A sessão plenária da Assembleia Nacional Popular da China aprovou este domingo uma emenda constitucional que estabelece uma presidência indefinida para o atual chefe de Estado, Xi Jinping. A Assembleia Nacional Popular da China aprovou com um único voto um conjunto de 21 emendas constitucionais propostas, entre as quais a eliminação do limite de dois mandatos consecutivos de cinco anos para os presidentes do país.

Constitucionalmente, a Assembleia Nacional Popular (ANP) é o “supremo órgão do poder de Estado na China”, mas cerca de 70% dos seus quase 3 mil deputados são membros do Partido Comunista Chinês (PCC), assegurando a sua lealdade ao poder político. Os deputados são eleitos por cinco anos, a partir das assembleias das diferentes províncias, regiões autónomas, municípios, regiões administrativas especiais e das forças armadas do país, e estão encarregues de aprovar projetos de lei, o relatório do Governo, Orçamento ou o plano de desenvolvimento económico-social.

A reforma constitucional deu ainda luz verde à criação de um novo organismo político: a Comissão Nacional de Supervisão. Esta espécie de super-ministério, como lhe chama a imprensa, será uma poderosa entidade política que tem como missão combater a corrupção. A grande questão, porém, são os poderes que lhe serão conferidos para cumprir essa tarefa: na prática, a comissão poderá vigiar e monitorizar todos os funcionários do Estado, desde médicos a professores, até altos funcionários do Estado e jornalistas de órgãos públicos.

Este organismo irá fundir-se com a já existente Comissão Central para a Inspeção de Disciplina, o órgão policial do Partido Comunista chinês que, recorde-se, já castigou 1,5 milhões de elementos do partido, incluindo 35 membros do Comité Central, numa campanha iniciada por Xi com os argumentos de combate à corrupção.

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Delegados da ANP aceitam (quase) sempre moções propostas

Em mais de meio século de existência, os delegados da ANP nunca rejeitaram um projeto de lei ou documento e, até finais dos anos 1980, as aprovações ocorriam sempre por unanimidade. Foi só em 1988 que, pela primeira vez, um delegado da ANP votou “não”. Também inéditos foram os três votos de abstenção, ocorridos em 1982.

A abolição do limite de mandatos permitirá a Xi Jinping, um dos mais fortes líderes na história da República Popular, ficar no cargo depois de 2023, quando termina o seu segundo mandato.

O PCC elimina assim um dos princípios fundamentais da política chinesa nas últimas décadas, que distinguia o regime de Pequim de outros estados autoritários, e que analistas consideram ter sido crucial para a estabilidade política que permitiu à China converter-se na segunda maior economia mundial no espaço de trinta anos.

A República Popular conhece bem os excessos do totalitarismo: durante o consulado de Mao Zedong – governou entre 1949 e 1976 —, a pobre e isolada China vivia num universo à parte, mergulhada em violentas “campanhas políticas” que vitimaram milhões de pessoas. A proposta do Comité Central do PCC foi tornada pública em 25 de fevereiro, uma semana antes do início da sessão anual da ANP.

XI Jinping: proposta “ilustra o desejo comum do partido e do povo”

Citado pela agência oficial Xinhua antes da votação, Xi Jinping destacou durante um painel de discussão com delegados da Assembleia que a proposta foi “plenamente democrática”, feita “após uma recolha de opiniões a partir de diferentes setores” e que “ilustra o desejo comum do partido e do povo”.

O líder chinês referiu ainda que a emenda constitucional permitirá “modernizar o sistema chinês e a capacidade de governação do país”. Além da abolição do limite de mandatos, a emenda incluiu a Teoria de Xi Jinping na constituição do país, a criação de uma agência estatal de combate à corrupção e um papel ainda mais dominante para o PCC.

Xi está a executar uma vasta agenda, que inclui tornar o setor estatal mais competitivo, desenvolver a indústria de alta tecnologia, reduzir a pobreza e combater a poluição. O objetivo é converter a China numa “potência global” e um “Estado socialista moderno” até meados deste século.

No entanto, para Richard McGregor, antigo chefe da delegação em Pequim do jornal Financial Times, o reavivar do absolutismo na China pode ter consequências imprevisíveis. “Não importa qual a perspetiva, a centralização de poder em torno de Xi remete para tempos obscuros no país”, diz.