Há mais “Mercúrios” no universo e os cientistas andam à procura deles. Aquele que foi descoberto agora tem o tamanho da Terra, mas podem existir outros maiores — ninguém sabe ainda. Os resultados foram publicados esta segunda-feira na revista científica Nature Astronomy por uma equipa internacional que inclui investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).

A equipa portuguesa estava a estudar as imagens do telescópio espacial Kepler quando encontrou algo que poderia ser um novo planeta a orbitar a estrela K2-229, a 340 anos-luz da Terra (um ano-luz são cerca de 9,5 biliões de quilómetros). Tudo o que conseguiram ver foi uma sombra a passar à frente da estrela, por isso era preciso ter a certeza de que se tratava realmente de um planeta e não de outra estrela que com ela formasse um binário (duas estrelas que giram em torno de um ponto comum), nem de qualquer outro corpo celeste, contou ao Observador Susana Barros, uma das autoras do artigo.

Pediram mais informações em relação aquele momento. Por um lado, verificaram que se tratava realmente de um planeta e avaliaram a sua massa e raio relativos (em proporção à estrela). Por outro, analisaram as propriedades da estrela como massa, raio, composição (em elementos químicos) e temperatura. Combinando estes dois tipos de dados foi possível perceber que o novo planeta — K2-229b — tinha um tamanho semelhante ao da Terra, mas uma massa duas vezes e meia superior, logo era muito mais denso.

Esquema da estrutura de Mercúrio, com o núcleo em ferro (laranja) — a ocupar 70% do planeta —, o manto (a vermelho) e a crosta (camada exterior) — Nicolle Rager Fuller, National Science Foundation

Cerca de 30% da Terra é formada por um núcleo metálico, em ferro, sendo os restantes 70% silicatos que compõem o manto. O planeta recém-descoberto terá uma composição diferente, com cerca de 68% de ferro. Esta composição é muito mais próxima do vizinho Mercúrio, que também terá cerca de 70% de ferro.

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O disco de acreção é um anel de gás e poeiras capturados pelo efeito da força da gravidade, por exemplo de uma estrela ou de um buraco negro, e mantidos em órbita em torno desse corpo. Se o disco pertencer a uma proto-estrela, é daí que se formam os planetas e restantes corpos do sistema estelar.

Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço

Estes dois planetas parecem ser exceções nos sistemas estelares onde se encontram. Por norma, os planetas têm uma composição semelhante à das estrelas-mãe (com exceção para os elementos hidrogénio e hélio), que se justifica porque o disco de acreção dá origem tanto à estrela como aos planetas e restantes corpos do sistema estelar. Porque é que Mercúrio, K2-229b e outros planetas ainda por descobrir têm estas características permanece por descobrir. Mas há algumas hipóteses.

A hipótese mais aceite neste momento é que um impacto grande e forte, durante a formação do planeta (seja ele Mercúrio ou K2-229b), lhe retirou uma grande parte do manto, explicou Susana Barros. Mais ou menos como o impacto que a Terra sofreu e que veio dar origem à Lua. Mas enquanto que, na formação da Lua, a Terra e o seu satélite se reagregaram formando os dois planetas, no caso de Mercúrio (ou K2-229b) o manto terá sido perdido.

Outra hipótese é a evaporação do manto. Em Mercúrio não será tanto o caso, mas o planeta K2-229b está muito mais perto da estrela, chegando a atingir temperaturas superiores a dois mil graus celsius (quando em Mercúrio a temperatura máxima rondará os 430 ºC). No entanto, os cálculos para a matéria que se perde desta forma não justificam todo o manto que poderá ter desaparecido de K2-229b, disse Susana Barros. Ainda que a evaporação do manto possa acontecer, com o que se sabe neste momento a evaporação não é suficiente para explicar o fenómeno.

Há ainda mais uma hipótese, contou Susana Barros. O disco de acreção poderia ter menos silicatos na região mais central onde se forma o primeiro (ou primeiros) planeta. Mas até agora não é possível justificar o que levaria a esta diferença. Se se descobrirem planetas com núcleos ricos em ferro a distâncias maiores da estrela-mãe, esta teoria cai por terra.

A verdade, confessou a investigadora, é que “se conhecem muito poucos planetas com tanta profundidade”. Este foi possível estudar em pormenor, porque gira em torno de uma estrela mais brilhante do que a média, mas nem sempre é possível recolher tanta informação e com tanta qualidade. “O próximo passo é descobrir mais planetas”, disse a investigadora. “Estamos interessados nos planetas mais pequenos — superterras e planetas terrestres —, que tenham até dez vezes o tamanho da Terra.”