por outras pessoas mas com as quais me identifico de alguma forma.”

A sua ligação mais próxima com o mundo dos criadores de roupa tem um fundo mais simples: “Quando ainda só fazia instrumentais, uns amigos pediram-me para fazer umas músicas que eles pudessem passar nos seus desfiles”, explica. A experiência correu bem e daí nasceu o tal Silk, álbum que se inspira nesses universo (“silk” é “seda” em inglês) e que marcou um momento de viragem na sua carreira (“a partir daí comecei a levar as coisas mais a sério”).

“Assim até pareço uma personagem manga.” © Diogo Lopes / Observador

“Continuei a fazer instrumentais, fui melhorando em áreas como a masterização, por exemplo. Também comecei a tentar usar o elemento voz.” Este foi o momento chave que o colocou mais próximo do sucesso de Adoro Bolos. A música “Amália”, que fecha o Silk,  foi a primeira em que cantou. “Não gostava nada de me ouvir, odiava, mesmo”, conta. Aos poucos foi-se arriscando até que com essa canção sentiu que tinha atingido algo de importante:

“Tive uma reacção gutural das pessoas, quando ouviram a Amália. Até os meus amigos mais antigos ficaram super chocados com aquilo. Eu estava mal no dia em que fiz essa música, acabei-a e comecei a chorar…”

Houve um qualquer tipo de libertação emocional? Uma espécie de catarse? Nada disso. Ao cantar, Conan percebia que exorcizava coisas que nem sabia que tinha e essa descoberta, relata, foi difícil de gerir. “Quando acabei essa ‘Amália’ pensei logo em não pôr aquilo em lado nenhum, achei que era demasiado. Não tinha tomates para ter aquilo a tocar ao meu lado sequer.”

Acontece que, com o tempo, as coisas atenuaram e agora diz que se sente “mais em conexão” com essa sua faceta. “Fui-me habituando, literalmente. Acho que o facto de o meu trabalho me obrigar a lidar com público, tornou mais fácil estar-me a cagar para o que as pessoas acham. Sempre fui um bocado assim, mas agora sou mais ainda.”

Seja como for, a verdade é que em Adoro Bolos Conan canta, produz, “toca” e escreve — “gosto muito da métrica, de deixar tudo perfeitinho”. Esse problema foi retirado do caminho mas outro veio logo a seguir ocupar o seu lugar. Um disco intitulado de Adoro Bolos é para ser levado a sério ou não passa de uma ironia musical muito bem feita (como faz, de certa forma, o Conjunto Corona, rappers nortenhos)? Sobre essa assunto, Conan esclarece que essa confusão entre o real e o satírico acontece porque é mesmo assim. Ele próprio é um pouco dos dois: verdadeiro e humorístico. “Não sou irónico”, faz questão de frisar, mas admite que o humor, por vezes pode assemelhar-se à ironia:

“Se eu canto que adoro bolos, é porque é mesmo verdade [mais tarde afirmou que tortas e guardanapos são das suas gulodices favoritas], eu gosto mesmo de bolos. Por muito que isso seja uma afirmação com alguma piada”, revela.

“Os temas de que falo nas minhas músicas nascem todos de merdas que penso ou pensei numa altura específica”, continua. Para justificar essa afirmação recorda o episódio por trás da criação de “Some”, a última canção de Música Normal, o seu segundo disco: “Estava a falar com uma amiga pelo Whatsapp, gravei um clip de voz onde dizia a música toda vocalmente (estava a imaginar o instrumental na minha cabeça), e já está. Não houve nenhuma construção, foi literalmente aquilo, mais nada. Senti que tinha de respeitar a forma como a música tinha nascido e foi assim que ficou.”

A música do futuro

O mundo da música alternativa em Portugal encontra-se em mutação. Artistas mais reconhecidos, como B Fachada, Samuel Úria ou Benjamim já estavam a contar com a companhia de nomes como Luís Severo ou Éme, artistas que até há pouco tempo vinham sempre associados à imagem da “jovem promessa”. Hoje assiste-se a uma renovação onde artistas como este Conan Osiris (ou os Mighty Sands, Sunflowers, Alek Rein, entre muitos outros) começam a afirma a sua voz, a sua imagem. As referências mudam e começa a sentir-se cada vez mais a influência dos anos 2000, da universalização da Internet e da globalização. A música de Conan é assim. Um reflexo de tempos não muito distantes que já tiveram o seu momento de “incubação” e que agora se revelam.

Diz-se que nos dias de hoje quase tudo é efémero ou tem uma data de validade muito curta. Pegando na versão resumida daquilo que Tiago Miranda diz ser a sua música — “é feita a partir de coisas que me surgem numa altura específica, coisas que me nascem” –, vê-se que (alguma) da criação musical dos dias de hoje acompanha o mesmo ritmo. A velocidade dos tempos faz com que faça sentido “cantar o quotidiano”, já que ele é tão fugaz. O que acontece neste instante, daqui a umas horas já vai parecer que aconteceu há semanas — e é sempre preciso haver alguém que o congele numa música, por exemplo.

A juntar a isto há ainda que ter em conta o constante bombardeamento de influências de que todos somos alvo. Esse é outro elemento da voz artística deste rapaz, que gosta que o tratem por Conan Osiris.

P.S.: O telemóvel? Ninguém acabou por reclamá-lo. Se estiver a ler isto, proprietário do smartphone em questão, saiba que ele ficou com Conan e está à espera de ser recolhido. ACTUALIZAÇÃO — o telemóvel já foi entregue ao seu dono.

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