Um livro inédito de Jorge Luis Borges chega esta sexta-feira às livrarias portuguesas, com o título “O Tango” e quatro conferências que o escritor argentino deu em 1965, recuperadas quase 50 anos depois, porque alguém na assistência as gravou.

No ano de 1965, durante quatro dias, Jorge Luis Borges falou — e cantou — para um grupo restrito de pessoas sobre a origem, os símbolos e os mitos dessa célebre música e dança argentina que é o tango. Tudo poderia ter ficado por aí, não se tivesse dado o caso de alguém na assistência ter gravado as palavras do autor de “Ficções”.

As gravações permaneceram desconhecidas durante muitos anos, e as conferências ficaram esquecidas, até chegarem às mãos do escritor espanhol Bernardo Atxaga, em 2002, e serem autenticadas por María Kodama, viúva do escritor, em 2013.

Foi desta forma que chegou até aos leitores de hoje uma obra ainda inédita de um escritor que nasceu há 119 anos e morreu há 32. As conferências “luminosas e brilhantes”, reunidas em “O Tango”, editado em Portugal pela Quetzal, revelam um Jorge Luís Borges que recitava e cantava, ao mesmo tempo que descrevia a origem, os símbolos e os mitos da grande música do Rio da Prata, revela a editora.

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Nestes textos “notáveis e coloridos”, como descreve a Quetzal, Borges conta a história do porto e dos bairros de Buenos Aires e do seu violento lirismo de navalha e sangue: “O tango dá-nos a todos um passado imaginário”.

Por isso, Borges considerava que conhecer o tango era conhecer o lado negro da alma portenha, que entrou na literatura com esse universo de ‘compadritos’, “mulheres de má fama”, histórias de amor e morte, com um tom valente e feliz que depois seria também triste e melodramático.

“E há, além disso, um nome, um nome que os senhores, sem dúvida, estarão à espera de ouvir, e que é um nome um tanto posterior, de Carlos Gardel. Porque Carlos Gardel, além da sua voz, além do seu ouvido, fez algo com o tango, algo que tinha sido tentado antes, mas de um modo parcial, e que Gardel levou, não sei se à perfeição, mas a um ponto culminante”, acrescentou o escritor.

Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires, em 1899, cresceu no bairro de Palermo, “num jardim, por detrás de uma grade com lanças, e numa biblioteca de ilimitados livros ingleses”, como descreveu o próprio autor. Em 1914 viajou com a família para a Europa, acabando por se instalar em Bruxelas e, posteriormente, em Maiorca, Sevilha e Madrid.

Regressado a Buenos Aires, em 1921, Borges começou a participar ativamente na vida cultural argentina e, dois anos depois, publicou o seu primeiro livro, “Fervor de Buenos Aires”. O reconhecimento internacional, contudo, só chegaria muito mais tarde, em 1961, com o prémio Formentor, a que se seguiram muitos outros.

A par da poesia, Borges escreveu ficção — centrada no conto e na narrativa breve –, crítica e ensaio. A sua obra cruza todos os saberes e os grandes temas universais: o tempo, o “eu e o outro”, Deus, o infinito, o sonho.

O escritor e ensaísta Michael Coetzee disse de Borges que, “mais do que ninguém, renovou a linguagem de ficção e, assim, abriu o caminho para uma geração notável de romancistas hispano-americanos”. Jorge Luís Borges foi ainda professor de Literatura e dirigiu a Biblioteca Nacional de Buenos Aires, de 1955 e 1973. Morreu em Genebra, em junho de 1986. Visitou Portugal em outubro de 1984.