O xeque a Bruno de Carvalho estava pronto e preparado para ser feito na passada segunda-feira, quando Jaime Marta Soares, a seguir à reunião que manteve com os restantes quatro elementos da Mesa da Assembleia Geral (a vice Eduarda Proença de Carvalho e os vogais Miguel de Castro, Luís Pereira e Tiago Abade), tinha nas mãos a bomba que poderia fazer a implosão no momento conturbado que o Sporting atravessa: a convocatória de uma Assembleia Geral com a proposta de revogação do mandato do presidente leonino e restante elenco da direção. E assim continua, parada e sem ser entregue. Algumas vozes com peso no universo verde e branco, após uma primeira abordagem ao próprio no sentido de aferir a disponibilidade de demissão, assumiram estarem agora contra o número 1; Bruno de Carvalho pode ter cometido pecados, sobretudo nas últimas semanas e em função de um excessivo desgaste reconhecido pelos mais próximos, mas possui virtudes que adiam o mate.
O futuro dos leões joga-se nesta altura a dois níveis, mas apenas um conta, enquanto não houver sinais em contrário: o interno. E se Jaime Marta Soares estava decidido a avançar com uma reunião magna extraordinária para levar à votação dos associados a destituição de Bruno de Carvalho, até por se ter sentido atacado nos seus últimos posts, o presidente verde e branco, ao mesmo tempo que vai aproveitando para estar mais resguardado com a família e a filha nascida na passada segunda-feira, está tão ou mais decidido a prosseguir o mandato para o qual foi eleito no ano passado. Não por finca pé, mas por convicção pessoal de que é a melhor solução para o Sporting, uma ideia que foi perdendo a unanimidade da última Assembleia Geral sobretudo após a derrota em Madrid e consequente post no Facebook onde criticava alguns dos jogadores.
Segundo explicaram ao Observador, têm existido contactos frequentes entre todos os órgãos sociais do Sporting (Conselho Diretivo, Assembleia Geral e Conselho Fiscal e Disciplinar) no sentido de encontrar uma plataforma de compromisso que permita estabilizar o clube pelo menos até ao final da temporada. Chegou a ser ponderado um comunicado conjunto, mas o mesmo nunca chegou a ser acordado. Neste contexto, o tempo joga a favor de Bruno de Carvalho e não foi por acaso que a Sporting SAD fez um comunicado deixando no ar a ideia que qualquer Assembleia Geral nesta altura poderia colocar em causa o empréstimo obrigacionista que vence na terceira semana de maio (para o qual já estava decidido o banco que montaria a operação e entregue o prospeto à CMVM). E é por isso que existem pressões externas para que a Mesa da Assembleia Geral avance com a marcação de uma reunião magna, o que ainda não aconteceu. Se irá sequer acontecer ou não, ninguém sabe.
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A tomada de posição de Ricciardi e as movimentações nos bastidores
As declarações de José Maria Ricciardi esta quarta-feira ao jornal Record não foram propriamente surpreendentes a nível de conteúdo, pois era conhecida no seio do universo verde e branco a “viragem” do banqueiro em relação à condição de Bruno de Carvalho enquanto presidente do Sporting, mas acabaram por surgir mais cedo que se esperava, tendo em conta os futuros compromissos do futebol e, em paralelo, as diligências que têm sido feitas no intuito de encontrar um nome que, em caso de demissão do atual líder (que não vai acontecer, pelo menos por vontade própria), possa perfilar-se como uma verdadeira alternativa.
“Regressado dos Estados Unidos e perante os acontecimentos mais recentes e a evolução entretanto verificada no Sporting, deixam de estar reunidas as condições para me manter nos órgãos sociais [n.d.r. era membro do Conselho Leonino, órgão que tem vindo a somar revogações em série mesmo antes da recente crise no clube e que nas próximas eleições deixará de existir]. É hora de retirar o apoio ao presidente do Sporting, dr. Bruno de Carvalho. O clube precisa de regressar a uma normalidade institucional”, defendeu Ricciardi.
Na véspera, tinha sido a Holdimo, detentora de cerca de 29% da SAD, a pedir uma Assembleia Geral urgente da sociedade por causa da crise aberta após a derrota em Madrid, numa decisão assente “nas consequências financeiras e no potencial prejuízo da atual clivagem no clube para os ativos da sociedade”, entre outras.”As ações da Sporting SAD estão suspensas da negociação bolsista, pela segunda sessão consecutiva, em consequência de quebras de cotação superiores a 30 por cento (…) O debate público sobre questões internas tem contribuído para uma exposição que é absolutamente dispensável e atentatória da melhor tradição da marca Sporting. As relações humanas têm momentos de tensão que temos de saber gerir com a maior ponderação, discrição e bom senso”, explica a missiva. Álvaro Sobrinho, como tínhamos dado conta, esteve muito próximo de Bruno de Carvalho no início do mandato mas a relação foi esfriando, e muito, com o passar do tempo.
Entre estas declarações públicas que “apertaram o cerco” a Bruno de Carvalho, têm-se realizado alguns almoços e jantares (o último fora de Lisboa) entre “fações” distintas do clube para encontrar uma solução o mais consensual possível, com o nome de Rogério Alves a ser o principal apontado enquanto mais ninguém consegue “convencer”. O próprio presidente leonino já sabia dessas tentativas, tendo mesmo referido isso na última Assembleia Geral. “Por que não fala dos almoços e jantares que nunca cessam porque este é o clube do bota abaixo constante? Por que se quer manter como o Dom Sebastião do nosso clube e não afirma de uma vez por todas que quer ser presidente do Sporting e que tudo fará para o conseguir?”, referiu no discurso de abertura da reunião magna, onde aprovou as alterações estatutárias e o novo regulamentar com quase 90%.
Ainda assim, o advogado tem ouvido esses pedidos mas está longe de aceitar esse repto, até pela vida profissional preenchida. João Benedito é outro nome falado, mas não o único. E há sempre a possibilidade de avançar um nome forte out of the box. Tanto como a máxima um dia deixada por Pimenta Machado, ex-presidente do V. Guimarães: “O que hoje é verdade, amanhã pode ser mentira”. No Sporting, mais do que uma vez, isso já aconteceu.
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Os jogos do Sporting em Alvalade com o P. Ferreira já parecem ser um autêntico karma para os presidentes leoninos nas alturas de maior instabilidade em termos diretivos e o cenário repetiu-se: em 2001, após um encontro onde os pacenses já venciam por 3-0 aos 22 minutos (acabou 3-1), houve agressões na bancada central entre apoiantes e contestatários do então líder Dias da Cunha, além de uma tentativa de invasão da sala de direção no antigo estádio; em 2013, depois de uma derrota por 1-0 que prolongou a agonia dos maus resultados verde e brancos, Godinho Lopes voltou a ser contestado com manifestações de desagrado no interior e arredores do recinto (e o técnico Franky Vercauteren acabou mesmo por sair sem aquecer o lugar); agora, no triunfo por 2-0 com golos de Dost e Bryan Ruíz, Bruno de Carvalho foi alvo de assobios mas tudo se resumiu a assobios (ou muitos assobios) e uns cânticos durante o jogo, nos momentos onde ia ou saía do banco de suplentes.
Comparando os contextos de cada uma dessas expressões dos associados, as duas primeiras estavam ligadas a momentos muito baixos a nível de resultados, enquanto que a do passado domingo teve a ver com a troca de críticas nas redes sociais entre presidente e jogadores. Nas duas primeiras, não foi marcada nenhuma Assembleia Geral; faria sentido isso acontecer agora? Bruno de Carvalho considera que não e essa é uma das críticas que aponta a Jaime Marta Soares, além de se ter sentido traído com as declarações do líder da Mesa da Assembleia Geral. No entanto, e desde segunda-feira, sabe que as regras do jogo mudaram e tem tentado adequar-se à mesmas, aconselhado também pelas muitas pessoas que o continuam a apoiar e a manifestar-lhe isso mesmo.
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Nesse sentido, e um pouco contra a sua vontade, Bruno de Carvalho fechou a sua página do Facebook. E fechou porque queria dar um sinal de que não passa ao lado das opiniões reinantes no universo verde e branco e não por mera convicção: o líder verde e branco considera que a rede social é um importante veículo para conseguir passar determinadas mensagens aos sócios e adeptos, sobretudo em matérias como as novas tecnologias, o caso dos vouchers ou a reclamação de quatro Campeonatos, mas admitiu que algumas vezes acabava por atrair mais reações negativas do que consonantes com aquilo que queria passar. “Não cedo um milímetro no meu amor a este clube, à sua defesa, mas para mim terminou de vez esta guerra surda de vos querer manter informados pelo meu único canal de informação próprio, o meu Facebook. E estou ansioso por ver esse exército pronto para a luta, essa militância inquestionável, onde desde rivais, políticos, comunicação social, Ministério Público, Clubes, Liga, Federação, entre tantos, vão estar-se nas tintas, como sempre estiveram, até chegar esta direção”, escreveu no adeus.
Em paralelo, ciente do excessivo desgaste das últimas semanas, o presidente do Sporting pretende resguardar-se um pouco, estar com a família aproveitando também a licença e deixar o atual ambiente acalmar em silêncio, vendo também o que se passa à sua volta para perceber as movimentações de quem não pertencia à “minoria dos 10%” e entretanto assumiu a vontade que saísse do posto. Nesta altura, Carlos Vieira, vice-presidente com a área financeira, encontra-se na China, mas quando regressar vai fazer a transição até o número 1 regressar. Neste período, Bruno de Carvalho avalia também o que terá corrido assim tão mal para que, como disse Dias Ferreira, “todo um projeto liderado durante cinco anos tenha chegado a este ponto em três ou quatro dias”.
O conflito com o plantel de futebol, ou pelo menos com alguns dos pesos pesados do balneário, surge à cabeça como o principal problema que potenciou a insatisfação expressa pelos associados leoninos no passado domingo (e que terá de ser resolvido, com ajuda de intermediários), mas a “paragem” tem servido para avaliar outros eventuais problemas. As comunicações pelo Facebook, apesar de ser um aspeto onde sobretudo considera ter sido mal interpretado, é um desses pontos. As várias guerras abertas em simultâneo, nomeadamente com a comunicação social à mistura, é outro. Tal como as respostas a movimentações internas que ia percebendo, da rábula dos “sportingados” aos “grupos da Versailles ou do Império”, como apontou numa Assembleia Geral.
Bruno de Carvalho: “Se querem a minha demissão há um sítio próprio”
Por isso, e já depois de ter fechado a conta do Facebook, Bruno de Carvalho deu mais um “sinal” no comunicado assinado pela administração da SAD, onde foram retirados os processos a todos os jogadores após reunião entre a Comissão Executiva da sociedade, que conta ainda com Carlos Vieira (ausente do país), Guilherme Pinheiro e Rui Caeiro (Nuno Correia da Silva, vice-presidente da Holdimo, é membro não executivo).
“Apesar de ter sido unanimemente considerado, pela Administração da SAD e pelo Conselho Diretivo do Sporting, que a atitude dos jogadores da equipa principal de futebol profissional foi incorreta para com a sua entidade patronal, entendeu-se que o momento atual tem que ser ainda de maior união e coesão, de forma a que possamos cumprir aquelas que são as naturais aspirações do universo sportinguista, isto é, a conquista das provas em que estamos a competir”, explica, acrescentando: “Com este gesto, a Administração da SAD e a Direção do clube querem mostrar, mais uma vez, que os superiores interesses do Sporting estão e estarão sempre acima de qualquer situação ou decisão. Por vezes, estes superiores interesses justificam que seja dado um passo atrás, tendo a humildade de reconhecer estar a contribuir para que a equipa possa, dentro de campo, dar todos os passos em frente que sejam necessários à conquista da glória que todos pretendemos alcançar”.
Bruno de Carvalho recua e retira processos disciplinares aos jogadores
Muito provavelmente, Bruno de Carvalho voltaria a fazer tudo o que fez; eventualmente, admite que poderia tê-lo feito de outra forma. Mas também sente que foi por algumas dessas coisas que o Sporting chegou ao ponto onde se encontra cinco anos depois, de alma renovada, um número recorde de sócios, equipas competitivas no futebol (onde tem a grande pecha de não ter atingido o Campeonato) e nas modalidades que voltaram aos títulos europeus, o pavilhão. E é isso que defenderá sempre, com ou sem reunião magna: pode não gostar-se do estilo, que poderá tentar “limar” ou gerir de outra forma, mas mais importante do que a forma deve ser sempre o conteúdo.