Israel admitiu ter estado por trás do bombardeamento que destruiu um reator nuclear na Síria, em setembro de 2007. A decisão de anunciar a autoria daquele golpe foi tomada apenas esta terça-feira, mas este já se tinha tornado um dado conhecido e divulgado em diferentes ocasiões.

O reator nuclear em questão estava situado em Deir ez-Zor, cidade no sul da Síria, no deserto junto à fronteira com o Iraque, e que durante a atual guerra civil chegou a ser controlada pelo Estado Islâmico. Em 2007, os serviços secretos israelitas descobriram que, no lugar daquilo que fora construído de forma a parecer-se com uma quinta, estava o primeiro reator nuclear da Síria, país com o qual Israel travou várias guerras.

Uma investigação que ganhou fôlego com um portátil esquecido

“Durante anos, a Síria construiu um reator nuclear mesmo nas nossas barbas e nós não sabíamos nada”, contou ao Times of Israel Tamir Pardo, que viria a ser diretor da Mossad entre 2006 e 2011. “O reator não foi construído no lado oculto da lua, foi num país vizinho sobre o qual nós achávamos que sabíamos tudo.”

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A descoberta dos israelitas deu-se depois de terem ficado a saber que a Líbia desenvolveu de forma encapotada um programa de armamento nuclear quando o próprio Muhammar Kadhafi o admitiu em 2003, prontificando-se a suspender essas atividades sobre pressão do Reino Unido e dos EUA. Esta descoberta tardia de Israel, que tinha na Líbia de Muhammar Kadhafi um inimigo, levou os serviços secretos a procurar outros casos em seu redor. Entre as principais fontes de preocupação, estava a Síria.

Durante a investigação a Mossad teve um golpe de sorte que pode ter sido determinante para o sucesso da sua aposta. Em março de 2007, em Viena, os serviços secretos de Israel conseguiram entrar no quarto de hotel de Ibrahim Othman, o responsável pelas aspirações nucleares da Síria. Este tinha acabado de sair para jantar e deixou o computador no quarto. Neste, os israelitas conseguiram aceder a um conjunto de fotografias e documentos que apontavam que a Síria estava mesmo a construir um reator nuclear em Deir ez-Zor — e que, para isso, contou com o auxílio da Coreia do Norte, então liderada por Kim Jong-il.

Coreia do Norte. Os negócios secretos do terror

O reator nuclear foi construído na Síria com auxílio de técnicos da Coreia do Norte, país que tem uma longa relação de cooperação com o regime de Damasco, já desde a década de 1970, quando a Síria era governada por Hafez al-Assad (pai de Bashar al-Assad) e a Coreia do Norte por Kim Il-Sung (avô de Kim Jong-un). Este era apenas um dos vários eixos da internacionalização do savoir-faire norte-coreano por países do Médio Oriente e de África, descritos ao pormenor neste especial do Observador. Quando os israelitas bombardearam o local, o reator nuclear já estaria a funcionar.

Em 2010, Bush já tinha contado que israelitas pediram ajuda

Os bombardeamentos aconteceram entre 5 e 6 de setembro de 2007 e, desde então, os militares envolvidos foram obrigados a manter silêncio em torno do que se passou. “Não houve cerimónias, não houve fanfarra”, contou ao Times of Israel um dos pilotos dos oito aviões militares — quatro F-15 e outros tantos F-16 — que participaram na operação. “Claro que tínhamos noção do significado histórico do nosso feito, mas tínhamos de nos controlar.”

Porém, há vários anos que esta operação deixou de ser um segredo bem guardado para ser um segredo de polichinelo. No livro de memórias de George W. Bush, “Decision Points”, publicadas em 2010, o ex-Presidente dos EUA contava como Israel pediu apoio a Washington D.C. para o bombardeamento contra a Síria. George W. Bush, depois de hesitar, recusou ajuda aos israelitas, referindo que a guerra no Iraque a no Afeganistão não permitiam aos EUA arriscar uma terceira frente de conflito no Médio Oriente.

Além dos israelitas, há outra parte que até agora tem mantido silêncio sobre este tema — e que, presumivelmente, continuará. Trata-se do regime de Bashar al-Assad, que à altura não admitiu, nem fez referências, ao bombardeamento israelita que dizimou as aspirações nucleares da Síria.