Encontrar a cura para a infeção pelo vírus VIH (vírus da imunodeficiência humana) seria o ideal. Mas encontrar uma vacina que possa prevenir a infeção não é menos relevante. Esta é a proposta da equipa norte-americana que esta segunda-feira publica na Nature Medicine: uma vacina com anticorpos contra o VIH modificados que pudesse ser dada de forma intermitente (uma ou duas vezes por ano). De notar que os resultados foram obtidos com macacos e que estes foram infetados com a variante símia do vírus — SIV (Vírus da Imunodeficiência Símia).

Os autores já antes haviam testados se os anticorpos anti-VIH funcionam contra o SIV em macacos, mostrando que os animais ficavam protegidos por algumas semanas. Agora, a equipa liderada por Michel C. Nussenzweig e Malcolm A. Martin, investigadores na Universidade de Rockefeller, usou estes anticorpos, mas com modificações, e conseguiu duplicar o tempo em que os macacos ficavam protegidos da infeção — pelo menos com um dos anticorpos usados (10-1074-LS).

A base da vacina são os anticorpos produzidos por humanos infetados com o vírus VIH (seropositivos), depois de modificados geneticamente. Estes anticorpos têm-se mostrado eficazes a diminuir a quantidade de vírus em circulação em seropositivos e a atrasar o reaparecimento do vírus no sangue em indivíduos que interrompem os tratamentos antirretrovirais. Mais, o uso destes anticorpos têm-se mostrado, regra geral, seguro e ativo in vivo (no próprio organismo).

Esta hipótese é promissora”, concorda Rui Soares, investigador em VIH na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, contactado pelo Observador. “De forma generalista o caminho da criação de uma vacina para VIH, tem mesmo de passar por métodos de manipulação genética e de indução de mutações.”

Os investigadores usaram dois anticorpos modificados — 3BNC117-LS e 10-1074-LS — vacinando seis macacos (Macaca mulatta) com um dos anticorpos e seis com o outro, apenas uma vez, por via endovenosa. Uma semana depois começaram a expôr os animais ao vírus SIV até que ficassem infetados. Os macacos que receberam 3BNC117-LS ficaram protegidos entre 11 a 23 semanas e os que receberam 10-1074-LS entre 18 a 37 semanas.

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Adicionalmente, seis macacos receberam uma vacina subcutânea de uma combinação dos dois anticorpos, mas em doses três vezes menores do que quando dados isoladamente. Mais uma vez, os animais foram expostos ao vírus todas as semanas. Um dos macacos ficou doente ao fim de seis semanas, os restantes resistiram entre 15 a 24 semanas.

Para comparar a eficácia, os investigadores expuseram semanalmente outros 12 macacos ao vírus SIV. Nenhum destes animais recebeu a vacina e ao fim de duas a seis semanas estavam infetados.

Uma vacina contra o VIH ou publicidade a mais?

Os resultados obtidos nos macacos são vistos, pelos autores como promissores, mas os mesmos reportam que os animais desenvolveram anticorpos contra os anticorpos modificados introduzidos pela vacina, provavelmente por serem anticorpos de origem humana. Os investigadores não esperam que esta reação ocorra quando os anticorpos modificados de origem humana seja introduzidos em humanos.

Rui Soares, médico no Instituto Português de Oncologia de Coimbra, alerta para outra questão: as células dos símios conseguem produzir uma proteína, a TRIM5-alpha, capaz de bloquear a ação dos retrovírus, como o VIH. Mas as células humanas não. “O que nos limita a extrapolação de conclusões relativamente à eficácia de uma vacina”, diz.

Embora este estudo apresente um resultado pré-clínico relevante na prevenção de VIH, escrevem os autores, é preciso lembrar que, para esta medida preventiva de contágio ser clinicamente eficaz, os anticorpos modificados usados têm de ser capazes de prevenir a infeção da enorme diversidade genética das estirpes do VIH e não apenas de uma versão de SIV. O próximo passo, acrescentam, é um ensaio clínico com humanos em que se utiliza um destes anticorpos modificados em indivíduos com e sem infeção com VIH para perceber como se comporta.

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Como é que o sistema imunitário humano vai reagir a esta vacina é uma das grandes questões levantadas pelo médico e investigador português. Outra está relacionada com a indução das mutações: quantas serão precisas e em que proteínas? “Penso que quanto mais específicos conseguirmos ser nesta indução, maior a capacidade de sucesso, ou seja, a escolha da proteína do gene do vírus do VIH, vai ditar a eficácia da vacina”, diz. “Sabemos que existem proteínas no gene do vírus, que poderão atrasar a evolução da doença e classificar o doente como um long term non progressor (LTNP) [progressores lentos da doença]. Serão estas proteínas as mais indicadas para a investigação e criação de uma vacina? Não sabemos.