Promover uma maior defesa do consumidor perante as grandes companhias. Foi com este argumento que o Governo alemão promoveu uma alteração legislativa que, ainda este ano, pode causar sérios problemas às marcas do Grupo Volkswagen. Até agora, qualquer cidadão germânico que se sentisse lesado por ser proprietário de um dos veículos envolvidos no Dieselgate, teria de interpor individualmente uma acção judicial contra o fabricante. Isso vai mudar.

Só no mercado doméstico do grupo, contabilizam-se 17.000 queixas contra a Volkswagen, avança o Financial Times. Sucede que, de acordo com a mesma publicação, 3.000 desses casos tiveram já resolução, com a marca germânica a ganhar 70% desses processos e a recorrer das outras decisões judiciais. Na prática, independentemente de quem movia a acção, estava-se sempre perante um caso de um indivíduo contra uma grande empresa – com tudo o que isso significa de disparidade de forças, meios e recursos, num processo que se pode arrastar anos. Ora, a ministra da Justiça alemã, Katarina Barley, anunciou que, em prol da defesa dos direitos dos consumidores, esta luta desigual tem os dias contados: a 1 de Novembro entra em vigor uma lei agora aprovada, que vai permitir aos queixosos unirem-se sob a forma de uma acção colectiva, um instrumento legal tipo aquilo que é designado por class action e que, na Alemanha, bem como numa série de outros países europeus, não estava previsto.

De acordo com a ministra, cerca de 2 milhões de alemães poderão agora socorrer-se desta nova fórmula legal que a governante descreve simplesmente como “um por todos”, já que “não serão os próprios consumidores que terão de ir a tribunal”, indo no seu lugar uma associação que os representa.

Porém, os prazos são apertados e o Governo alemão tem noção disso. Daí que, sublinhou Barley, o parlamento tenha procurado agilizar a alteração legislativa. Ainda assim, com a entrada em vigor apenas no início de Novembro, o novo instrumento legal deixa pouco mais de um mês aos potenciais queixosos para que se unam e, conjuntamente, movam uma acção contra o grupo germânico antes do final do ano.

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Recorde-se que nos Estados Unidos da América, a Volkswagen não teve outra alternativa se não a de reconhecer a culpa e assumir que tinha usado software ilegal nos seus carros a gasóleo – o software foi propositadamente concebido para “fintar” as normas americanas –, o que levou a marca a desembolsar qualquer coisa como 24,5 mil milhões de euros, entre retoma de veículos, multas e recuperação de sistemas. Na Europa, a postura do conglomerado alemão tem sido diferente. A linha de defesa até agora assumida passa por afirmar que o software em causa, utilizado em 9 milhões de veículos e que manipula as emissões em testes laboratoriais, é legítimo. Tanto que, em reacção a esta alteração legislativa, a Volkswagen já fez saber que aplaude o reforço dos mecanismos que garantam uma melhor defesa dos consumidores, ao mesmo tempo que fez questão de sublinhar que, até hoje, na Alemanha, acabou por ver os tribunais darem-lhe razão na grande maioria dos processos que já tiveram uma decisão judicial – como quem diz que é isso que deverá voltar a acontecer, à luz da lei, mesmo que os queixosos se unam.

Certo, para já, é que as opiniões se dividem. A Federação da Indústria Alemã entende que os cidadãos já dispunham de instrumentos para fazer valer os seus direitos, considerando que a possibilidade de desencadear uma acção colectiva abre porta a “abusos” que podem causar “danos reputacionais” nas organizações, independentemente da sentença que vier a ser proferida pelos tribunais. Postura contrária tem a Associação de Defesa do Consumidor germânica, cujo director Klaus Müller fez questão de referir que o escândalo Volkswagen é apenas “a ponta do icebergue”.