O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, admitiu esta segunda-feira que existe má gestão em alguns hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e negou que haja uma “sobreposição” do Ministério das Finanças relativamente ao da Saúde com a criação de uma estrutura de missão destinada a monitorizar as contas do SNS.
Adalberto Campos Fernandes e Mário Centeno apresentaram esta tarde a Estrutura de Missão para a Sustentabilidade do Programa Orçamental da Saúde, unidade que vai estudar o financiamento do SNS e propor recomendações ao Governo para melhorar a gestão financeira da área da saúde, com os pagamentos em atraso nos hospitais como principal prioridade.
Na conferência de imprensa, os ministros das Finanças e da Saúde sublinharam a importância de criar uma estrutura composta por especialistas que seja “temporária e transitória” — dura até ao final da legislatura –, que permita fazer um diagnóstico da situação atual e que ajude os hospitais com pior desempenho a “aproximarem-se das boas práticas”.
Reagindo às críticas por parte do PSD, que há duas semanas classificou a estrutura de missão como “uma inaceitável situação de dependência e subalternização do Ministério da Saúde face ao Ministério das Finanças”, Adalberto Campos Fernandes recusou qualquer sobreposição entre ministérios e até destacou que a ideia de criar a estrutura foi sua.
Os ministros anunciaram também que esta unidade vai ter como coordenador Julian Perelman, professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, e como coordenadora adjunta Antonieta Ávila, especialista em economia ligada à gestão hospitalar.
Ideia foi do ministro da Saúde
O ministro das Finanças, Mário Centeno, começou por lembrar que “é inegável o peso que o setor [da saúde] assume nas contas públicas”, pelo que é necessário “melhorar a eficiência e a sustentabilidade” do Serviço Nacional de Saúde. “O diagnóstico vai contribuir para ganhos na saúde” afirmou Centeno, destacando que “a equipa que hoje inicia funções terá como funções reforçar o acompanhamento” do financiamento de saúde, bem como “a formulação de medidas que contribuam para melhor a sua eficiência”.
Centeno destacou também que o Governo não pretende “criar mais uma entidade duradoura”, mas sim uma estrutura “temporária e transitória”. “Queremos que os contributos [da estrutura de missão] constituam legados” para melhorar “a eficiência do programa orçamental”.
Já o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, interveio para recordar que a ideia de criar uma estrutura de missão composta por especialistas foi ideia sua e resultou da “particular intensidade” na articulação entre os ministérios da Saúde e das Finanças, não só devido às carreiras dos profissionais de saúde como também pela “pressão que a saúde representa nas contas públicas”.
“Esta foi uma ideia do ministro da Saúde, proposta ao ministro das Finanças”, para chegar a uma forma de levar a cabo uma “reflexão mais técnica e até mais académica” sobre o setor que inclua uma avaliação do que tem sido feito e um conjunto de propostas de futuro.
Para Campos Fernandes, são precisas “respostas novas para problemas velhos e conhecidos”. Tendo em conta que “o país não passou para uma situação de liberdade orçamental”, o ministro da Saúde considerou que “a pior coisa que o Governo podia fazer ignorar a sustentabilidade do Estado social”.
Ministro critica “debate de pouca qualidade” sobre SNS
O ministro da Saúde criticou o “debate de pouca qualidade” em torno do Serviço Nacional de Saúde, referindo-se às acusações do PSD — que criticou recentemente a criação da estrutura de missão e considerou que o o ministério da Saúde tem perdido autonomia, estando “dependente do Ministério das Finanças”. Sublinhando que a ideia foi sua, Campos Fernandes destacou que “há quem diga que há sobreposição das Finanças sobre a Saúde, mas isso não é verdade”. “Os objetivos do Ministério das Finanças são os mesmos do Ministério da Saúde”, afirmou.
O ministro da Saúde lembrou também as palavras de Mário Centeno no Parlamento sobre “má gestão na Saúde”, que diz terem sido “empoladas”. “Há má gestão na saúde como em várias áreas. Temos hospitais com elevadíssimo desempenho e outros com muito mau desempenho. Temos de ajudar os que têm mau desempenho a aproximarem-se das boas práticas”, disse o Campos Fernandes.
Mário Centeno acrescentou ainda que esta estrutura de missão não se vai sobrepor à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), uma vez que a equipa liderada por Julian Perelman será temporária. “Há um pensamento muito claro e delimitado, quer no tempo, quer no objeto”, destacou Centeno, afirmando que os resultados da estrutura de missão servirão “de legado àquilo que são as instituições responsáveis pela gestão do sistema”.
Adalberto Campos Fernandes detalhou ainda que não só as entidades não se vão sobrepor como vão colaborar. “Seguramente que a ACSS vai trabalhar diariamente com estas pessoas”, disse o ministro da Saúde, destacando que entidades como a unidade de missão são “estruturas enzimáticas”, que visam “acelerar os procedimentos”.
O ministro da Saúde deu exemplos de como recomendações académicas podem melhorar a sustentabilidade do SNS: os pagamentos centralizados à indústria farmacêutica, podem fazer diminuir os preços deixando mais recursos financeiros para o apoio médico; ou então a compra de um equipamento para realização de exames, que faz com que determinado hospital deixe de ter de comprar esses exames a clínicas privadas.
“Não há solução fácil, senão já teria sido aplicada”
Em declarações aos jornalistas no final da apresentação pública, o coordenador da estrutura de missão, Julian Perelman, explicou que a sua equipa precisa “de analisar as contas e de falar com uma série de pessoas” antes de poder “falar com conhecimento de causa e não dizer generalidades”.
“Há várias teorias sobre o que está a acontecer em termos de financiamento no Serviço Nacional de Saúde. A má gestão poderá acontecer, a questão da sub-orçamentação também, portanto não há ponto de partida, não clichés sobre o que está a acontecer”, assegurou Perelman.
“Penso que [o trabalho da estrutura de missão] é um trabalho difícil”, acrescentou o académico. “Como disse o ministro da Saúde, o aumento da despesa na saúde é algo que não é especificamente português, é algo que acontece em todos os países europeus e desenvolvidos. Não há solução fácil, senão já teria sido aplicada. O que nós queremos é perceber um pouco melhor o que está a acontecer e como é que podemos melhorar o quadro de sustentabilidade.”