É quase cliché ouvir-se falar de um momento de inspiração súbita por detrás de uma grande criação, de um “Ahh!” ou, como acontece nos desenhos animados, de uma lâmpada que de repente se acende. Por vezes, as grandes ideias surgem assim, do nada. Mas para Gonçalo Soares da Costa, Ricardo Monteiro e Elísio Santos, que criaram uma espécie de centro comercial online que permite comprar e receber as compras a partir de duas horas, não houve momentos eureka. Para chegar àquilo a que chamaram Mercadão fizeram-se valer da sua experiência, formação e estudando aquilo de que melhor se faz lá fora, criando-o um bocado como se tivessem a escrever um livro.
“Se tu leres muito, se conheceres bem a tua língua, pode ser que um dia até escrevas um bom livro. Tens é que ler, senão nunca consegues escrever nada de jeito. Aqui é a mesma coisa do ponto de vista de negócio”, disse ao Observador Gonçalo Soares Costa, diretor-geral da empresa a que pertence o Mercadão, a Fonte Online.
O Mercadão já está disponível em Lisboa, Sintra, Porto, Matosinhos e Leça da Palmeira e reúne retalhistas como o Pingo Doce, que assim volta a vender na internet, a Science4you e a garrafeira online Vinha. Esta plataforma permite aos clientes receber aquilo que compraram no mesmo dia e a partir de duas horas da compra, sem custos adicionais nos produtos, graças a uma equipa de personal shoppers (indíviduos que fazem as compras por si) espalhados por diferentes áreas das cidades em que o serviço está disponível, que assim garantem a rapidez de entregas e que tornam o serviço “local”.
“Em termos de operação, não olhamos para uma cidade maior como Lisboa”, disse Gonçalo. “Nós talhamos Lisboa em áreas mais pequenas e o utilizador é servido pelas lojas físicas que estiverem mais próximas [do cliente]. Só dessa maneira é que conseguimos fazer as entregas a partir de duas horas”, explicou.
Eis como funciona: através do site (a plataforma ainda não tem app), que está optimizado para computadores, tablets e smartphones, o cliente faz uma encomenda das lojas que quiser, comprando os produtos ao mesmo preço a que compraria em loja. A partir daí, um colaborador do Mercadão — o tal “personal shopper” — dirige-se às lojas mais próximas do destino da encomenda para, no fundo, fazer as compras pelo cliente, que pode acompanhar o processo através do site e até entrar em contacto com o “shopper” — e vice-versa — caso surja algum imprevisto. As encomendas são recebidas a partir de duas horas e com uma janela de entrega de 30 minutos.
Claro, ter alguém a fazer as compras por si tem um custo, que depende da marca a que está a comprar. No caso do Pingo Doce, por exemplo, existem duas taxas ou portes: a mais baixa, de 5 euros, aplica-se quando o cliente agenda uma encomenda a partir de quatro horas antes. Se tiver mais pressa, pode pagar a taxa expresso de 6,50 euros para receber a encomenda de forma mais urgente. Na primeira encomenda, o Mercadão oferece os portes em compras acima de 35 euros.
Para serem capazes de fazer as entregas sem atritos, estes personal shoppers passam dias a fazer entregas fictícias e recebem formação em questões relacionadas com a recolha de produtos. “É importante, por exemplo, saberem que não se pode carregar muito numa maçã, senão passado uma hora está pisada, e perceberem como acondicionar da melhor forma as compras para estas chegarem em condições ao cliente”, referiu o Gonçalo Soares da Costa.
Importante para a Fonte Online é garantir também que o Mercadão oferece um serviço mais pessoal ao cliente, algo que é conseguido graças, entre outras coisas, à divisão das cidades em diversas áreas e à facilidade de contactar os personal shoppers, que, ao invés de irem rodando por essas áreas, trabalham apenas numa, aumentando assim a probabilidade de o cliente ser servido pelo mesmo “shopper”. O objetivo é oferecer aos utilizadores da plataforma um serviço “mais próximo e menos rígido do que os serviços tradicionais”
“É provável que seja servido pelo mesmo ou pelos mesmos shoppers que trabalham naquela área, e com o tempo desenvolve-se uma relação de confiança e conhecimento até do próprio shopper”, disse Gonçalo ao Observador. Com essa confiança, referiu, “se calhar ao fim de uma quarta ou quinta entrega até telefona ao ‘shopper’ a dizer que não vai estar em casa e que pode deixar as compras com a vizinha.”
“Não queremos perder a independência”
Apesar de ser único em Portugal, o Mercadão nasce do estudo de empresas como a americana InstaCart, que também opera um serviço de entrega das compras no mesmo dia em que se fez a encomenda, e de anos de experiência dos fundadores na área do e-commerce: Gonçalo Soares da Costa, de 37 anos, foi diretor de negócio do Continente Online, onde Ricardo Monteiro, 32, foi gestor de negócio; Elísio Santos, por sua vez, foi diretor da área digital da Jerónimo Martins.
“Nós, os fundadores, já temos experiência em e-commerce. Como é evidente, nós vamos estando atentos àquilo que vai acontecendo no mundo, até porque não havia grandes marcas em termos de e-commerce em Portugal”, referiu o diretor-geral, acrescentando que não houve “propriamente um momento eureka” no que diz respeito ao Mercadão. “Quando sabes o que está a acontecer no mundo e vais estando a par daquilo que são as melhores práticas, depois é uma questão de fazeres as contas”, disse.
Feitas as contas, os fundadores chegaram a uma conclusão: “Epá, nós podíamos fazer isto cá!” Mas não tintim por tintim: isto porque, segundo Gonçalo Soares da Costa, “não dá para copiar modelos” nem há negócio “que passe de uma geografia para a outra em copy-paste”. “Tens de olhar muito bem para as condições do teu país e para os hábitos de compra dos clientes em Portugal”, considerou.
O Mercadão foi lançado em janeiro mas, segundo Gonçalo Soares da Costa, já conta “alguns milhares de utilizadores registados” em “muito pouco tempo de divulgação”, que até agora diz ter sido “muito por passa-palavra”. O investimento, explica o diretor-geral, é contínuo, “considera tecnologia e forte investimento em recursos humanos” e foi “assegurado pelos fundadores”.
“Somos uma empresa independente, não fomos atrás de capital de risco e é esse o caminho que pretendemos continuar a seguir no futuro. Queremos ter a autonomia e a agilidade que nos permitiram chegar ao ponto onde estamos hoje e, sobretudo, com a rapidez que o fizemos. Não queremos perder essa independência.”, afirmou Gonçalo Soares da Costa.
“A procura tem vindo a crescer dia após dia e vai continuar durante muito tempo”
Apesar do curto tempo de operação, o Mercadão já planeia aumentar a sua presença a nível geográfico — principalmente ao longo do litoral e para cidades como Braga, Coimbra e Guimarães.
“No verão pretendemos estar no Algarve, no Porto queremos alargar para Gaia e depois queremos estar nas principais capitais de distrito no litoral do país, que também devem estar fechadas ao longo deste ano. É importante chegarmos a essas zonas”, disse Gonçalo Soares da Costa, referindo ainda que pretendem reforçar as áreas em que já estão presentes.
Daqui para a frente, afirmou Gonçalo, o futuro do Mercadão passa, além do crescimento para novas cidades, por “alargar o número de parceiros”, trabalho que “ao longo das próximas semanas se vai tornar evidente para o consumidor”, e “aumentar a variedade em tudo aquilo que não seja o retalho alimentar” — “aí é Pingo Doce e ponto final”, garantiu. Além disso, o Mercadão está focado também em “melhorar do ponto de vista tecnológico” e oferecer novas funcionalidades aos clientes.
“Queremos aumentar a disponibilidade do serviço, e isto significa crescer para novas geografias e, nas áreas onde já estamos, fazer crescer a operação, a nossa equipa de ‘shoppers’, para garantir capacidade de resposta”, explicou. “A procura que temos tido tem vindo a crescer dia após dia, mas vai continuar a crescer durante muito tempo.”
*Tive uma ideia! é uma rubrica do Observador destinada a novos negócios com ADN português.