A Uber é uma daquelas empresas que arrisca muito para tentar surfar a onda da inovação e do crescimento em ritmo acelerado, pelo que passa a vida em tribunal, a perder processos atrás de processos, e ficando quase sempre com a reputação beliscada. Em abono da verdade, é um facto que a Uber parece ter agora uma gestão mais civilizada, desde que o co-fundador Travis Kalanick cedeu o volante – foi mesmo forçado pela administração – a Dara Khosrowshahi, o novo CEO. Foram inúmeras as situações no passado, tendo ficado na memória os casos de assédio sexual – que motivaram mesmo o afastamento de Kalanick –, e o processo perdido para a Google, por roubo e apropriação indevida de propriedade intelectual relacionada com os veículos autónomos desenvolvidos pela Waymo.

Curiosamente, o atropelamento mortal de Elaine Herzberg, de 49 anos, que atravessava uma larga avenida à noite e a pé, fora da passadeira e empurrando uma bicicleta, quando foi embatida por um Volvo XC90 equipado com condução autónoma, nem vai chegar a tribunal. O acidente teve lugar em Tempe, no Arizona, estado americano que acolheu de braços abertos os testes de veículos sem condutor. Acolheu, porque já não acolhe, com o governador a decidir suspender os ensaios após o atropelamento fatal.

Nenhum dos intervenientes esteve particularmente bem no triste caso, pois se o peão atravessava uma via larga com pouca ou nenhuma iluminação, fora da passadeira, o carro da Uber também esteve longe de ter um desempenho recomendável, pois se as imagens das câmaras a bordo permitiram constatar que a vítima não era visível a segundos antes do embate, também mostram que o condutor ia distraído e sem olhar para a estrada, como era sua obrigação, no momento do acidente.

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Mais grave do que isto, o sistema de detecção de peões mostrou grande vulnerabilidade, pois apesar de contar com LiDAR, câmaras e radares de médio alcance, não conseguiu aperceber-se da aproximação do peão. E se a falta de luz é uma limitação importante para o condutor, não o é para o LiDAR (Light Detection and Raging), que funciona com emissores de raios laser, para o qual não há “noite” que o impeça de ver.

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A Nvidia, nome que todos conhecem como fabricante de placas gráficas para os computadores capazes de lidar com os melhores videojogos, e que desenvolveu sistemas específicos para a condução autónoma, foi a primeira a sacudir a água do capote, enterrando ainda mais a Uber, afirmando que o XC90 em causa tinha os sistemas de detecção de peões desligados, o que se por um lado explica o que aconteceu, por outro foi perfeitamente assassino para as intenções da empresa de transportes. É claro que a Nvidia não agiu de forma inocente, uma vez que a Toyota estava compradora do seu sistema e do utilizado pela Uber, de que passou a fugir a sete pés após o acidente. Também a Aptive e a Mobileye, parceiros da Uber, procederam de igual forma, certificando que não foram os seus sistemas que falharam.

De salientar que até no pós acidente é evidente uma diferente postura por parte da Uber, agora sob a batuta de Khosrowshahi. Depois de a filha de Elain Herzberg ter recorrido à firma de advogados Bellah Perez PPLC, com Cristina Perez a ser a responsável pelo caso, eis que a Uber se prontificou a fazer o tema desaparecer ainda antes de ir a tribunal, chegando a acordo com a família da vítima. O que se compreende, pois a empresa de transportes americana tinha perante si a possibilidade não só de perder um processo-crime, como também um cível. E se no primeiro ainda teria algumas hipóteses de defesa, no segundo não tinha nenhumas, isto num país em que a senhora que tentou (sem sucesso, é claro) secar o gato no micro-ondas também ganhou o processo, o mesmo acontecendo com a que se queimou ao entornar o café no McDonalds, só por estar quente.

O tipo de acordo não foi revelado e muito menos o valor pago à filha de Elain. Mas, por muito elevada que fosse a quantia, não foi nada comparado com os custos que a Uber vai de enfrentar, fruto de ter suspendido todos os testes dos carros autónomos, no seguimento da posição de governador local, que depois de uma inusitada abertura para a inovadora tecnologia decidiu fechar por completo o seu território aos carros sem condutor.